20 julho 2013

'O PT precisa ser muito mais do que tem sido'


O PT e as direitas

Por Marcelo Carneiro da Cunha*

Parece que é apenas uma enzima em nossos cérebros, uminha, que nos informa quando estamos diante de uma virtualidade e quando a coisa é pra valer. Enquanto dormimos e sonhamos, ela reina e tudo é verdade. Quando acordamos ela dorme, e então descobrimos que aquele tigre ali na frente é apenas a nossa imaginação, ou se ele é de verdade, dentes idem.
Assim funcionam os cérebros regulados para lidar com a realidade. Existem os outros, para os quais a divisão não é tão clara, e muitos deles estão ao nosso redor, por todos os lados, vivendo as suas ilusões e tentando convencer a todos nós de que elas são o que vale, contra todas as provas em contrário. O PT, estimados leitores, venceu porque, ao contrário das exquerdas, foi desenhado por mentes que sabiam o que funcionava e o que era papo para bovinos caírem em hibernação. Não que ele só tivesse nos seus quadros e entre seus apoiadores gente com os pés solidamente cravados na realidade. Mas os que definiam, os que controlavam a bola e o apito, esses eram, e isso o tornou o que ele se tornou, para o bem, e para o mal.
Já as exquerdas, seguiram o seu caminho rumo a lugar algum, porque o inexistente é imaginário e tem problemas com coisas como ar, luz, tempo e gente, esses detalhes que fazem o mundo. E, nas horas vagas, como autoritários e anti-democratas que são, vão lá e espalham estrume diante de empresas das quais discordam, sem pensar, ora isso, em quem vai ter que limpar a brincadeira tão divertida quanto ofensiva. Assim são as direitas, elas não pensam, estimados leitores. São músculo e convicção, e saiam da frente os que não combinarem com o modelito mental made in 1860.
Invadir parlamentos, por exemplo. Querem algo mais direitista do que isso? Um parlamento, até mesmo um pequeno parlamento, é um parlamento e representa algo que deveria estar acima de mim, de você que lê, do senhor aqui ao lado. Bom ou mau, ele foi eleito pelo povo, e o representa. Se ele é um mau parlamento, na nossa opinião, fazemos oposição, manifestamos nosso desacordo, tentamos convencer os eleitores de que eles fizeram péssimas escolhas, que tal melhorar na próxima eleição.
Nós, da real esquerda, nunca, jamais, invadimos, porque somos essencialmente democratas. Nós mudamos produzindo mudança, e não impondo nossas ideias e nossa visão de organização e cardápio a um prédio ocupado.
Se fossem outras organizações de direita, vocês que me leem estariam tão confortáveis com essa invasão? Se fossem os pastores evangélicos invadindo para impedir a votação de alguma lei civilizatória? Se fossem a união dos policiais torturadores lutando contra a criminalização da tortura? Se fosse o bom e velho poder militar, os amigos se sentiriam como? Só existe uma forma de sentir uma invasão de um parlamento, e só existe uma forma de justificar essa invasão, e ela é melhor definida pelo que fazia e pensava uma turma lá em 1933, leiam a sua História.
E o PT com tudo isso?
Lula foi ao NY Times dizer que o PT precisa ser mais PT, algo que traz em si a mesma dose de correção e ironia. Lula está certo, porque o PT precisa, e muito, ser mais PT. Mas ele é também o grande responsável pelo PT ter se tornado o que se tornou. Lula é amigo de todo mundo. Era amigo do Bush e tomava cafezinho com Ahmadinejad. Curtia Angela Merkel, e os Castro. Era parça da FIESP, do Henrique Meirelles e dos moradores do agreste pernambucano, que sabiam quem ele era.
Com Lula, o PT virou amigo de todo mundo, em particular do PMDB, que não tem amigos, mas sócios-minoritários, em qualquer cenário. Lula fez a foto, a maldita foto, abraçando Haddad e Maluf, não fez?
Não existe saída para o Brasil a não ser aquela em que o PT se redesenha. Os demais partidos já são o que são, não há o que mudar neles. O PSDB é a mistura de interior paulista com playboy carioca que ele é, vai ser, sempre. O PMDB se remodelou para dominar o Congresso e extrair o que quer de quem quer que sente na cadeira. Tirar ele dali é central para qualquer projeto de país moderno. Os demais, todos, são aquelas roupas de que você nem lembra no armário. Elas não servem mais, mas o sistema é esse e elas não podem ser doadas pra campanha do inverno sem frio. É preciso inventar uma nova relação com elas, onde elas não possam acabar com o mundo por conta dos ácaros e mofo que carregam. O que não dá, Lula, é pra ser tão amigo delas, deles. Não dá pra deixar Magno Malta ser papagaio de pirata a vida inteira. Não dá pra transigir com a bancada evangélica ao primeiro tranco. Há que enfrentar o mal, de cabeça erguida. Há que construir uma relação menos amigável, mesmo que construtiva, com a banca. Há que produzir realidades melhores, que somente são possíveis a partir de menos abraços com gente que leva o braço junto na hora do adeus. Proprietários de empresas de ônibus são apenas um dos muitos exemplos.
Não dá pra dar o Dnit pro PR, porque eles comem asfalto. É preciso comprar um mapa do Amapá e insistir para que o Sarney aprenda onde fica, e fique lá. É preciso saber que algumas brigas, as necessárias, precisam ser compradas e vencidas.
Ninguém sabe o tamanho da briga, porque as direitas, as mais organizadas, são duras, mas não são burras. Até agora elas não precisaram brigar, porque o PT tem sido muito amigável. Alguma briga é necessária, porque em um sistema desenhado para todo mundo ganhar, os mesmos seguem ganhando demais. Nada contra todo mundo ganhar, mas o nosso sistema não é assim. Nele, muita gente saiu ganhando, mas alguns controlam as artérias, e isso se torna inaceitável.
O PT precisa ser mais PT, e isso significa recuperar a inteligência estratégica que o trouxe até aqui, mas com mais alma, com coração, sabendo que as coisas pioram sem a esquerda mandando. O PT precisa criar um novo projeto, e se ater a ele, sem ceder às muitas, muitas tentações que o mundo oferece, e a direita manipula como ninguém.
O PT precisa ser muito mais do que tem sido, e não sei com ele vai fazer para desfazer o próprio nó e tocar o país adiante. Mas o que também sei é que só ele pode fazer isso, só ele, mais ninguém.
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* Marcelo Carneiro da Cunha é escritor  - Via Sul21-  Edição final e grifos deste blog

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