01 fevereiro 2009

'O mundo está em crise'









O mundo mudou e está em crise. E o Fórum Social Mundial?

BELÉM - Agência Carta Maior - Em encontro promovido pela Revista Margem Esquerda, da Editora Boitempo, neste sábado (31), o sociólogo Emir Sader, o pesquisador do Centre National des Recherches Scientifiques (CNRS), Michael Löwy, e o jornalista Luis Hernandéz Navarro, do La Jornada, analisaram a situação atual do FSM e avançaram perspectivas para um público que lotou o Auditório Setorial Básico da Universidade Federal do Pára.

"O mundo está em crise
. Lucien Goldmann disse que uma das características do capitalismo é a sua indiferença axiológica, sua indiferença ética e moral. Ele é perfeitamente compatível com a democracia, com a guerra, com a barbárie, com o fascismo. Essa é a indiferença ética do capitalismo. Temos três crises. A econômica, a alimentar e a ecológica. As conseqüências da crise ecológica devem ser dramáticas. Infelizmente não temos outro planeta para mudar no universo. Para enfrentar essas três crises nós temos que pensar em alternativas que sejam radicais, ou seja, que arranquem o mal pela raiz”, iniciou Michael Löwy, depois de devolver a agenda e o casaco de Boaventura Souza Santos. O sociólogo português, que participara de mesa pela manhã no mesmo local, havia esquecido seus pertences na mesa.

“Não vamos esperar que essa crise acabe com o capitalismo. Walter Benjamim, que é um pensador que eu respeito muito, dizia que o capitalismo nunca vai morrer de morte natural. Por mais que ele tenha crises, sempre dá a volta por cima. A não ser que a gente dê cabo dele. A solução não é uma versão mais verde, mais civilizada, mais ética e regulada do modo de produção capitalista. Nós temos que pensar em uma alternativa revolucionária”, completou Löwy. Segundo ele, a Amazônia é o local perfeito para a realização desta nona edição do FSM, já que os debates em torno da questão ambiental foram um dos eixos principais do encontro. Escolhido com antecedência de quase dois anos, o tema da Amazônia e de seu papel no equilíbrio ambiental do planeta deveria inicialmente ser o central de todo o evento, mas ficou circunscrito ao primeiro dia de atividades (na quarta, 28, aconteceu o Dia Pan Amazônico) e diluído em outros dez eixos escolhidos pelo Conselho Internacional para os demais dias. O tema da crise e da guerra na Palestina acabaram recebendo tanta ou mais atenção nesses dias que passaram.

E onde está o outro mundo possível, depois do encontro na Amazônia, para Löwy? “A resposta, como diz a canção, está no vento. Em particular, nos ventos da América Latina. A solução radical e revolucionária já está sendo discutida pelos movimentos sociais, por alguns governos, e é o que está se chamando de o socialismo do século XXI. É o nome dessa alternativa, é essa a resposta, é um outro paradigma de civilização. Esse socialismo se reclama de José Carlos Mariátegui, de Ernesto Che Guevara, de Farabundo Martí e se reclama de alguém como Chico Mendes”, respondeu.

Nesta edição, experiências importantes na América Latina em particular mostram que outro mundo continua sendo possível, principalmente pela experiência dos movimentos sociais e governos progressistas e de esquerda no continente. “Começou um período novo, é fundamental entender o momento em que os movimentos sociais elegeram seus próprios governos, como aconteceu na Bolívia. Agora se estabelece uma relação nova com a política e passa-se a disputar a hegemonia de outra forma. Digo isso não para tornar o Fórum governamental ou estatal, nada disso. Mas o Evo Morales não devia ter vindo fazer dois discursos. Devia ter trazido as experiências dele aqui”, disse Emir Sader.

Para ele, existe “uma espécie de pecado original do Fórum. Ele surgiu dirigido por um secretariado de oito organizações brasileiras, o problema é que seis são ONGs e duas são movimentos sociais, MST e CUT. Imagina a desproporção. MST e CUT têm a existência inquestionável, votam as suas decisões, elegem seus representantes. Apesar de algumas ONGs serem conhecidas, como o Ibase, outras são tão desconhecidas que dois de seus representantes mudaram sua representação, eles continuam lá, mas mudaram a representação da organização onde eles supostamente estão. Elegeu-se um secretariado amplo, mas formado por entidades de vários países que tem dificuldade de se estruturar, então eles continuam existindo como Comitê Facilitador”.

A tensão sobre os rumos do fórum vem desde Porto Alegre. Nos primeiros anos, houve quem negasse a luta política, quem fizesse cara feia diante da participação dos partidos e dos chamados movimentos sociais tradicionais (sindicatos, entidades estudantis e outros) e quem rejeitasse a idéia da força das ONGs na construção do processo do Fórum. Segundo Emir Sader, “as ONGs não podem ser o paradigma político de um outro mundo possível. Nós teremos que construir isso. Elas têm lugar aqui, no entanto, o protagonismo tem que ser dos movimentos sociais”. Luiz Hernandez Navarro, acredita que “isso gera uma contradição cada vez mais insustentável, que são as duas contradições principais do Fórum nos dias de hoje: entre a dinâmica e a lógica de funcionamento das ONGs e, por outro lado, o tipo de relação que é necessário estabelecer com a política institucional e com as mobilizações sociais e os governos progressistas”.

O jornalista mexicano ainda remontou uma parte da história do movimento altermundista: “O historiador inglês Eric Hobsbawm fala que o século XX começou com a Revolução Russa de 1917 e terminou com a queda do Muro de Berlim em 1989. Há quem afirme que o século XXI começou com o 1º de janeiro de 1994, a partir do levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional, ou no final de 1999 com os protestos contra a OMC em Seattle, que apresentam o que depois viria a ser o movimento altermundista. É quando se começa a plantar a semente de um novo sujeito político social alternativo que o escritor Manuel Vasques Montalbán, já falecido, chamou de os globalizados. O novo século, então, começa com a revolta dos globalizados que seriam, na lógica dele, o equivalente ao proletariado nos primeiros anos do capitalismo. Que isso nos valha como uma descrição do que hoje estamos vivendo: a emergência deste novo ator que possui distintas características em todo o mundo, um ator constituído no marco da globalização capitalista”.

Navarro apresentou a seguinte análise sobre esse tema:

“Na tradição da esquerda, as internacionais eram tradicionalmente de origem operária. Eram os grandes sindicatos que serviam de coluna vertebral. Isso não existe mais, o movimento sindical está aí, é uma cor a mais no conjunto do Fórum, mas está muito longe de hegemonizar. Estamos falando aqui de algo que mescla três atores fundamentais: por um lado, ONGs e fundações internacionais, muitas das quais se apresentam como representantes da sociedade civil sem que seja correto falar assim, porque a sociedade civil por definição não tem representação. Não há quem possa falar pela sociedade civil. O segundo ator são claramente os movimentos sociais e o terceiro são os intelectuais e acadêmicos. Todos desempenham um papel dentro fórum muito complexo e difícil de definir".

"Depois de Nairóbi, em que até empresas privadas financiaram o Fórum, teve quem falasse de que a frase ‘outro mundo é possível’ deveria ser trocada para ‘outro turismo é possível’. Não estou exagerando. Dava impressão de que o modelo nascido em Porto Alegre encontrava seu esgotamento. Mas o Fórum hoje me parece três coisas. Primeiro, ele existe, não é uma invenção, não é uma quimera. O Fórum influi na tomada de decisões políticas de estados, influi em partidos e em movimentos sociais. O Fórum é a única organização multi-setorial internacional com um projeto emergente”.

Enfim, por onde anda o outro mundo possível quando diversas possibilidades não são mais utopia? Em Belém, em Porto Alegre? Em Seattle, nas primeiras manifestações contra a Organização Mundial do Comércio? Em Washington, Sidney ou Gênova, onde elas prosseguiram? No Equador, nas manifestações contra o Tratado de Livre Comércio Andino? Nos governos progressistas da América Latina? Na luta contra Davos, Guantánamo, e o massacre na Faixa de Gaza?

O slogan "outro mundo possível" define a agenda do Fórum Social Mundial e a crise econômica mundial apontada por todos como um terremoto cujas ondas provocarão pesados estragos interroga-a agora frontalmente. Seguindo as análises de Sader, Löwy e Navarro, o próprio FSM não está livre dessas ondas. Ou define uma estratégia de luta política que leva em conta o que ocorrerá no mundo nos próximos meses, ou corre o risco de ser soterrado pelos escombros do mundo atual. (Por Clarissa Pont, enviada especial).

*Leia a cobetura completa da 9ª edição do FSM no sítio da Ag. Carta Maior http://www.cartamaior.com.br

**Foto: Eduardo Seidl

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