08 março 2014

SUB TEGMINE FAGI




A Melo Morais

Dieu parle dans le calme plus haut
que dans la tempête.
Mickiewicz
Deus nobis haec otia fecit.
Virgílio


Amigo! O campo é o ninho do poeta...
Deus fala, quando a turba está quieta,
Às campinas em flor.
— Noivo — Ele espera que os convivas saiam...
E n’alcova onde as lâmpadas desmaiam
Então murmura — amor —

Vem comigo cismar risonho e grave...
A poesia — é uma luz... e alma — uma ave...
Querem — trevas e ar.
A andorinha, que é a alma — pede o campo
A poesia quer sombra — é o pirilampo...
Pra voar... pra brilhar.

Meu Deus! Quanta beleza nessas trilhas...
Que perfume nas doces maravilhas,
Onde o vento gemeu!...
Que flores d’ouro pelas veigas belas!
... Foi um anjo co’a mão cheia de estrelas
Que na terra as perdeu.

Aqui o éter puro se adelgaça...
Não sobe esta blasfêmia de fumaça
Das cidades para o céu.
E a terra é como um inseto friorento
Dentro da flor azul do firmamento,
Cujo cálice pendeu!...

Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Leva a concha dourada... e traz das plagas
Corais em turbilhão,
A mente leva a prece a Deus — por pérolas
E traz, volvendo após das praias cérulas,
— Um brilhante — o perdão!

A alma fica melhor no descampado...
O pensamento indômito, arrojado
Galopa no sertão,
Qual nos estepes o corcel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Solta a crina ao tufão.

Vem! Nós iremos na floresta densa,
Onde na arcada gótica e suspensa
Reza o vento feral.
Enorme sombra cai da enorme rama...
É o Pagode fantástico de Brama
Ou velha catedral.

Irei contigo pelos ermos — lento —
Cismando, ao pôr-do-sol, num pensamento
Do nosso velho Hugo.
— Mestre do mundo! Sol da eternidade!...
Para ter por planeta a humanidade,
Deus num cerro o fixou.

Ao longe, na quebrada da colina,
Enlaça a trepadeira purpurina
O negro mangueiral...
Como no Dante a pálida Francesca,
Mostra o sorriso rubro e a face fresca
Na estrofe sepulcral.

O povo das formosas amarílis
Embala-se nas balsas, como as Wilis
Que o Norte imaginou.
O antro — fala... o ninho s’estremece...
A dríade entre as folhas aparece...
Pã na flauta soprou!...

Mundo estranho e bizarro da quimera,
A fantasia desvairada gera
Um paganismo aqui.
Melhor eu compreendo então Virgílio...
E vendo os Faunos lhe dançar no idílio,
Murmuro crente: — eu vi! —

Quando penetro na floresta triste,
Qual pela ogiva gótica o antiste,
Que procura o Senhor,
Como bebem as aves peregrinas
Nas ânforas de orvalho das boninas,
Eu bebo crença e amor!...

E à tarde, quando o sol — condor sangrento —,
No ocidente se aninha sonolento,
Como a abelha na flor...
E a luz da estrela trêmula se irmana
Co’a fogueira noturna da cabana,
Que acendera o pastor,

A lua — traz um raio para os mares...
A abelha — traz o mel... um treno aos lares
Traz a rola a carpir...
Também deixa o poeta a selva escura
E traz alguma estrofe, que fulgura,
Pra legar ao porvir!...

Vem! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da floresta, ou do poema,
Nas trevas ou na luz...
Não vês?... Do céu a cúpula azulada,
Como uma taça sobre nós voltada,

Lança a poesia a flux!...

                         Castro Alves
...

*Foto: Arlindo Disconzi - Santiago/RS

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