11 janeiro 2009
'Direita e esquerda'
'Dicotomia'
Para brindar aos quatorze assíduos leitores do blog, encerrando bem esta noite parcamente estrelada de domingo, recolho mais estas oportunas reflexões do mestre Mino Carta, pescadas (de forma aleatória) diretamente do seu excelente blog. Desejo, ainda, uma boa semana à todos.
Bom proveito!
"Há quem encha a boca, o papel, o ar, com palavras como esquerda e direita. Como dizia Raymundo Faoro, há países onde a dicotomia é menos abrupta, digamos assim, que no Brasil. Aqui ela se manifesta, e como. Mesmo assim, muitos se dizem de esquerda sem ser, por ignorância ou oportunismo. Também conviria definir com precisão o que direita significa. Há diferenças mais ou menos profundas entre um fascista e um conservador, entre um senhor de escravos (tem vários por aí), e um liberal reformista. Meu pai era um liberal (nada a ver com neoliberal) e foi preso pelos fascistas durante a guerra. Na luta contra a republiqueta fundada no norte da Itália por Mussolini, havia partigiani social-comunistas, de lenço vermelho, e partigiani católicos e liberais, de lenço azul. Concordo com o companheiro de navegação Tyrone Mello, quando diz: não precisa ser de esquerda ou direita, basta ser crítico, democrático, consciente, ético. Quanto a mim, não hesito em me dizer de esquerda, sem que isso impeça meu apreço por pessoas que não concordam comigo. Mais de trinta anos atrás, um colega vaticinou: “Na hora agá você vai para a direita”. Eu fiquei onde sempre estive, receio que ele tenha ido para lá.
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Sobre a elite (2)
Falemos um pouco da elite nativa. Eu sou da elite nativa, suponho que o sejam todos os participantes desta navegação ao ar livre. No outro dia, alguém criticou negativamente o fato de que recomendo o uso de produtos da melhor qualidade na cozinha. Ridículo? De fato, legumes e verduras são baratos, macarrão também, um naco de músculo idem, frango, coelho nem se fale, peixe nem tanto mas dá para agüentar, etc., etc. Azeite compro Galo, não é caro. E é da melhor qualidade, a meu ver. Sei, porém, que o barato para mim é proibitivo para a maioria em um país onde apenas cinco por cento da população ganha de 800 reais para cima. Deste ponto de vista, por exemplo, sou elite. E também sou porque leio livros, freqüento restaurantes finos, vou ao teatro e ao cinema, compro gravatas e cobertores (no inverno). Por cem motivos sou da elite. Quando falo, no entanto, em elite nativa, refiro-me aos senhores que mandam e ostentam, categoria mínima, no fundo, em meio a 190 milhões de brasileiros, mas opressiva nos seus comportamentos. Arrogante, prepotente, ignorante, vulgar. Até quando toma vinho, descoberta recentíssima. Antes esvaziavam copos de uísque antes, durante e depois do jantar. Observem-lhe os gestos apreendidos no cinema e nas revistas especializadas, aquelas circunvalações que imprimem aos seus copos (que não são taças, e em outra ocasião explicarei porque) em uma espécie de manifestação galático-estelar, antes de sorver seu vinho, talvez a contragosto, simplesmente como convém a damas e cavaleiros. Os restaurantes proporcionam diariamente espetáculos cômicos de extraordinário sabor.
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Os vinhos e o banqueiro
Respondo a Antonio Carlos Alves Pereira. Por melhor que seja, o vinho pode cair mal, a depender da companhia. Eu gosto de beber em companhia, o que não impede uns tragos em solidão. De grappa, de cachaça, de vinho do Porto. Tive como amigo um grande enólogo, que também era filósofo, chamava-se Luigi Veronelli. Costumava dizer que, à chegada do Dilúvio Universal, obrigado a embarcar na Arca com a chance de levar uma única, escassa garrafa, carregaria um Porto das Quintas. Não apreciava os tawnys e os rubys, e sim aquelas das quintas de Guimarães, de Viana do Castelo e por aí. Morreu faz alguns anos, era um sujeito ímpar. Guardo com carinho infindo, além da memória de Luigi, uma garrafa de Gattinara (uva nebbiolo, produzido na região de Novara, Piemonte) da safra de 1958. Vou abri-lo logo mais, ao completar 75 anos. Espero que esteja intacto, como estava, em novembro de 1997, no restaurante Guido de Costigliole d’Asti, um Barolo de 1947. Uva nebbiolo também, mas da região de Alba. Aposto que o banqueiro orelhudo não tem o menor interesse por vinhos, embora possa encomendar garrafas de 5 mil dólares em um piscar de olhos. Quero dizer, ao cabo, a meu ver, você é daqueles que entendem perfeitamente meu confuso verbo e jamais convidaria DD para um jantar.
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Sobre Gaza
A propósito dos últimos capítulos da crise do Oriente Médio, acho importante atentar para alguns fatos. Como se sabe, Israel invadiu áreas que não figuravam da primeira partição da região e dali em diante portou-se como potência ocupante conforme as atitudes do colonialismo velho de guerra. Houve situações vergonhosas. Gente tirada de sua cama no meio da noite para intermináveis interrogatórios, prisões sem mandado de meros suspeitos, violência contra inocentes, a demonstração diuturna de que o exército de Israel é dono de uma nação de mais de três milhões de habitantes. A aspiração à independência por parte do povo palestino é mais que legítima e por mais que possam ser condenadas as provocações de Hamas (e devem ser) foi em Hamas que a maioria dos palestinos votou. Encarar esta crise a partir de princípios de justiça é que se recomenda. E deveria ser claro que neste gênero de análise não há espaço para qualquer preconceito".
*Blog do Mino: http://www.blogdomino.com.br/
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