31 março 2009

Debate














Diploma de jornalista não é garantia de Jornalismo


*Por Antônio Mello

Não vou entrar aqui no mérito da exigência ou não de diploma de curso superior em Jornalismo para exercer a profissão de jornalista. Se for entrar nessa questão vou me desviar do assunto desta postagem, que é criticar a defesa que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) faz da tal exigência.

Que eles defendam o diploma e o nicho de mercado para a profissão (e também para as faculdades catadoras de dinheiro espalhadas pelo país) é problema deles. Minha crítica é quanto ao contexto e aos argumentos utilizados.

Como a votação pelo STF se dará no dia 1° de abril, eles estão comparando o fim da exigência do diploma à implantação de uma ditadura no Brasil, semelhante ao golpe de 1964. Está no texto do folder [o destaque é da Fenaj]: Em 1964, há 45 anos, na madrugada de 1° de abril, um golpe militar depôs o presidente João Goulart e instaurou a ditadura que castigou o Brasil durante 21 anos. A sociedade brasileira pode estar diante de um novo golpe.

Peralá. Quer dizer que se o STF disser que não é necessário diploma para exercer o jornalismo no Brasil (não vou nem citar aqui os países em que essa exigência não existe) vamos voltar ao período das trevas, da censura, do arbítrio, da violência, da tortura, do assassinato, da cassação de políticos, da falta de liberdade de expressão etc?... Não é forçar demais a barra?

Mas, prossegue o folder [o grifo agora é meu]: Desta vez, direcionado contra o seu direito de receber informação qualificada, apurada por profissionais capacitados para exercer o Jornalismo, com formação teórica, técnica e ética.

Onde é que nós estamos (ou a Fenaj afirma que estamos) recebendo “informação qualificada, apurada por profissionais capacitados para exercer o Jornalismo, com formação teórica, técnica e ética”? Qual é o veículo em que isso está acontecendo?

Porque as grandes redes de TV, jornal, as revistas, a tal mídia corporativa, enfim, há muito que não produz (ou produz muito pouco) algo que se possa chamar de Jornalismo, com jota maiúsculo.

Não tenho nada contra a exigência ou não de diploma (embora a exigência me pareça apenas uma questão corporativista somada aos interesses dos donos de faculdades de Jornalismo), mas não é o diploma de jornalismo que faz um jornalista. Nem é a defesa desse diploma que qualifica uma associação de classe.

Onde estão os jornalistas quando os repórteres são obrigados a mentir, falsificar, manipular? Onde estão os jornalistas de uma Veja (provavelmente todos com diploma), por exemplo, que permitem que nossa maior revista semanal tenha se transformado no lixo informativo que é hoje?

Onde eles estão quando permitem que esta mesma Veja tenha em seus quadros um jornalista de esgoto, especialista em ofender colegas de profissão, sem que nada seja feito?

Ao sair da Rede Globo o jornalista Rodrigo Vianna (atualmente na Record) afirmou que entrevistas e reportagens em que estivesse envolvido o governador José Serra tinham que passar pelo crivo de Ali Kamel, o diretor-executivo de jornalismo da RGTV, gerando omissões, falsificações, manipulações. Numa hora dessas, de que serve o diploma, se os diplomados entubam e se calam, se os sindicatos sabem do problema e se omitem?

A Fenaj (imagino que os sindicatos do Brasil inteiro também estejam engajados nesta batalha pelo diploma) está perdendo uma grande oportunidade, ao atrelar a qualidade do jornalismo apenas à exigência do diploma. A internet, as rádios comunitárias, a mídia livre, já atropelou esse “jornalismo chapa sindical” há muito tempo.

Mas, eu pelo menos, esperava uma ampliação de horizontes, que essa exigência do diploma viesse acompanhada de um código de ética da profissão, que não permitiria aos alikamels da vez detonarem com o jornalismo plural e informativo – este sim, o verdadeiro jornalismo. Será pedir demais? Ou o negó$$io é só o diproma, e vice-versa?

*Antônio Mello é editor do Blog do Mello http://blogdomello.blogspot.com/

2 comentários:

  1. Olá Júlio,

    O argumento da Fenaj é falacioso desde o princípio, como bem observou, mas pouco desenvolveu, o Mello.

    A afirmação que mais me chamou a atenção foi a seguinte:

    "informação qualificada, apurada por profissionais capacitados para exercer o Jornalismo, com formação teórica, técnica e ética".

    "Ética" não é uma coisa que se aprenda em sala de aula. Ninguém é mais ou menos ético em suas atividades profissionais pelo fato de ter cursado uma disciplina de ética ou por ter decorado um Código de Ética Profissional. Se nem na filosofia, que tem disciplinas voltadas à ética, o fato de cursá-las torna alguém "ético", o que se dizer do jornalismo, um curso intelectualmente indigente. O máximo que se pode aprender é a História da ética e meia dúzia de bons argumentos clássicos, nada além disso. Aliás, sequer é objetivo da disciplina de ética mudar o comportamento de alguém.

    Se "formação teórica" subsume as disciplinas de Teoria da Comunicação, Comunicação Comparada, Sociologia da Comunicação, Estética e Cultura de Massa e afins, então está em maus lençóis a sociedade brasileira. 90% dos alunos de Comunicação, ao chegarem ao final do curso, mal sabem do que trataram tais disciplinas. E é nelas que temas caros à comunicação são discutidos, antes mesmo da dita formação prática.

    Resta-nos, por fim, a formação técnica.

    Nada, aliás, que chimpanzés não assimilem em um semestre. Muitos dos bons profissionais que conheço e que foram meus colegas teriam sido tão competentes quanto hoje o são mesmo que não tivessem cursado disciplinas técnicas, pois têm e sempre tiveram, acima de tudo, talento.

    O argumento da Fenaj ainda passa ao largo de temas hoje bem mais relevantes para a Comunicação brasileira, como a própria Conferência Nacional de Comunicação e a qualidade de nossos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, cada vez mais indistinguíveis de interesses privados de comunicação.

    Ser jornalistas é barbada. Basta responder, da forma mais criativa possível e sobre qualquer fato do mundo, seis perguntas básicas, não sem antes estabelecer relações entre os interesses em jogo, sejam públicos ou privados. As únicas coisas que não podem acontecer é o sujeito ser ignorante ou mal-intencionado. Em caso do sujeito reunir ambas as características, o suicídio é um dever.

    SE bem que, nesse último caso, sobrariam poucos jornalistas no Brasil.

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  2. Grande, Marcelo! Muito bem colocado, como sempre.
    Forte abraço!

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