02 julho 2012

Castro Alves: 'Ode ao Dois de Julho'


          Ode ao Dous de Julho


         Era no Dous de Julho. A pugna imensa
         Travara-se nos cerros da Bahia...
         O anjo da morte pálido cosia
         Uma vasta mortalha em Pirajá.
         "Neste lençol tão largo, tão extenso,
         "Como um pedaço roto do infinito ...
          O mundo perguntava erguendo um grito:
         "Qual dos gigantes morto rolará?! ...
        
          Debruçados do céu. . . a noite e os astros
          Seguiam da peleja o incerto fado...
          Era tocha — o fuzil avermelhado!
          Era o Circo de Roma — o vasto chão!
          Por palmas — o troar da artilharia!
          Por feras — os canhões negros rugiam!
          Por atletas — dous povos se batiam!
          Enorme anfiteatro — era a amplidão!

         Não! Não eram dous povos os que abalavam
         Naquele instante o solo ensangüentado...
         Era o porvir — em frente do passado,
         A liberdade — em frente à escravidão.

         Era a luta das águias — e do abutre,
         A revolta do pulso — contra os ferros,
         O pugilato da razão — com os erros,
         O duelo da treva — e do clarão! ...

         No entanto a luta recrescia indômita
         As bandeiras - corno águias eriçadas —
         "Se abismavam com as asas desdobradas
         Na selva escura da fumaça atroz...
         Tonto de espanto, cego de metralha
         O arcanjo do triunfo vacilava...
         E a glória desgrenhada acalentava
         O cadáver sangrento dos heróis!
        ......................................................
         ......................................................

       Mas quando a branca estrela matutina
       Surgiu do espaço e as brisas forasteiras
       No verde leque das gentis palmeiras
       Foram cantar os hinos do arrebol,
       Lá do campo deserto da batalha
       Uma voz se elevou clara e divina.
       Eras tu — liberdade peregrina!
       Esposa do porvir — noiva do Sol!...

      Eras tu que, com os dedos ensopados
      No sangue dos avós mortos na guerra,
      Livre sagravas a Colúmbia terra,
      Sagravas livre a nova geração!
      Tu que erguias, subida na pirâmide
      Formada pelos mortos do Cabrito,
      Um pedaço de gládio — no infinito...
      Um trapo de bandeira — n'amplidão!...

                       Castro Alves

      (São  Paulo,  junho de 1868)
...
Nota do Editor: 2 de julho 1823 é considerada a data Magna (da Independência) da Bahia, que finalmente  livrou-se  do jugo português após uma série de combates que determinaram a  expulsão das tropas invasoras. Castro Alves recitou-o em junho de 1868 no Teatro de São Paulo, sendo aplaudido efusivamente  - e de pé  - pelo público extasiado . (JG)  

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