03 setembro 2015

Economia: ‘‘A nossa troika está aqui’’


A economia nacional tem vários “cadáveres”, que apareceram com mais contundência neste ano. Um deles é a valorização do câmbio, segundo Belluzzo – Foto: Marcos Coil

A crise brasileira tem similaridade com a da Grécia, pela ideia de que o ajuste vai fazer com que seja restaurada a confiança dos investidores e a irrealidade da meta. Mas a nossa Alemanha está aqui dentro, representada pelo mercado financeiro, diz Luiz Gonzaga Belluzzo.

Revista Brasileiros - Por Márcia PinheiroO economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirma que a crise brasileira se assemelha à da Grécia. Com uma única diferença: “A nossa troika está aqui. É representada pelo mercado financeiro e pela visão truncada e míope de seus economistas”.
Professor da Unicamp, sócio da FACAMP, da consultoria Una e da revista Carta Capital, Belluzzo diz que a presidenta Dilma Rousseff deveria ter negociado o ajuste fiscal – de resto, necessário – com os sindicatos e os movimentos sociais, que a reelegeram.
Infelizmente, não é o único problema. Para Belluzzo, a economia nacional tem vários “cadáveres”, que apareceram com mais contundência neste ano. A valorização do câmbio nos últimos 20 anos é um deles, o que provocou um processo de desindustrialização. Um segundo é o injusto sistema tributário. Nada menos do que 58% da receita dos impostos é paga pelas camadas de renda de até dois salários mínimos.
O economista defende uma total reestruturação nas empresas envolvidas na operação Lava Jato. A exemplo do que fizeram os Estados Unidos na crise das hipotecas, o governo deveria assumir as companhias, saneá-las e, posteriormente, vendê-las em leilões ou em operações de abertura de capital.
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Sarney), Belluzzo recebeu a reportagem da Brasileiros em seu apartamento em São Paulo, que mais se assemelha a uma bem cuidada e catalogada biblioteca. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Brasileiros – Por que a recessão no Brasil chegou com uma velocidade tão acentuada?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Temos algumas vulnerabilidades que se manifestaram agora. É preciso traçar a trajetória real do que aconteceu. Vamos voltar à reação da economia brasileira à crise de 2008. Foi muito rápida. O Brasil vinha em um ritmo de expansão, impulsionado pelo ciclo de commodities e pelo crescimento da economia mundial. Nossa economia cresceu com base no consumo. Naquele momento, entre 2004 e 2008, fomos muito bem, também amparados pelas políticas sociais e pelos reajustes reais do salário mínimo. Isso elevou o poder de compra de grande parte da população. E houve uma queda muito pronunciada dos preços dos bens duráveis, por conta da agressividade chinesa nas exportações, principalmente os eletroeletrônicos. Isso fez com que a renda real, sobretudo das pessoas que ascenderam economicamente, tivesse o auxílio dos preços relativos. Eu sempre dou o exemplo da televisão de tela plana. Na Copa do Mundo de 2006, comprei uma de 42 polegadas por R$ 12 mil; hoje, custa R$ 2 mil. Além disso, veio a expansão do crédito consignado e a ampliação do crédito imobiliário, com o programa Minha Casa, Minha Vida. O cenário todo colaborou para o aumento do bem-estar das famílias. Conseguimos recuperar rapidamente o crédito em 2009. A crise era de contágio, uma vez que no Brasil não havia calote de hipoteca, como nos Estados Unidos. Mas, em 2011, o ciclo de consumo foi perdendo força.

Mas do ponto de vista fiscal a situação não foi se deteriorando?
A relação entre o crescimento do PIB e da renda é de 2,5 por um. Quando a economia desacelera, isso se reverte. Se olharmos os primeiros anos do governo Dilma, é muito claro que a receita e o superávit primário continuaram a crescer, mas em menor ritmo. Em 2015, o superávit já é negativo na ponta. Portanto, a desaceleração da economia abriu espaço para o desequilíbrio fiscal. Outro dia, li uma análise de uns economistas mais ortodoxos, que dizia que as políticas sociais não cabem no PIB. Até brinquei: vai ver que eles querem jogar os velhos do penhasco. (...)

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