06 novembro 2008

Avaliação e propostas







PT e eleições 2008: Os desafios da nova administração municipal

* Por Tarso Genro

O resultado final das eleições municipais apresenta dados muito positivos para o PT, embora as análises acerca de nosso desempenho sejam bastante controversas. Uma parte da mídia optou por desencadear uma verdadeira ofensiva contra o partido, esforçando-se, desde o encerramento da votação no segundo turno, em decretar uma suposta derrota eleitoral do PT e do governo do Presidente Lula. Alguns articulistas da grande mídia foram além, e imediatamente, buscaram alçar o governador de São Paulo, José Serra, à condição de grande vitorioso das eleições de 2008, numa clara tentativa de fortalecer sua candidatura à sucessão presidencial de 2010.
Mas a complexidade dos números não costuma ser tão categórica assim. É possível identificar diversas "tendências" a partir do resultado eleitoral, porém, boa parte das conclusões que podemos tirar destas eleições não são tão óbvias. Afirmar que o PMDB sai fortalecido do processo eleitoral, por exemplo, é reproduzir uma conclusão trivial. Entretanto, não seria tão simples identificar que impacto terá este resultado na concretização, ou não, de uma eventual aliança PT-PMDB em 2010. Esta é, sem dúvida, uma definição em aberto, que dependerá do desfecho de diversos debates políticos previstos para o próximo período. A começar pela resposta do governo brasileiro à crise internacional, sob a qual construiremos as bases do aprofundamento da Revolução Democrática iniciada pelo governo do Presidente Lula.

Em relação ao desempenho do PT podemos afirmar que não há nenhuma contradição entre reconhecer que esperávamos, e poderíamos ter obtido um resultado mais favorável em algumas capitais, e, ao mesmo tempo, concluir que acumulamos um resultado absolutamente satisfatório no conjunto do país. Somente uma leitura débil e contaminada pela antecipação do debate sucessório de 2010, poderia supor que um partido que ampliou em 36% o número de prefeituras que governa tenha saído derrotado das urnas. Haveríamos também de desconsiderar que o PT foi o maior vitorioso entre as 79 cidades com mais de 200 mil habitantes e governará 21 destes municípios ou ainda o fato de que fomos o partido que mais cresceu em número absoluto de prefeituras – obtivemos 148 vitórias a mais do que em 2004.

Deve-se ressaltar que, nos locais onde o Partido teve maior capacidade de construir alianças, o resultado eleitoral foi melhor. E a grande novidade é que, em virtude das alianças, o Partido ingressa, em muitos desses governos, com blocos de maioria nas Câmaras de Vereadores, criando as condições para a realização de profundas transformações em diversas cidades.

Muito mais do que nos preocuparmos com as análises daquela parcela da grande mídia interessada em antecipar o debate eleitoral de 2010 e fragilizar o PT no imaginário nacional, devemos nos ocupar, neste momento, em identificar que lições podemos extrair destas eleições, nos preparando, desta forma, para os novos e grandes desafios colocados diante de nossas administrações municipais no próximo período. Alguns destes desafios, sob nosso ponto de vista, seriam:

1) A construção de governos comprometidos com a ética pública, através de uma gestão transparente e com mecanismos de controle e auditagem "social" permanente; este é um esforço necessário para que o partido recomponha os laços sociais com setores médios e com a intelectualidade brasileira;

2) A implantação do Orçamento Participativo e de novos mecanismos de participação e diálogo social, capazes de pactuar e mobilizar a cidadania e ainda organizar as cadeias produtivas regionais, através de processos de "concertação" política, que integrem as regiões ao novo mercado de massas do país, buscando gerar inovação tecnológica, empregos qualificados e distribuição de renda;

3) Formulação e implantação de políticas públicas eficientes e adaptadas às realidades locais, como por exemplo:

a) políticas de segurança com cidadania, fomentando práticas de prevenção da violência, repressão qualificada da criminalidade e integração dos órgãos de segurança, através da implantação de Gabinetes de Gestão Integrada. Além disso, as prefeituras podem estimular que os policiais estaduais e os membros das guardas municipais entrem nos programas de formação do governo federal e passem a receber a Bolsa Formação e ainda de acessar o programa de financiamento de moradias da Caixa.
b) atenção básica a saúde através do fomento as equipes de "saúde da família";
c) educação básica universal e de qualidade, através da implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), estimulando a construção de estratégias consistentes para a elevação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica;
d) ingresso de jovens no ensino superior, através do estímulo ao ingresso dos jovens carentes do município no PROUNI e programas de capacitação para o ENEM. Da mesma forma, poderíamos criar mecanismos tributários para a inserção de jovens em universidades, construindo versões "municipais" do PROUNI. A partir das Prefeituras, também devemos fortalecer os pólos da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
e) construção de infra-estrutura social, como saneamento e habitação através dos recursos e financiamentos do PAC;
f) fomento da cultura regional, através da implantação de Pontos de Cultura e projetos de preservação do patrimônio histórico;

4) Constituir uma capacidade gerencial governamental, baseadas em equipes de grande qualificação técnico-política, capazes de formular projetos e gerir com eficiência os serviços públicos, além de implantar uma estrutura para captar recursos junto aos governos estadual, federal e agências internacionais, operar uma agenda de cooperação institucional junto às entidades municipalistas nacionais e uma agenda de cooperação internacional, no âmbito do Mercosul, União Européia e organismos internacionais multilaterais.

5) Potencializar as vocações sócio-econômico- ambientais das cidades que governamos numa visão de desenvolvimento territorial regional. Hoje, a Federação brasileira dispõe de um importante arranjo institucional: os consórcios públicos. Integrar as cidades que governamos em redes regionais é um imperativo econômico-social e, sobretudo, político. Nossos prefeitos são atores, juntamente com o Presidente da República, na condução do país que hoje vive um novo ciclo histórico de desenvolvimento. Para isto devemos constituir em nossas cidades um bloco social capaz de dar sustentabilidade ao governo Lula e às transformações em curso, na perspectiva de um projeto de Nação e de integração regional no âmbito da América do Sul.

Outro grande desafio diz respeito aos vereadores eleitos pelo Partido dos Trabalhadores, que podem e devem ter uma atuação ativa e programática, valorizando a representação e a participação direta da cidadania, fomentando o debate político em torno de projetos locais de desenvolvimento.

Os diretórios municipais do PT devem afirmar-se como um espaço de mobilização das energias sociais dispostas à construção de projetos locais, mantendo um diálogo autônomo, propositivo e comprometido com os setores formadores de opinião das comunidades, mantendo um debate de alto nível com as direções dos Partidos aliados que compõem as bases de nossos governos.

Por fim, cumpre ressaltar que o compromisso federativo do Governo do Presidente Lula deu novo protagonismo para os entes federados. Diferentemente da década de 90, os municípios possuem inúmeras possibilidades para a implementação de políticas públicas de grande porte, com grande potencial de transformação das nossas cidades. Devemos ter claro que a nossa visão sobre governos locais, até hoje difundida como "modo petista de governar", foi um avanço extraordinário, que agora deve sofrer acréscimos e modificações. Não somente no sentido de atentarmos para uma base social mais ampla que inclui importantes setores médios da sociedade, mas também para privilegiarmos a introdução de métodos de gestão do Estado, organização de políticas públicas e estruturação institucional compatíveis com os meios fornecidos pelas novas tecnologias digitais e informacionais. Isso deve impulsionar o aumento da participação da cidadania na gestão municipal e aprofundar a transparência e o controle social do Estado.

* Tarso Genro é ministro da Justiça

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