31 dezembro 2008

Solidariedade







Crítica & Autocrítica - nº 48

"Não creio que sejamos parentes, mas se tremes de indignação frente a uma injustiça, contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, então somos companheiros, o que é muito mais importante!" (Ernesto 'Che' Guevara)

* O titular da 'coluna', ao apagar das luzes deste complicado ano de 2008, dedica o Poema abaixo, do poeta palestino Mahmud Darwish, a todos aqueles que, neste tão lindo e tão maltratado planeta azul, não vivem numa 'ilha da fantasia ', mas sim no 'Mundo Real' - e se preocupam e se indignam de verdade com as mazelas, com os sofrimentos, com as violências e convardias praticadas contra seres humanos (seja em Santiago, em Porto Alegre, em São Paulo; seja no Rio de Janeiro, em Nova York, nas cidades do Congo, da Libéria; seja no Afeganistão, em Bagdad ou na Palestina - esta última que sofre, principalmente nestes últimos dias, mais um massacre impiedoso desferido por Israel, escudado pelo permanente apoio dos EUA ... e pelo silêncio cúmplice dos dirigentes da maioria dos países). Mas os palestinos não estão sozinhos: com eles, neste momento, o pensamento, a indignação e a solidariedade da maioria dos povos do mundo!

* Deseja, por fim, que 2009 seja bem melhor (para todos), mais justo e menos excludente (para as amplas maiorias) do que foi o ano que hoje finda.

São os nossos votos!

***

Carteira de identidade

Escreve
que sou árabe,
e o número de minha carteira é cinqüenta mil;
que já tenho oito filhos,
e o nono chegará no final do verão
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe,
e que com meus companheiros de infortúnio
trabalho na pedreira.
Para meus oito filhos
arranco, das rochas,
o duro pedaço de pão,
as roupas e os livros.
Não mendigo esmolas à tua porta,
nem me rebaixo
diante de tuas escadas de cristal.
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe.
Sou nome sem apelido.
Espero, paciente, em um país
no qual tudo que há
existe pela raiva.
Minhas raízes,
destruíram-se antes do nascimento
dos tempos,
antes do começo das eras,
do cipreste e da oliveira,
antes da primeira das ervas.
Meu pai...
da família do arado,
não de nobres senhores.
Meu avô era um lavrador,
sem títulos nem nomes.
Minha casa é uma choça campesina
de canas e tábuas,
Isso te agrada?...
Sou nome sem apelido.

Escreve
que sou árabe,
que tenho o cabelo preto
e os olhos castanhos;
que, para maiores detalhes,
cubro minha cabeça com um véu;
que as palmas das minhas mãos, duras como rocha,
picam quando as tocam.
E eu gosto do azeite e do tomilho.

Que vivo
em uma aldeia perdida, abandonada,
com ruas sem nome.
E cujos homens todos
estão nas pedreiras ou no campo...
Isso te enoja?

Escreve
que sou árabe;
que roubaste as vinhas de meu avô
e a terra que eu arava.
Eu, com todos os meus filhos.
Que só nos deixaste
estas rochas...
Teu governo não vai também - como se diz -
confiscá-las?

Então, escreve...
Escreve
no começo da primeira página
que não odeio ninguém,
nem roubo nada de ninguém.
Mas, que se tenho fome,
devorarei a carne de quem me rouba.
Então, cuidado!...
Cuidado com minha fome,
e com minha ira!

Mahmud Darwish

*(Por Júlio Garcia, especial para 'O Boqueirão')

**Crítica & Autocrítica: coluna que mantenho
(i)regularmente no Blog 'O Boqueirão' http://oboqueirao.zip.net

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