08 março 2015

Impeachment, golpe de Estado e ditadura de 'mercado'



Aqueles que defendem hoje o impeachment são os mesmos golpistas de ontem: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia

Por Samuel Pinheiro Guimarães*

O impeachment é a tentativa de anular, por via legislativa, pelo voto de 513 deputados e 81 senadores, os resultados das eleições de novembro de 2014 que refletiram a vontade da maioria do povo brasileiro ao eleger a Presidenta Dilma Rousseff, por 53 milhões de votos.
 
Desde 2003, as televisões, em especial a TV Globo; os maiores jornais, como o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e o Globo; e as principais revistas, quais sejam a Veja, Isto É e Época, se empenham em uma campanha sistemática para desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e os partidos progressistas e para tentar “provar” a ineficiência, o descalabro e a corrupção dos Governos do PT, inclusive de seus programas sociais, que retiraram 40 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.
 
Agora, com a ajuda providencial de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, os meios de comunicação, tendo seu candidato perdido as eleições, tentam criar um clima político e de opinião que venha a derrubar ou imobilizar a Presidenta e, assim, anular a vontade da maioria do povo brasileiro. 
 
Fazem isto divulgando dia a dia as declarações de delatores, criminosos confessos, e de procuradores, policiais e juízes que as “vazam”, seletivamente, para os meios de comunicação, cometendo notória ilegalidade, e publicando notícias sobre o extraordinário descalabro e corrupção em que viveria o país.
 
Diante da instabilidade política gerada por esta campanha, a Presidenta Dilma, com o objetivo de conter as manobras golpistas (recontagem de votos, acusações de fraude, ameaças diversas, etc.) e de apaziguar o “mercado”, anunciou um programa de austeridade, de equilíbrio orçamentário, de contração de gastos do Estado, de redução de investimentos, na esperança de conquistar a “confiança dos investidores”, seu principal objetivo, e de “acalmar” seus opositores políticos.
 
É preciso notar que o “mercado” não é uma entidade da sociedade civil, mas sim, na realidade, um ínfimo grupo de multimilionários, investidores, especuladores e rentistas, e seus “funcionários”, quais sejam os chamados economistas-chefe de bancos e fundos, os jornalistas e articulistas de economia, e seus associados no exterior.
 
Há economistas e jornalistas que são notável exceção a esta afirmação, mas são eles pequena minoria. 
 
Quando foi apresentado o Plano Levy, declarou-se, com ênfase, que ele não iria afetar as conquistas dos trabalhadores (a legislação sobre horário de trabalho, férias, aposentadoria, seguro desemprego etc.), mas que iria ele equilibrar o orçamento através do contingenciamento, da contenção de despesas e do aumento de impostos, com o objetivo de fazer um superávit primário que permitisse pagar os juros da dívida pública e conquistar a “confiança do mercado, a confiança dos investidores”.  
 
Conquistar a “confiança dos investidores” significa fazer com que tomem a decisão de realizar investimentos (para obter lucros) e assim ampliar a capacidade instalada, gerar empregos, condição essencial para a retomada do desenvolvimento.
 
A “confiança dos investidores”, todavia, tem a ver com a expansão da demanda, pois só com essa expansão (sustentada) podem surgir oportunidades de investimentos lucrativos.
 
A construção de “confiança” e a realização de investimentos são improváveis em uma conjuntura em que se elevam os juros dos títulos públicos e das aplicações financeiras para torná-los os mais altos do mundo, o que atrai os capitais para o setor financeiro, especulativo ou rentista, e os afasta do setor produtivo e, portanto, dos investimentos.
 
Outros fatores que afetam negativamente a “confiança” dos investidores são a competição predatória e destrutiva das importações; taxas cambiais inadequadas; a redução dos investimentos públicos em infraestrutura; o aumento das taxas de juros dos financiamentos de longo prazo do BNDES; a redução da demanda e o eventual aumento do desemprego (que alguns saúdam como a oportunidade para criar um clima favorável ao impeachment) devido à redução da atividade econômica. 
 
Há um mantra, repetido sem cessar, sobre competitividade e produtividade, entoado por autoridades públicas, acadêmicos, jornalistas “especializados”, economistas-chefe de consultoras, de empresas, de bancos, que são, na realidade, empregados do “mercado”. 
 
Segundo esses “especialistas”, a solução dos problemas internos, isto é a retomada do crescimento, e o afastamento para diante da crise externa latente e cada vez mais ameaçadora, dependeriam do aumento da produtividade (isto é, da produção por trabalhador) e do aumento da competitividade das empresas brasileiras diante das chinesas, americanas e europeias, e da redução do “Custo Brasil”.
 
No caso da produtividade, alguns afirmam que seu aumento resultaria de um grande investimento sustentado em educação, como teriam feito os países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Coréia e que teria sido, segundo eles, uma razão importante, e talvez a principal, para explicar o seu desenvolvimento.
 
Os paladinos da educação defendem a educação primária geral, a atenção especial à primeira infância, a inclusão de todas as crianças e jovens (e os adultos?) no sistema. Não se fala muito na preparação de professores nem no horário integral nem nos efeitos, negativos, da televisão e da internet sobre o sistema de ensino em seu cerne, que é o tempo dedicado aos estudos pelos jovens. Pode-se perguntar quando estes brasileiros, hoje infantes e jovens, entrariam no mercado de trabalho para tornar a mão de obra mais produtiva e o Brasil mais competitivo: daqui a 10 anos? Daqui a 15? E até lá?
 
Outros argumentam que os “custos do trabalho” no Brasil seriam muito elevados (em comparação com os “custos” em que países? Na China? Nos Estados Unidos? Na Alemanha?) e que, portanto, seria necessário reduzir esses “custos”, impedindo aumentos “artificiais” do salário mínimo (já que não haveria escassez de mão de obra), reduzindo os benefícios da legislação trabalhista, estimulando a rotatividade da mão de obra, etc.
 
Quanto ao “Custo Brasil”, argumentam com os altos custos de transporte e de energia, com a carga tributária elevada, com a multiplicidade de impostos, com a burocracia “infernal”.
 
Reclamam, também, da intervenção “excessiva” do Estado (empresas estatais e regulamentação) e pedem, ainda que até agora apenas  insinuem, a privatização dessas empresas e a “desburocratização”, isto é, menos lei e mais liberdade para o capital.
 
Segundo os defensores do programa de austeridade, em decorrência do aumento da produtividade interna, a competitividade internacional seria alcançada, com todas as suas vantagens, tais como um superávit comercial estável, a diversificação dos mercados e o aumento das exportações de manufaturados.
 
Assim, a crise atual seria superada. Todavia, a verdade é outra.
 
Toda a crise atual, em parte verdadeira e em parte fabricada, decorre da revolta conservadora devido ao fato de a Presidenta Dilma ter cometido dois “pecados mortais” à luz dos interesses do “mercado”, isto é, daqueles indivíduos beneficiários da concentração de riqueza, de renda e de poder político no Brasil, que são os grandes multimilionários, os latifundiários rurais e urbanos, os rentistas, os banqueiros e os grandes industriais, e seus representantes na mídia, no Congresso, no Judiciário.
 
O primeiro “pecado” foi a redução, ainda que temporária, das taxas de juros; o segundo “pecado” foi o apoio, ainda que tímido, à democratização dos meios de comunicação.
 
O sistema financeiro e bancário é o principal instrumento de concentração de riqueza no Brasil. Ao reduzir as taxas de juros dos bancos públicos e ao forçar a redução dos juros dos bancos privados (que foi logo compensada pelo aumento das “taxas” de administração) a Presidenta diminuiu a transferência de riqueza da sociedade e do Estado para os bancos privados, seus acionistas e os detentores de títulos públicos e, assim, a Presidenta atingiu o cerne do mecanismo de concentração do sistema econômico e provocou a ira dos setores conservadores que hoje pedem a privatização dos bancos públicos.
 
O sistema de comunicações no Brasil é o instrumento das classes dominantes para construir o imaginário do povo, para manipular as informações e para justificar o sistema econômico e social vigente e desmoralizar aqueles que lutam por mais igualdade, mais liberdade, mais fraternidade e pelos direitos das minorias, em um contexto de desenvolvimento.
 
A concentração do poder midiático “condena” os que ele acusa ao difundir e repetir incansavelmente “informações” antes do julgamento e transformou o mensalão em julgamento prévio contra o qual  não soube resistir o STF ao aceitar a conduta imprópria de seu Presidente e a campanha de imprensa.
 
O mesmo ocorre com a operação Lava Jato. Não há nenhuma iniciativa do Poder Judiciário para impedir a formação de uma opinião pública contra os acusados, gerada pelas denúncias sem provas feitas por criminosos confessos que denunciam a torto e a direito quando, no caso dos procedimentos de delação premiada, as investigações deveriam ser feitas sob o maior sigilo, já que se trata de denúncias feitas por criminosos em busca de vantagens pessoais.
 
Ao ameaçar esses dois fundamentos da ordem conservadora, o sistema financeiro e a mídia, a Presidenta Dilma se tornou “culpada” e a oposição insiste em que deve ser punida pela destituição do cargo por um processo de impeachment.
 
Seria importante que o Governo compreendesse que o que está de fato ocorrendo é uma manobra política cujos objetivos são pela ordem:
 
- fazer o Governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus “associados” externos;
 
- ocupar os cargos da administração pública (Ministérios, Secretarias executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;
 
- enfraquecer política e economicamente o Governo;
- enfraquecer o PT e os partidos progressistas;
- aprovar leis de interesse do “mercado”; 
- e, se nada disso ocorrer, fazer o Governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir o impeachment da Presidenta.
 
Contra esta enorme e múltipla ofensiva econômica, midiática e política do “mercado”, de seus “funcionários” e representantes somente há uma estratégia possível: a ação política intensa junto aos movimentos populares, junto às organizações da sociedade civil, junto ao Congresso, junto à Administração Pública e aos Governadores, enfim, a mobilização da sociedade pelo seu esclarecimento para a defesa da democracia em toda sua integridade.
 
É indispensável que, na distribuição de suas verbas de publicidade, o  Governo leve em consideração a existência de televisões comunitárias, universitárias, educativas, de rádios comunitárias, de blogs e sites, e dos  pequenos e médios jornais e emissoras regionais e deixe de concentrar a distribuição de verbas e anúncios na grande mídia, o que fortalece os oligolipólios que atuam de forma ostensivamente partidária e contra a enorme  maioria do povo, estimulando inclusive antagonismos violentos. 
 
O impeachment é o golpe de Estado do “mercado”. Aqueles que defendem hoje o impeachment e criam o clima de instabilidade e de radicalização são os mesmos golpistas históricos de 1954 e de 1964: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia e não os aceitam, apesar de ter o Brasil uma concentração de renda que se encontra entre as dez piores do mundo, enquanto seu PIB é um dos dez maiores do mundo, e de ser urgente deter o processo de concentração de renda (que a crise acentua) para que seja possível construir uma sociedade mais justa, mais democrática, mais próspera, mais estável.
 
Para que este objetivo possa ser alcançado, é preciso que a sociedade brasileira não se submeta à ditadura do “mercado”, cujos integrantes tem sido os grandes beneficiários da crise, que se iniciou em 2008 e não apresenta sinais de fim.

*Fonte - Carta Maior  http://cartamaior.com.br/

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