25 março 2015

Quem é populista?



Por Tarso Genro*

Tenho procurado me preservar de debater, neste momento, por razões diferentes, tanto o Governo Sartori, como o segundo Governo Dilma. Assim como os governantes, que iniciam os seus governos, entendo que -a menos que surja alguma questão de princípio- os governantes que saem, também devem ter um certo “período de graça”. Ontem, porém, sem ofender ninguém, ou fazer críticas a alguém, não me contive e tuitei que estava feliz com a decisão do Tribunal de Justiça, sobre a constitucionalidade do novo Mínimo Regional, de R$ 1006,88. É um valor que não é elevado, mas que melhora a alimentação de mais de 1,5 milhões de famílias trabalhadoras gaúchas: crianças, jovens, idosos, que poderão comer um pouco melhor.

Hoje me deparo com um odioso editorial do jornal Zero Hora, que me acusa de tentar “então na chefia de governo, antes de abandonar o poder, submeter ao parlamento uma proposta nitidamente populista”. Quero sustentar, neste pequeno texto, que “populista” é o editorial de ZH, além de falso e preconceituoso.

Vejamos. Falso, porque omite -como reconhece na noticia que divulga, na mesma edição na página 11- que no final do meu governo, apenas recuperei a mesma posição do SM Regional de 2001, que veio, paulatinamente, sendo achatado pelos governos que sucederam Olívio Dutra. Tal recuperação eu propusera de forma transparente, no meu Programa de Governo e defendido esta posição, inclusive perante a própria Federasul, nos debates que precederam a minha eleição. Falso, também, porque ao contrário do que diz o editorial, não “tentei” submeter o parlamento. Eu “remeti” ao parlamento um projeto, de acordo com as minhas prerrogativas constitucionais, que foi apreciado de forma regular por aquela instituição.

Preconceituoso. O editorial é preconceituoso contra os pobres porque qualifica a minha proposta como “populista”. Com esta definição, o honorável periódico desconhece a elementar definição, na Teoria Política, do verdadeiro significado deste tipo de ação partidária ou estatal, que, de um lado, busca prescindir das instituições regulares do Estado para promover os seus atos e, de outro, procura instrumentalizar as instituições para conter os ímpetos de transformação radical, que possa vir dos pobres e explorados. O populismo considera o povo uma “massa informe”, manipulável pelo poder: o povo considerado como “agregado social homogêneo”, sempre depositário de valores positivos e permanentes, acima e afora das classes sociais. O povo como objeto manipulável, não as classes como sujeitos.

Onde está o populismo num episódio em que o Governo simplesmente encaminha, regularmente, com apoio do parlamento e por dentro das instituições regulares do Estado (agora com chancela do Poder Judiciário), um aumento constitucional de renda para os mais pobres? Foi, também, uma atitude “populista, a atitude da Assembleia que votou e do Tribunal de Justiça, que considerou o projeto constitucional? O abuso da expressão “populista”, pelos ultraliberais e neoliberais, parte do pressuposto que os assalariados e os pobres são sempre os contingentes do sacrifício, em qualquer situação de crise, e que os ricos e os muito ricos devem vigiar qualquer política que melhore a renda dos pobres, porque isso é “populismo”.

Sempre defendemos os aumentos de salários, tanto do setor público como do setor privado, como elementos de política econômica e de estímulo ao desenvolvimento do estado e do país, combinados com medidas de estímulo ao emprego e à atração de investimentos, de fora do Estado e de fora do país, com programas transparentes e acessíveis a todo o setor produtivo. Como toda a posição sobre temas graves e relevantes, dentro de uma crise, a nossa pode ser alvo de objeções, como nós objetamos, por exemplo, que as políticas de austeridade possam tirar qualquer país da estagnação.

Taxar, porém, de “populista” uma definição do salário mínimo regional feita por um Governo sério, que que abriu um diálogo inédito no Estado através do CDES, com a participação de todos os setores da sociedade é, na verdade, trocar o debate pela ofensa a quem tem princípios. Estamos autorizados a pensar, a partir desta ofensa senil, que está se inaugurando, aí sim, um novo tipo de “populismo midiático”, com fins lucrativos: cortejar os empresários, que estavam defendendo, no Foro apropriado, o que julgavam seus direitos, para certamente estes aumentarem os seus gastos em publicidade. Aonde? Adivinhem. “Parem de mimar os ricos”, disse o milionário Warren Buffet, quando, na era Busch, era reformado o sistema fiscal para proteger os mais ricos e ferrar os mais pobres. Aqui, isso seria pedir demais à Zero Hora. Mas, pelo menos, podemos pedir, “parem de ferrar os pobres”, os que vivem de Salário Mínimo, para que gente possa distribuir ainda mais renda e sair da crise sem sacrificar os que podem menos!

*Advogado, ex-governador do RS.

Fonte: http://portal.ptrs.org.br/

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