20 janeiro 2016

Lula: 'não é hora de discutir crise, mas saídas para a crise'


Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de um café da manhã com blogueiros na manhã desta quarta-feira (20), em São Paulo, na sede de seu Instituto. Ao longo de cerca de três horas, Lula falou sobre combate à corrupção, a situação econômica do país e suas sugestões para superar a crise, o momento político da presidenta Dilma e do PT, entre outros temas.

Participaram do encontro, que foi transmitido ao vivo pela internet, Altamiro Borges (Blog do Miro), Breno Altman (do Opera Mundi), Conceição Lemes (Viomundo), Conceição Oliveira (Maria Frô), Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania), Gisele Federicce Francisco (Brasil 247), Joaquim Palhares (Agência Carta Maior), Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo), Laura Capriglione (Jornalistas Livres), Miguel do Rosário (O Cafezinho), Renato Rovai (Revista Fórum).

Confira, abaixo, alguns trechos da fala de Lula durante a coletiva.

Acusações e combate à corrupção
“Existe uma tese de que há uma quadrilha que foi montada [nos governos petistas] para roubar a Petrobras. É uma tese. Mas é engraçado que todos os funcionários envolvidos, são funcionários de carreira com mais de 30 anos de casa. Quando eles foram nomeados, não houve denúncia de nenhum trabalhador. Não houve denúncia de nenhum diretor.
Algum dia o Brasil vai reconhecer que esse processo de combate à corrupção só existe porque criamos as condições para isso. A Dilma será reconhecida e enaltecida neste país pelo que ela criou de condições para permitir que neste país todos saibam que tem de andar na linha, e se não andar na linha será punido, do mais humilde ao brasileiro de mais alto escalão.

Não tem neste país uma viva alma mais honesta do que eu, nem delegado, nem promotor do Ministério Público, nem empresário, nem na Igreja. Pode ter igual, isso sim. Aprendi com uma senhora analfabeta, que me disse: ‘meu filho, se você for honesto, poderá andar de cabeça erguida’.
Impera a tese de que não importa o que vão dizer os juízes, porque mesmo que a justiça absolva, o sujeito já está condenado pela imprensa. Quem é culpado tem de ser preso, mas, para isso, precisa ser julgado. Está na hora da sociedade brasileira acordar e exigir mais democracia, mais respeito pelos direitos humanos e mais fortalecimento das instituições.”

A perseguição ao PT e a Dilma
“Buscamos o objetivo de não permitir que ninguém neste país destrua o projeto de inclusão social que começamos a fazer a partir de janeiro de 2003. O que incomoda é isso. Pode dizer que não, mas desde o tempo do Império Romano a elite não gostava quem se aproximava do povo. Mas ninguém vai destruir este projeto. O povo aprendeu a conquistar coisas, aprendeu que pobre pode fazer universidade, que pode comer carne, que pode viajar de avião, e que pobre não nasceu pobre, ficou pobre por conta do sistema econômico deste país. Isso está em jogo, e os democratas não podem se conformar com essa tentativa de golpe explícito que tenta aplicar falando em impeachment da Dilma.

A democracia é séria, não se brinca com a democracia. Eles tentam destruir a democracia negando a política. Por isso eu vou fazer mais política, vou participar ativamente do processo eleitoral. Tem gente que acha que o PT acabou, e vocês vão ver. Eu acho que o Haddad vai ser reeleito em São Paulo, só pra falar a maior cidade."

Processos contra caluniadores
“Eu comecei a processar, diferente do que eu fazia antes, porque diziam que não adiantava nada. Aí fui a uma audiência, onde processamos jornalistas do Globo… e comecei a processar porque o dono do jornal se livra botando a culpa no jornalista, então comecei a processar para ver se retomamos a dignidade profissional da categoria.

Nesse processo que fui, no Rio de Janeiro, quando o juiz fazia uma pergunta, o cara falava: “tem a fonte, não posso falar”. E eu pergunto: venho aqui, fico nu diante da Justiça, e vem um cidadão que diz: “olha, não posso falar, é segredo de fonte”. Assim é desproporcional. Não dá para ser assim.
A desfaçatez é tamanha… O que se faz com o meu filho Fabio é uma violência. Ontem mesmo fiquei sabendo de um lutador dessa luta que eu não gosto falando que meu filho tem um iate de 80 pés em Angra… como um cidadão tem a desfaçatez de mentir?
A gente começou a abrir processo agora, porque não interessava. Mas acho que tem que processar. Quando cheguei ao governo, a Fenaj apresentou um projeto para criar um tipo de OAB dos jornalistas. E o pessoal analisou, deu entrada, e quando chegou ao Congresso Nacional, foi um cacete que nem a Fenaj defendeu. Os jornalistas atacaram, reclamaram, e eu pensei: se nem o jornalista quer, tiramos o projeto.
Antigamente os jornais tinham dono, e você falava com o dono e tentava resolover alguma coisa. Hoje você tem executivo preposto. Não resolve mais nada.
A politização chegou a tal ordem… e eu admito a politização. Que eles peçam o voto que quiserem nos editoriais. O que não admito é mentira na informação. Daqui pra frente vou processar. Tem muitos, e vai ter cada vez mais. Eu não gostaria que fosse assim.
Há um abuso, uma falta de respeito com a Dilma. Achei que ela seria mais bem tratada por ser mulher, mas não tem isso. É uma coisa de pele. Se você não tem a minha pele, não te aceito no meu clube.
As pessoas podem não gostar do PT, sem problemas, mas se elas não reconhecerem o que seria este país sem o PT… Um homem sério ou uma mulher séria não pode admitir a execração das pessoas.”


Campanha em 2014 e ajuste fiscal em 2015
“O cidadão não pode gastar mais do que ganha. Se você quer ter uma capacidade de endividamento, tem que ser uma que dá para pagar. Acho que todos nós fazemos assim. Agora, a verdade é que a Dilma, no primeiro mandato, teve um mandato muito exitoso. Os problemas começaram quando a Dilma preocupada em prevenir a redução do crescimento, e ela não queria de jeito nenhum reduzir os programas sociais, ela fez um forte subsídio. E uma forte política de isenções que chegou a quase R$ 500 bilhões nos últimos anos.

Quando você faz subsídios e a economia não consegue se recuperar, você começa a arrecadar menos. E aí precisa fazer um corte. E para isso, precisa escolher o que é prioritário para a sociedade, no caso, a geração de emprego, o investimento nas universidades.
Ora, houve um equívoco político já reconhecido pela presidenta. Foi a gente ganhar as eleições com um discurso, com apoio do povo da PUC e da Zona Leste, de artistas, de gente que acreditou e foi para a rua defender um projeto de inclusão social, acreditando que é possível fazer um processo mais forte de democratização da mídia brasileira, de diversificação da cultura. Foi para isso que as pessoas foram para as ruas.
E a Dilma dizia que ajuste era coisa de tucano, não coisa dela, mas depois foi obrigada a fazer. E como estava num processo de diálogo com o movimento sindical e só anunciou em dezembro… criou um mal estar. Ela sabe disso. Agora, o que nós estamos vendo: se em algum momento se acreditou que fazendo discurso para o mercado a gente ia melhorar, o que a gente percebeu é que não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado. Nem o Levy, que era representante do mercado no ministério da fazenda, não virou governo. Não ganhamos ninguém e perdemos a nossa gente. Então o desafio da Dilma, agora, e eu peço a Deus que a ilumine muito, o ministro Nelson Barbosa e todo o governo, é que em algum momento neste mês vão precisar anunciar alguma coisa para a sociedade brasileira. Então o Levy saiu, e o que vai mudar?
Uma forma de aumentar a capacidade de arrecadação do estado brasileiro é aumentar imposto, e está difícil no Congresso. A outra, é o crescimento econômico. A Dilma tem de ter como obsessão a retomada do crescimento e do emprego. Não é fácil, mas é a tarefa política.
Você precisa escolher o que fazer, com investimento público. Se o governo não está pondo dinheiro, porque o empresário vai por? O governo precisa tomar a iniciativa. Precisamos de uma forte política de financiamento, temos muitas obras inconclusas que precisam ser terminadas. A Dilma lançou o PIL, que é um programa de investimento em logística. E tem muita coisa por fazer.
Não existe nada mais edificante para um ser humano do que ser capaz de prover seu próprio sustento. O jovem está ansioso para trabalhar. O emprego precisa ser uma obsessão para nós.”

Recuperação da economia
“Nós estamos arrecadando pouco, e portanto não temos capacidade de investimento para induzir. Você não está fazendo as concessões de portos e aeroportos, e é importante fazer. O que a gente percebe é que tá faltando crédito, financiamento. Penso que apresidenta e o Barbosa precisam pensar, não sei pra quando, uma forte política de crédito para investimento e para consumo.

Em 2008, na época da crise, colocamos R$ 100 bilhões do Tesouro para financiar o desenvolvimento. Na primeira levada que colocamos, os bancos privados não criaram crédito a partir dos títulos do tesouro. Então fomos com os bancos públicos, compramos o Banco Votorantim para financiar carro, o Bradesco tinha parado de financiar motocicleta e nós fizemos o financiamento para motocicleta nos bancos públicos.
Nós temos 14 milhões de micro empresas e MEI, e que precisamos financiar, financiar a cadeia produtiva, por exemplo. Isso tem de ser feito com mais rapidez. Tem de ter uma política de financiamento de infraestrutura com mais rapidez, e o consumo. Se não tem consumo, ninguém investe. Poderia se tentar ver como está o crédito consignado e fazer uma forte política de crédito consignado, acertado com o movimento sindical e os empresários.
Se a gente fizer tudo isso, a gente faz a roda da economia girar. Aí o governo vai arrecadar mais, e ter mais capacidade de investimento.
O pessoal fala muito de dívida pública no Brasil… Depois de 2007, a dívida pública norte-americana foi de 74% para 105%; o Obama endividou o país, mas para fazer a economia girar. Você cria um ativo que vai dar retorno e vai te ajudar a arrecadar mais. Agora falam da nossa dívida, ela cresceu porque o PIB caiu. Se o PIB crescer, ela cai.
Então o jeito da gente consertar a economia, na minha opinião, é fazer a economia crescer. A Grécia começou com uma crise que 30 bilhões resolviam, mas depois de 10 anos de discussão, chegou a uma situação que 200 bilhões não resolviam.
Infraestrutura é central, não apenas ferrovias, mas muitas coisas que você precisa investir. Eu se fosse a Dilma, fazia como os russos: chamava a China e pactuava um grande projeto de investimentos e dava como garantia o petróleo. Eles precisam e nós temos. Uma crise cria a oportunidade que você faça tudo que não dá para fazer na normalidade”.

A turma do 'quanto pior, melhor'
“O povo brasileiro precisa repudiar, veementemente, todas as pessoas que trabalham para atrapalhar o desempenho do Brasil. Quando alguém trabalha para impedir que o que o governo faz não dê certo, quem sofre na pele é o povo mais necessitado deste país. Quando as pessoas tiraram a CPMF achando que iam me prejudicar, eu não fui prejudicado. Mas o povo brasileiro foi. Quem precisa da saúde pública é o povo mais humilde.

Então quando as pessoas tentam prejudicar a Dilma, estão retardando o avanço social do povo brasileiro. Teve até um que disse outro dia que ia tirar R$ 10 bilhões do Bolsa Família.
A Dilma precisa conversar mais com a sociedade, organizar os partidos, assumir compromissos de seus aliados, porque… política é assim. Se tem uma coisa que o Congresso Nacional adora, e qualquer parlamento do mundo, é presidente fraco. Quando ele forte, o presidente faz muita coisa e eles não podem contestar. Veja o papel do Eduardo Cunha. Ele se presta a criar uma pauta bomba todo dia, sem se importar se tem algo pra votar que tenha importância para o país; não de importância para a Dilma, mas para o país.
Mas precisa, pelo amor de Deus, com a base aliada, pactuar que a minoria não paralise este país. O governo foi eleito para governar, e não pode permitir que a minoria, que a pauta negativa, paralise o país. O Jaques Wagner tem muita expertise política e vai trabalhar, com o Berzoini, para que a gente aprove o que for necessário para que a economia volte a crescer.”

A volta por cima do PT
“O PT errou, cometeu práticas que condenávamos. E o PT não nasceu para ser igual aos outros, nasceu para mudar a lógica dos partidos tradicionais. Mas uma coisa é o PT quando a gente dizia: “sua vez, sua voz”, o PT que fazia campanha vendendo macacão, estrela, bandeira… na medida que a família começa a crescer e o partido entra nas instituições e na briga institucional, o partido mudou. Lembro de um tempo que a gente sentava aqui na direção nacional e fechava política de alianças nacional. Mas aí o partido vai crescendo e começa aliança ora com um, ora com outro, aí precisa de dinheiro pra campanha, as campanhas de TV ficam cada vez mais caras, parecendo filme de Hollywood e, de repente, o PT ficou parecido a todos os outros. E isso levou a posturas equivocadas.

Agora, você conhece algum deputado deste país que vendeu seu patrimônio para ser deputado? O que acho grave é que todos os partidos pegaram dinheiro das mesmas fontes. Os empresários são os mesmos para todos os partidos, e só com o PT é crime? Por isso, sou favorável ao financiamento público de campanha.
As pessoas falam do PT e não conhecem o PT. Em 1989, eu tava pra desistir de ser candidato. Eu estava chegando a Balbina, no Amazonas, quando o Kotscho me trouxe um Estadão com o Ibope: “Lula cai de 3% para 2,75%”. E eu pensei em desistir, porque senão ia terminar a eleição devendo pro Ibope. Mas quando chego lá em Balbina, encontro 100 pessoas, crianças, famílias, com bandeirinha do PT esperando para nos ouvir. As pessoas pegavam dois dias de canoa, trazendo frango e farinha pra comer e vender, só pra ver o PT, então eu não podia desistir. Eu não tenho o direito de desistir. Esse partido é muito grande, não pode ser abandonado porque uma pessoa cometeu um erro.
Não é questão de voltar às origens, porque não podemos voltar a ser quem fomos. Mas voltar a ter os mesmos compromissos e práticas daquela época. Os erros não devem servir para execrar o PT, mas para nos ajudar a consertá-lo. Pode ficar certo: o PT vai ressurgir como fênix. Vai ressurgir das cinzas muito mais forte. Fecha os olhos trinta segundos e imagine o que este país seria sem o PT, o que seria a política deste país sem o PT. Eu não vou deixar, eu vou motivar nossos companheiros. Então, uni-vos petistas! Em torno da causa nobre da democracia e da inclusão social!”
Movimentos sociais são críticos demais?
“Eu nasci na política no movimento social. O legado que eu consegui construir neste país se deve muito à participação do movimento social, nos bons e nos maus momentos. Porque o movimento social tem uma característica: eles pedem menos que qualquer adversário e ajudam muito mais que qualquer adversário atendido. Sinto muito orgulho de ter estabelecido a melhor relação entre Estado e sociedade e movimento social neste país.

Às vezes, enche o saco, a gente não gosta… mas Deus há de fazer com que esse movimento continue cobrando do governo. Se o movimento não cobra do governo, o governo acha que tá tudo certinho. Eu prefiro o movimento cobrando e reivindicando que movimento social passivo. Eu tenho o mais profundo respeito e acho que a Dilma tem o mais profundo respeito. Com a diferença que eu vim dele, seja no sindicato, seja na igreja progressista, eu venho deles.”

Quem está mais à esquerda: Lula ou Dilma?
“A Dilma é muito mais à esquerda que eu. Ela tem uma formação ideológica mais consolidada. Eu sou um liberal… Veja, eu, na verdade, o que eu acho, eu sou um cidadão muito pragmático e muito realista entre aquilo que eu sonho e aquilo que é a política real.

Se um partido ganhasse as eleições sozinho, elegesse todo mundo, ia ser uma desgraça. Ia ter corrupção pra caramba. O ideal é ter as maiorias, mas não tendo forças, não tendo aliados de esquerda, você faz uma composição. E você faz com quem quer te apoiar. O PT negou muitos apoios. Quando fui presidente da República, eu tinha consciência de que eu era um estranho no ninho. Aquilo não foi feito para um operário chegar lá. O Congresso não tinha nem banheiro feminino.
Eu hoje acho que sou mais à esquerda do que eu era. Eu tenho lido mais, eu tenho visto que mesmo fazendo o que nós fizemos por este país, ganhando o dinheiro que ganharam em nosso governo, eles ainda não nos aceitam. Há um preconceito, que não sei se é de classe, mas é visível. E eu tento tratar isso democraticamente.
Os de cima não aceitam sequer um novo rico; se não for do meio deles, tá fora. Então te confesso que eu tenho uma coisa na minha vida que é minha coerência política. Um discurso de 1989 e um de 2009, tem coerência. O Lula nunca mudou de lado. Eu sei de onde eu vim. Fui presidente da República e voltei para o mesmo lugarzinho.”

Lei Antiterrorismo
“Eu sou contra a lei antiterrorismo. É uma loucura a gente fazer uma lei por conta dos black blocs. Este país não tem tradição de terrorismo. Nós fizemos os jogos Pan Americanos e não aconteceu absolutamente nada. Vamos fazer as olimpíadas e com o sistema de segurança que está sendo feito, não vai acontecer nada. Vamos envolver o povo brasileiro, com a quantidade de pessoas por aí que querem ser voluntárias. Não vamos trazer para cá um problema da França, americano ou do Oriente Médio. Somos outra nação.”


*Via http://www.institutolula.org/

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