19 setembro 2013

'Entre a pressão da mídia e sua própria biografia, o ministro Celso de Mello optou pela segunda'


Mello acata recurso para julgar polêmicas do ‘mensalão’

Brasília – Por Najla Passos, da Agência Carta Maior - Entre a pressão da mídia e sua própria biografia, o ministro Celso de Mello optou pela segunda: admitiu os embargos infringentes em ações penais julgadas no Supremo Tribunal Federal (STF), abrindo a possibilidade para que as condenações não unânimes de 12 dos 25 réus dos mensalão sejam reanalisadas. Em um longo voto que consumiu mais de 2 horas da 54ª sessão de julgamento da ação penal 470, nesta quarta (18), chegou a subir seu característico tom monocórdio de voz para rebater, um a um, os argumentos dos colegas que, durante a última semana, tentaram, em vão, pressioná-lo a mudar seu voto, durante os debates em plenário e por meio das manchetes dos jornais.

Era o resultado previsto. Embora tenha sido um dos mais vorazes dos algozes dos réus do mensalão, Mello já havia se manifestado a favor dos infringentes, como mostrou Carta Maior em “A disputa pelo voto de Celso de Mello”. Além disso, aprecia cultivar a imagem de juiz garantista e defensor das liberdades individuais. Decidiu que, ao contrário do restante do grupo que também pesou a mão nas condenações das lideranças petistas, não valia à pena fazer isso a qualquer custo: os embargos infringentes estão escancaradamente previsto no Regimento Interno do STF, acolhido pela Constituição de 1988 com força de lei e jamais revogado por outra norma legal. 

Já de início, se dirigiu ao presidente Joaquim Barbosa para comentar sua decisão de suspender a sessão anterior, abruptamente, quando a corte se dividia em 5X5, faltando apenas o voto de desempate do decano. “O encerramento da sessão do dia 12 de setembro, independentemente da causa que o motivou, teve, para mim, Senhor Presidente, um efeito virtuoso, pois me permitiu aprofundar, ainda mais, a minha convicção em torno do litígio ora em exame e que por mim fora exposta no voto que redigira – e que já se achava pronto – para ser proferido na semana passada”.

E quando ainda desfiava as questões preliminares que iriam pautar seu voto, deixou clara a sua divergência com o ministro Marco Aurélio que, no seu voto, afirmou que a corte precisa se preocupar com o que dizem os jornais do dia seguinte. “Os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal”, contestou Mello.

Contra a fúria condenatória de Barbosa exaltada pela mídia, acrescentou que “o processo penal e os tribunais são, por excelência, espaços institucionalizados de defesa e proteção dos réus contra eventuais excessos da maioria, ao menos, Senhor Presidente, enquanto este Supremo Tribunal Federal, sempre fiel e atento aos postulados que regem a ordem democrática, puder julgar, de modo independente e imune a indevidas pressões externas, as causas submetidas ao seu exame e decisão”.

Foi ao fígado do ministro Gilmar Mendes, o que mais vociferou para tentar acuá-lo, tanto na corte quanto nos jornais. Contra o argumento de que o Congresso Nacional, que tem a prerrogativa para legislar sobre processo penal, nunca havia se manifestado sobre a validade dos embargos infringentes, apresentou os fatos: em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao legislativo um projeto de lei que propunha a extinção do recurso no STF e foi derrotado, conforme antecipou Carta Maior na matéria “Congresso foi favorável aos infringentes. E Gilmar Mendes sabia”. Teve a delicadeza de não lembrar que o hoje ministro do STF era, à época, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil de FHC e, portanto, estava mais do que ciente dos pormenores da estratégia derrotada. 

Também contestou o argumento tacanho da ministra Carmem Lúcia de que o acolhimento dos infringentes quebraria a isonomia entre a corte máxima e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não prevê o recurso em seu regimento. Ressaltando o óbvio, Mello lembrou que um réu condenado pelo STJ pode recorrer ao STF. Já a quem é julgado apenas pelo STF, não pode fazer o caminho inverso. 

Fez uma bela defesa do princípio internacional da garantia ao duplo grau de jurisdição, relegado ao segundo plano por Carmem Lucia, que se limitou a dizer que este direito “tem limites dentro do sistema jurídico brasileiro”. O decano lembrou que o princípio está previsto em convenções internacionais gerais e interamericanas, ratificadas pelo Brasil e, portanto, com força de norma constitucional.

Gilmar Mendes, que deixou o plenário antes do encerramento, não estava mais presente quando Mello o citou nominalmente para explicar que os quatro votos contrários exigidos no texto legal que prevê os embargos infringentes não são “um número cabalístico”, instituído a bel prazer para “eternizar” a tramitação de causas a que o magistrado se opõe. “O STF representa uma pequena comunidade jurídica de onze ministros, na qual quatro votos representa muito”, justificou. 

E concluiu lembrando o princípio jurídico que diz que, na dúvida, prevalece o que for mais favorável aos réus. “A mera existência desta profunda divisão em um julgamento penal proferido pela suprema corte do país em instância única já recomendaria a admissibilidade dos embargos infringentes”.

Um STF mais garantista 

A corte que retomou a sessão após a verdadeira aula de Mello se mostrou mais garantista que antes. Por 7 votos a 4, acatou pedido do réu Cristiano Paz, um dos sócios de Marcos Valério, para que o prazo de interposição dos embargos infringentes fosse duplicado. Votaram pela manutenção do prazo de 15 dias, previsto no Regimento Interno do STF, Joaquim Barbosa, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux e Gilmar Mendes. 

Os demais - Teori Zawascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowsk e Marco Aurélio - atenderam ao chamado de Celso de Mello para, na dúvida, decidir em favor dos réus e acataram a dobra prevista no Lei de Processo Penal, mesmo procedimento adotado para recepção dos embargos declaratórios, no próprio processo do mensalão. Com isso, os réus terão prazo de 30 dias para interpor recursos após a publicação do acórdão final do julgamento.

O novo relator 

O ministro Luiz Fux foi escolhido, por sorteio eletrônico, o novo relator da ação. Indicado a corte por Dilma Rousseff, é o mais fiel seguidor de Joaquim Barbosa, de quem afirma ser amigo há muitos anos. No julgamento do mensalão, jamais discordou de um voto sequer proposto pelo colega. Em muitos momentos, chegou a advogar em defesa do então relator, criticado pela adoção de procedimentos atípicos e condutas explosivas.

Os 12 réus que terão direito aos embargos infringentes são aqueles condenados por formação de quadrilha com pelo menos quatro votos divergentes, como o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoino (PT-SP), e os condenados nas mesmas condições por lavagem de dinheiro, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Como a interposição do recurso suspende a contagem dos prazos legais, não há possibilidade de prescrição das penas, como vem martelando a mídia. 

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