01 março 2016

Um passo atrás, OAB




'Para além do festival de vaidades e da escassez de intelectualidade, a posse da nova diretoria da OAB marca o avanço conservador de nossa sociedade'


'Por Rodrigo Lentz*, na Carta Maior

A cerimônia de posse da nova diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, foi mais do que uma experiência antropológica jurídica. Para além da ritualística institucional, do festival de vaidades, da escassez de intelectualidade, da elitização típica de uma profissão imperial, foi um ato político preocupante que marca o avanço conservador verificado em nossa sociedade num dos órgãos de classe mais importantes da sociedade civil com grande influência no Estado brasileiro. 

O discurso do novo presidente, Cláudio Lamachia, foi marcado por um desfile de incoerências, intolerância política e movimentos esquizofrênicos. A começar pelas sete citações a Deus como fundamento político do comandante de classe que mais parecia um testemunho de um militante católico. Além disso, a linha argumentativa se utilizava de um verniz contundente de “revolta republicana” para estampar retrocessos democráticos. 

Primeiro, o novo presidente classificou como “vergonha nacional” o fundo partidário de campanhas eleitorais. Detalhe: o Conselho Federal foi um dos principais defensores do financiamento público de campanha (via fundo partidário!) e da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar inconstitucional o financiamento privado de empresas para campanhas eleitorais (principal mecanismo de corrupção). 

Num dos poucos lampejos de sobriedade política, Lamachia criticou a decisão do STF em revogar a cláusula pétrea de presunção de inocência até o trânsito em julgado para, logo em seguida, classificar como “descalabro” o fato de um Senador da República exercer mandato no cumprimento de prisão sem sentença e sem trânsito em julgado. Bradou contra a corrupção, citando Raimundo Faoro, ex-presidente da entidade, e destilou elogios à Senadora Ana Amélia Lemos do Partido Progressista (PP) – partido apontado como principal corruptor da República, ainda que sem trânsito em julgado. 

Seguiu Lamachia com seu discurso espumante ao bradar que o país vive “uma crise sem precedentes na história”, é uma “nau à deriva” e que Estado brasileiro mais parece “um parasita que suga todas as energias de seu hospedeiro”. Criticou a carga tributária, sem qualquer retorno ao cidadão e a criação da CPMF sem falar no sigilo da dívida pública com os bancos – um dos seus importantes clientes na advocacia - que consome mais de 40% desses tributos. Chegou ao ponto de citar Adam Smith, teórico do capitalismo que defende o Estado mínimo – basicamente aquele que sustenta polícia e nada mais – argumentando que “a riqueza de uma sociedade se mede pela fortuna de seus cidadãos e não pela luxúria de sua realeza”. 

Antes da posse, havia afirmado que as drogas eram problema de saúde pública, e não de polícia. Mas era contra a descriminalização. Quer dizer, a questão de saúde deve ser criminalizada (!). Um desastre lógico do presidente. 

Curiosamente, escapou uma frase em defesa das “reformas de base”, numa referência, quiçá involuntária, ao projeto reformista de João Goulart de reformas agrária, urbana, tributária e política. Propostas que receberam como contra-ataque 25 anos de autoritarismo.

Ao final de seu discurso, uma cena lamentável e, esta sim, vergonhosa aos gaúchos, foi protagonizada pela claque que acompanhava o ex-presidente da OAB-RS: o trecho do hino oficial do estado foi entoado para dizer que “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Querendo dizer: agora são os gaúchos que darão o exemplo para o resto do país. Uma deselegância de torcer as tripas de qualquer gaúcho(a) republicano(a). Seguindo o tom deselegante, ao querer agradar o (des)governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, sustentou que o pacto federativo falido – e aí tinha razão – fazia percorrer nas entre salas do palácio presidencial verdadeiros pedintes, também conhecidos como governadores e prefeitos. Constrangeu até seus apoiadores no local.   

Em miúdos, a representação máxima dos(as) advogados(as) no país trilha caminhos que refletem a escalada visível do conservadorismo crescente em nossa sociedade. Serão três anos de presidência que sinalizam um passo atrás para os direitos humanos e um embaraço para a democracia brasileira. Mas que certamente renderão frutos eleitorais para o futuro candidato da direita do país.

*Advogado e doutorando em ciência política da UNB 


Créditos da foto: Eugenio Novaes

**Fonte: cartamaior.com.br

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