10 junho 2014

É fácil um cálice virar cale-se


*Por Ana Helena Tavares, editora do Quem tem medo da democracia? e colunista do Novo Direto da Redação
Será que o mundo político está mesmo tão perdido como alguns supõem? Será que a política é só formada por conchavos entre partidos, é só feita de assinaturas em gabinetes, como aponta o senso comum ? Será que todos os sonhos da primeira Ágora se desfizeram no ar, será que viraram pó?
Há muitos – por sorte – que não vêem as coisas assim, de forma tão limitada. São os que sentem que há uma missão a cumprir. E que sabem que toda missão é política. São os que teimam em fazer do mundo uma utopia. E caminham em busca dela, embora saibam que podem nunca chegar.
E, se não chegarem, o que será feito dos que sonham com uma política maior? Serão contados pela história como vencedores ou perdedores? Basta ler, ler muito, e na leitura estará esta a resposta. A História dá sempre voz a quem teve coragem.
Como passar uma vida sem se doar a um povo? Quem respira política – aquela que “não se faz com o fígado”, como diria Ulysses Guimarães –estes não sabem viver sem se doar. A democracia é uma utopia? Talvez, mas todo real foi sonho antes.
E ele – o sonho – não se transforma em real se não for construído no dia-a-dia das ruas. É lá que estão todas as formas de política. A grande política. Nas esquinas, nas praças, nos bares, na reunião de condomínio do seu prédio, na doação que você faz para sua igreja ou para um centro de caridade, na votação para quem será o árbitro das peladas de domingo, na eleição do representante da turma do seu filho no colégio.
É em tudo isso que se constrói ou se destrói uma democracia. Porque o verdadeiro poder de transformação está dentro de todos os que lutam abnegadamente por um mundo de muitas utopias tornadas reais.
Num domingo à tarde, você vendo um aparentemente ingênuo programa de TV acha que ali não está se fazendo política? E nos jornais e telejornais diários? E naquela música que você escuta sem prestar atenção na letra? Fique atento. É fácil um cálice virar cale-se.
Há muitas formas de sacudir o mundo – pelas artes, pela ciência, pelos esportes. Através de todas elas, é possível fazer política. Quase impossível é não fazê-la.  Porque secá-la é destruir nossa espécie.
Erroneamente entendidos como vencidos, todos os que dedicaram suas vidas à política, entendida da forma ampla como ela é em sua origem, vivem na folha que cai da árvore e voa que voa. Sabe-se lá onde vai parar. Estão presentes em tudo o que o mundo produz de bom para seus povos. E de onde vem isso tudo?! Vem do sonho, do campo, da luta! Sim, vem da política feita com amor.
Uma união explosiva que, a quem nela aposta, pode não dar ouro, mas dará louro. Embora muitas vezes póstumo. Um louro que fica como legado para as gerações vindouras. Um louro de que o Brasil e o mundo muito precisam.
É da sociedade que saem os políticos. Só uma sociedade mais consciente, que entenda as conexões da política cotidiana, poderá elevar ao poder políticos que melhor a representem. Jamais saia para a rua exigindo dos governantes atitudes que você não pratica na vida e tampouco praticaria se estivesse no lugar deles.
*Ana Helena TavaresJornalista, conhecida por seu site de jornalismo político Quem tem medo da democracia?, com artigos publicados no Observatório da Imprensa e na extinta revista eletrônica Médio Paraíba. Foi assessora de imprensa e repórter dos Sindicatos dos Policiais Civis e dos Vigilantes. Universitária, entrevistou numerosas pessoas que resistiram à ditadura e seus relatos (alguns publicados na Carta Capital e Brasil de Fato) serão publicados brevemente num livro. Este texto foi originalmente escrito para o Novo Direto da Redação. http://quemtemmedodademocracia.com/

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