15 setembro 2012

Ritual de decapitação

Carta Capital - por Maurício Dias - O novo desentendimento público entre os ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor, expôs a ponta de uma questão que pode se tornar a mais grave deformação no julgamento da Ação Penal 470, chamada de mensalão.

Wanderley. Na perspectiva de um julgamento de exceção
“Esse julgamento não é dos mais ortodoxos que já se processaram neste Supremo”, observou Lewandowski, gravemente, ao longo do bate-boca para o qual foi puxado por Joaquim Barbosa na quarta-feira 12.
O ministro não desvendou a insinuação que fez. Mas há ocorrências que conduzem a uma heterodoxia que projeta um futuro diferente. Ou seja, embora o tribunal não seja de exceção, o julgamento poderá vir a ser se forem consumados indícios formados a partir de alguns votos.
“Não sei se o ex-ministro José Dirceu é inocente ou se, como outros, cometeu algum crime à sombra do ilícito caixa 2. Os autos devem esclarecer isso. Há algo, todavia, independente dos autos: será um julgamento de exceção se for condenado por não haver provas contra ele”, observa Wanderley Guilherme do Santos, o maior cientista político brasileiro vivo, que a Universidade Autônoma Nacional do México considerou um dos cinco mais importantes da América Latina.
Ele observa: “Alguns magistrados estão prontos a contorcionismos chineses para escapar à evidência de que a legislação eleitoral é causa eficiente do caixa 2 que, por sua vez, proporciona a oportunidade para diversos outros crimes”.
Wanderley Guilherme acredita que comentários antecipando votos condenatórios, com base em provas nos autos, abrem estranhamente caminho para “condenações sem provas”. Essa contradição se explica assim:
A premissa – sustentada pela ministra Rosa Weber – de que chefes de quadrilha, homens poderosos, não deixam rastros é interpretação peculiar da tese do domínio do fato. “Pode ser defensável, mas requer comprovação”, contrapõe Wanderley.
Até agora, constata, nenhuma condenação se apoiou em tal tese ou, ainda, na versão mais amena de que, quanto mais elevado nas hierarquias de poder, maior a possibilidade de que criminosos eliminem indícios. Todas as condenações se sustentaram em provas.
João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato foram condenados com provas toscas. Eram, no entanto, homens de poder e influência. O primeiro, presidente da Câmara na ocasião, era o terceiro homem na linha da sucessão presidencial. O segundo integrava a alta administração do Banco do Brasil.
“A interpretação do domínio do fato é a espinha dorsal para a condenação sem provas”, sustenta o cientista político.
“O procurador e o ministro, paralelamente aos autos, construíram um enredo perverso que ligaria todos os ilícitos como se tudo fosse uma coisa só”, afirma ele.
Essa conexão é o eixo em torno do qual gira o raciocínio de que, quanto mais elevada for a posição do criminoso nas hierarquias sociais, mais fácil a ocultação de provas. Por consequência, como diz Wanderley Guilherme, “não havendo provas é forte o indício de que há o mando de uma autoridade”.
Ele denuncia: “O discurso abstrato sobre o domínio do fato nada tem a ver com o voto real, sendo apenas preparatório para o momento em que não houver prova alguma e os juízes condenarem assim mesmo. Um julgamento de exceção”.
Ou seja, tudo indica que está preparado o ritual de decapitação de José Dirceu. E dane-se se não houver provas. 

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