24 novembro 2012

'E agora, Joaquim?'




Por Saul Leblon*

Joaquim Barbosa assumiu a presidência de uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileira. 

Monocraticamente, como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor da mídia conservadora, e de seu jogral togado --à exceção corajosa do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente retrógrados da sociedade brasileira --os mesmos cuja tradição egressa da casa-grande deixaram cicatrizes fundas no meio de origem do primeiro ministro negro do Supremo.

Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida. 

Eficiente no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012.  

Fez pas de deux  de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçável do procurador geral, Roberto Gurgel -aquele cuja isenção exortou o eleitorado a punir nas urnas o partido dos réus.

Num ambiente de aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o relho irrecorrível no rosto. Pronto. Era correr para o abraço dos jornais do dia seguinte ou antes até, na mesma noite, no telejornal de conhecidas tradições democráticas. 

Provas foram elididas; conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das redações --o famoso 'domínio do fato'; circunstâncias atropeladas; personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos, mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de Barbosa (leia:'Policarpo & Gurgel: ruídos na sinfonia dos contentes'); tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido. 

O anabolizante midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência e hostil à razão argumentativa --como experimentou na pele, inúmeras vezes, o juiz revisor. 

Consumada a meta, o conservadorismo e seu monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada histórica. 

Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas das redações  e macular a toga suprema com a nódoa do cinismo autodepreciativo.

Arriadas as bandeiras da festa condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz da suprema instância: -- E agora Joaquim? 

O mesmo relho, o mesmo 'domínio do fato', o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma pressa  condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536  --vulgo 'mensalão mineiro'? 

Coube a Genoíno, já condenado --e também ao presidente nacional do PT, Rui Falcão-- fixar aquela que deve ser a posição de princípio da opinião democrática e progressista diante da encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto imposto ao PT', fixou sem hesitação o ex-guerrilheiro do Araguaia, no que é subscrito por Carta Maior. 

Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.

Se dispensar ao chamado mensalão do PSDB o mesmo tratamento sem pejo imposto ao PT na Ação 470, sentirá o relho que empunhou voltar-se contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte. 

Tampouco terá o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha --e dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino do procurador -geral. 

Ao revés, no entanto, se optar pela indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade, o escárnio do judiciário, o desprezo da história --e o olhar devastador do espelho a cada noite e a cada dia, a martelar: 'E agora, Joaquim?'

*Via Carta Maior  http://www.cartamaior.com.br

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