O clima reinante hoje no Brasil é deveras preocupante – pelo menos, para quem tem apreço pela Democracia e pelo Estado Democrático de Direito. A intolerância, o ódio e a violência fascista, racista e misógina – explícitos na mídia, nas redes sociais, nos restaurantes e nas ruas –, traduzem muito bem o ponto que chegamos e os riscos que corre nossa – ainda – jovem e frágil Democracia, duramente reconquistada após 21 anos de arbítrio.
Esse processo tresloucado, originado pelo infinito “3º turno” eleitoral instigado por uma oposição raivosa - e seu braço midiático - que não aceitou a derrota nas urnas, atingiu seu “clímax” com o revanchista pedido de impeachment contra a Presidenta, irresponsavelmente aceito por Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados (que não é, diga-se de passagem, nenhuma referência de ética, de discrição, de honestidade e de sobriedade... muito pelo contrário). Importante esclarecer que o pedido refere-se às chamadas “pedaladas fiscais” realizadas pelo Governo Federal onde, em tese (questionadíssima), este teria cometido “crimes de responsabilidade” (previstos no Art. 85 da CF/88). Prática, aliás, realizada por governos anteriores (especialmente por FHC) e pela absoluta maioria dos governadores, mas somente “criminalizada” agora, com a oportuna “ajuda” do “insuspeito” TCU...
É, como claro está, mero artifício dos não conformados com o segundo revés eleitoral consecutivo para a Presidenta Dilma Rousseff (sendo quatro para o PT, se inclusos os dois mandatos exercidos pelo ex-Presidente Lula).
Conforme explica o professor Igor Fuser[1] “o pretexto usado pelos políticos da oposição para tentar afastá-la do governo, a chamada “pedalada fiscal”, é um procedimento de gestão do orçamento público de rotina em todos os níveis de governo, federal, estadual e municipal, e foi adotado nos mandatos de Fernando Henrique e de Lula sem qualquer problema. Ela, simplesmente, colocou dinheiro da Caixa Econômica Federal em programas sociais, para conseguir fechar as contas e, no ano seguinte, devolveu esse dinheiro à Caixa. Não obteve nenhum benefício pessoal e nem os seus piores inimigos conseguem acusá-la de qualquer ato de corrupção.”
Segundo o jurista Pedro Estevam Serrano, professor de Direito da PUC/SP, ainda que se considere que a presidenta Dilma tenha praticado as pedaladas fiscais, não há gravidade suficiente para qualificar crime de responsabilidade. “A Constituição diz que tem de haver um atentado à Constituição para ter crime de responsabilidade”. Para o conceituado jurista, os ministros do STF dizem que o instituto do impeachment é legal porque está assegurado pela Constituição, mas o mesmo está previsto para ser aplicado em casos de responsabilidade. “Esse pedido de impeachment que está aí {na Câmara dos Deputados} é inconstitucional”[2].
No mesmo sentido, o jurista Dalmo de Abreu Dallari se manifesta: “Não existindo fundamento jurídico-constitucional o impeachment seria efetivamente um golpe contra o sistema político-jurídico democrático consagrado na Constituição feita pelo povo em 1988. Assim, pois, dizendo que o impeachment não seria um golpe simplesmente porque está previsto na Constituição os que assim procedem cometem também uma “mancada”, pois ignoram ou esquecem as exigências constitucionais para sua aplicação legítima e democrática”.[3]
Da mesma forma, a ampla maioria dos Juristas sérios deste país têm demonstrado que inexiste fundamento jurídico para a derrubada da Presidenta da República, democraticamente eleita com mais de 54 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais. Diz o Manifesto, do qual também sou signatário: “Pela construção de um Estado Democrático de Direito cada vez mais efetivo, sem rupturas autoritárias, independentemente de posições ideológicas, preferências partidárias, apoio ou não às políticas do governo federal, nós, juristas, advogados, professores universitários, bacharéis e estudantes de Direito, abaixo-assinados, declaramos apoio à continuidade do governo da presidenta Dilma Rousseff, até o final de seu mandato em 2018, por não haver qualquer fundamento jurídico para um Impeachment ou Cassação, e conclamamos todos os defensores e defensoras da República e da Democracia a fazerem o mesmo.”[4]
O “combate à corrupção”, o falso moralismo hipócrita vociferado especialmente nas tribunas e na mídia através dos “discursos” de oposicionistas nada vestais – a exemplo do que fizeram os golpistas udenistas em 1964 -, é mero pretexto para o golpe. Afinal, nenhum governo combateu tanto os “malfeitos” como foi realizado nos últimos treze anos de governos petistas. Mas isso, para os golpistas de plantão, não interessa... A diferença (alentadora) é que agora o comando das Forças Armadas não embarcou na aventura e reiterou várias vezes seu compromisso constitucional legalista.
Ardilosamente trabalhada para influenciar a opinião pública contra a Presidenta Dilma, a chamada “Operação Lava-Jato” (ou “Vaza-Jato”[5], que nada tem a ver e não fundamenta, ressalte-se, o atual pedido de impedimento da Presidenta Dilma), escancara a seletividade das “investigações”, atuando somente contra um lado – no caso, contra o Partido dos Trabalhadores, seus aliados e o Governo Federal - e ignorando, sobretudo, os fortíssimos indícios de crimes praticados pela oposição, especialmente por políticos do PSDB e seus satélites. A truculência e os abusos (condução coercitiva, dentre outros) recentemente realizados pelo juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula e sua família, é uma amostra cabal disso. Da mesma forma, a vergonhosa e criminosa “tabelinha” (também chamada “consórcio Mídia/Lava-Jato”) realizada por esse juiz com a Rede Globo, através dos vazamentos seletivos e ilegais de ‘grampos’ realizados por aquele e reproduzidos semanalmente nos programas televisivos, rádios e jornais desse grupo, denunciam ao ponto que chegamos.[6]
Claro está que, como vimos acima, o golpe de direita em curso (travestido de “impeachment”) não é apenas “do Judiciário”: o golpe passa também pelo atual Congresso "gangsterizado” (tanto Câmara presidida pelo deputado Cunha quanto o Senado, por Renan Calheiros, ambos do PMDB), por setores do Ministério Público, da Polícia Federal. Um dos seus notórios arautos é o senador Aécio Neves - derrotado por Dilma Roussef nas urnas, citado ‘n’ vezes nas, no mínimo, controversas “delações premiadas”, e que revelou-se um péssimo perdedor -; passa, ainda, pelo PSDB e seus partidos coadjuvantes (DEM, PPS, SDD...), assim como pelo (pasmem!) vice-presidente da República, Michel Temer, que recentemente ‘saiu do armário’ e também vestiu a farda golpista, assim como por amplos setores do seu partido (PMDB) e, por óbvio, pela fortíssima participação da mídia monopolizada, com a Globo, Veja, Folha e Estadão à frente.[7]
Há que destacar, ainda – negativamente – o triste e equivocado papel exercido pela atual diretoria da OAB que, de forma açodada, à exemplo do que fez em 1964, novamente alinha-se aos golpistas, postura essa que não representa a posição da absoluta maioria dos advogados brasileiros.[8]
As elites reacionárias e antidemocráticas, derrotadas em quatro sucessivas eleições presidenciais decidiram, sem nenhum pudor, partir para o “golpe branco” (ou Paraguaio, Hondurenho, como queiram ...). Aliás, como já fizeram – e continuam fazendo outros países (em particular América Latina); afrontam, sem nenhum pejo, as regras democráticas mais elementares. Teimam, mais uma vez, em desconhecer o resultado das urnas. Arquitetam, nos bastidores obscuros, a tomada do poder ‘na marra’. Só que não contavam com a reação cada vez mais crescente dos setores democráticos da sociedade, do Partido dos Trabalhadores, do PC do B e aliados, da CUT, da CTB, MST, da UBES, MTST, UNE e de inúmeras organizações populares, da juventude, sindicais e sociais - articulados através da Frente Brasil Popular - que não abdicaram de defender a Constituição, prestes mais uma vez a ser violada, à lutar pela Democracia e pela manutenção do Estado Democrático de Direito em nosso país e estão indo, aos milhares, às ruas, como vimos nos últimos dias, deixando claro que a aventura golpista tem - e terá, se consumada - enormes resistências.
Como bem coloca o Manifesto ao Povo Brasileiro lançado pela Frente Brasil Popular (FBP), é mais do que necessário, especialmente neste momento, “ampliar a democracia e a participação popular nas decisões sobre o presente e o futuro de nosso país. É fundamental denunciar – e lutar -, em todas as esferas, contra o golpismo — parlamentar, judiciário ou midiático — que ameaça a vontade expressa pelo povo nas urnas, as liberdades democráticas e o caráter laico do Estado”, assim como “por uma reforma política soberana e popular, que fortaleça a participação direta do povo nas decisões políticas do País, garanta a devida representação dos trabalhadores, negros e mulheres, impeça o sequestro da democracia pelo dinheiro e proíba o financiamento empresarial das campanhas eleitorais”.[9]
É necessário e urgente, portanto, denunciar ao Mundo que, neste momento, no Brasil, é a Democracia, a República e o Estado Democrático de Direito que estão sendo ameaçados. E mostrar que a cidadania organizada, como vimos nas grandes manifestações realizada dias 18 e 31/03, respaldada no Direito e na Verdade, com o apoio da opinião pública internacional, resiste e resistirá bravamente.
Em defesa da Democracia, dos Direitos dos Trabalhadores e da Soberania Nacional o golpe – travestido de impeachment - não passará!
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Júlio César Schmitt Garcia é Advogado e Especialista em Direito do Estado (UniRitter/RS). Midioativista, é Editor do “Blog do Júlio Garcia”.
*Artigo escrito originalmente para a revista "Em Evidência"
http://www.revistaemevidencia.com.br/
*Artigo escrito originalmente para a revista "Em Evidência"
http://www.revistaemevidencia.com.br/
Referências
Parabéns pela correta e minuciosa análise, Xará. Sou de Canguçu e atualmente moro em Curitiba. Canguçu foi vítima de intervenção em 1965, porque o candidato a prefeito derrotado nas urnas tinha contatos no regime militar. Curitiba, embora uma bela cidade, é povoada por uma população despolitizada e que se pauta pelas informações da grande imprensa.
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