26 janeiro 2017

A nova etapa da Lava Jato e a dificuldade da esquerda para lutar contra os arbítrios jurídicos



A quinta-feira amanhece quente em todo Brasil, como esperado.
A imprensa amanhece cheia de novos arbítrios, como esperado.
A rotina do golpe não apresenta mais surpresas, a não ser que haverá nova surpresa, novo arbítrio e novo golpe, todos os dias.
A Lava Jato iniciou uma nova fase, a Operação Eficiência, cheia de prisões preventivas (incluindo aí de Eike Batista) e conduções coercitivas desnecessárias.
A esquerda sumiu do mapa. Mas como ela pode lutar contra o arbítrio jurídico?
Ela – a esquerda – aprendeu a lutar a batalha política. Venceu muitas eleições. Quando a direita descobriu, todavia, que a fórmula do sucesso é manter a luta na esfera jurídica, a esquerda ficou completamente desorientada. Até porque é muito fácil manipular a esquerda. Prenda-se um rico aqui, mande-se investigar um adversário político, e pronto: a esquerda, acostumada à luta partidária, onde o adversário é o mau, é aquele que deve ser destruído, como irá agir?
Num de seus maiores clássicos, o 18 de Brumário, Marx tentou explicar isso à esquerda, mas é complicado mesmo: como o grande capital é capaz de se voltar contra a sua própria classe, contra a própria burguesia e contra seus próprios representantes políticos e empresários, como fez Luis Napoleão, para angariar apoio popular, ganhar eleições e, em seguida, consolidar o domínio do… grande capital.
É assim a Lava Jato: ela destrói as grandes empresas nacionais de construção civil, destrói seus negócios no Brasil e no exterior e o passo seguinte é a Petrobrás contratar apenas… empresas estrangeiras, mesmo que estas estejam envolvidas em grandes esquemas internacionais de corrupção. O grande capital terá conseguido, enfim, dominar o mercado brasileiro de construção civil, às custas de milhões de desempregados, redução dos investimentos em infra-estrutura, devastação política, aniquilamento ou controle das instituições políticas e financeiras que ainda eram governadas pelo princípio da soberania popular, como o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa e o próprio governo federal.
O grande capital terá ampliado, assim, o seu domínio sobre uma das maiores economias do mundo.
Como o próprio procurador-geral da república definiu brilhantemente, durante sua participação em Davos, onde foi mostrar quem manda no Brasil: a Lava Jato é pró-mercado…
Na luta jurídica, o objetivo não é destruir o adversário e sim fazer prevalecer alguns princípios.
Por exemplo, alegar presunção de inocência em favor de um adversário é o que se pode esperar de mais oposto à lógica da luta partidária.
Aécio, Cunha, Sergio Cabral, Eike Batista? Presunção da inocência para eles? Não me faça rir, diz o lutador partidário.
A diferença mais profunda, porém, entre as lutas política e jurídica, é que a jurídica, ao contrário da luta política, é ferozmente contramajoritária, porque entende que os preconceitos mais arraigados, mais violentos, estão justamente na consciência popular.
A esquerda, por sua vez, aprendeu a ganhar os votos do pobre porque defende políticas públicas boas para ele, mas não tem instrumentos, não na política, para mudar preconceitos jurídicos atávicos, como aqueles relativos, por exemplo, à cultura do linchamento, pela qual o adversário deve “pagar” pelo que fez. Isso vale tanto para o adversário partidário como para o de classe.
Em seu livro As Origens do Totalitarismo, Hannah Arendt analisa, melancolicamente, as dificuldades e a indiferença dos partidos políticos de esquerda, da França do final do século XIX, com os arbítrios evidentes que se levantaram, numa maquinação jurídica do Estado muito semelhante ao que vemos na Lava Jato (assim como foi parecido com a Ação Penal 470), contra Alfred Dreyfus. Dreyfus era um militar judeu muito rico, arrogante, que sempre gostou de ostentar suas riquezas. Como a esquerda francesa, mergulhada até o pescoço na luta de classes, poderia defendê-lo? Arendt, porém, é implacável em sua condenação à essa postura da esquerda, porque, na época em que escreveu seu livro, já sabia muito bem quais seriam as consequências, para toda a humanidade.
Arendt detecta, em seu estudo, que as lideranças de esquerda eram simpáticas à causa, quer dizer, queriam defender Dreyfus, mas, assim como hoje a esquerda em relação à Lava Jato (a esquerda hoje quer criticar, sabe que tem algo de errado, mas não sabe como agir), não sabiam como aquilo poderia lhes gerar algum benefício político. Quando Clemenceau, famosa liderança da esquerda francesa, resolve comprar, embora tardiamente, a luta em defesa de Dreyfus, perde as eleições seguintes. No entanto, essa mesma liderança, Clemenceau, alguns anos depois, quando a onda na opinião pública virou, se tornou o mais poderoso político francês do primeiro quarto do século XX, ocupando o cargo de primeiro-ministro duas vezes entre 1906 e 1920. A coragem de Clemenceau, embora aparentemente não lhe tenha gerado lucro político num primeiro momento, granjeou-lhe um sólido prestígio, que durou toda a sua vida.
Se o PT tivesse assumido uma postura mais corajosa e assertiva desde o início das conspirações midiático-judiciais, lá em 2005, talvez estivesse hoje, mais de dez anos depois, numa situação muito mais confortável. (...)
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