14 fevereiro 2017

ROMANCE SONÂMBULO



            
À Gloria Giner e a Fernando de los Ríos 

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco livre no mar
e o cavalo na montanha.

Com sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
os olhos de fria prata.

Verde que te quero verde.
À luz da lua gitana
as coisas a estão mirando
e ela não pode mirá-las. 
               
Verde que te quero verde.
Estrelas de orvalho, claras,
seguem o peixe de sombra
que abre a rota da alvorada.

A figueira arranha o vento
com sua lixa de ramas
e o monte, gato gatuno,
eriça as piteiras ásperas.

Mas, quem virá? E por onde?
Ela segue na varanda,
verde carne, tranças verdes,
sonhando no amargo mar. 
               
— Compadre, quero trocar
meu potro por sua casa,
meus arreios, pelo espelho,
a faca por sua manta.

Compadre, venho sangrando
desde os penhascos de Cabra.
— Ai, se eu pudesse, rapaz,
este trato se fechava,
mas, eu já não sou eu mesmo
nem mais é minha esta casa.

— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama
de ferro, se puder ser,
sobre lençóis de cambraia.

Não vês que a minha ferida
sobe do peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
tens sobre a camisa branca.

Teu sangue ressuma e cheira
ao redor da tua faixa,
mas eu já não sou eu mesmo,
nem mais é minha esta casa.

— Deixai-me subir ao menos
até às varandas altas.

Deixai-me subir, deixai-me
até às verdes varandas,
altas varandas da lua
por onde retumba a água. 
            
Já sobem os dois compadres
para as varandas mais altas,
deixando um rastro de sangue,
deixando um rastro de lágrimas.

Tremeluziam nas telhas
gotas de luz cor de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.  
               * 
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
Os dois compadres subiram.

O longo vento deixava
um raro gosto na boca
de fel, de menta e alfavaca.

— Compadre, dize onde está,
onde, tua filha amarga?

— Quantas vezes te esperou!
quantas vezes te esperara,
cara fresca, negras tranças,
aqui na verde varanda!  
               * 
Sobre a face da cisterna
a gitana se embalava,
verde carne, tranças verdes,
os olhos de fria prata.

Um fino feixe de lua
a sustém boiando na água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Bêbados guardas civis
chamam na porta a pancadas.

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco livre no mar.
E o cavalo na montanha.

          Federico Garcia Lorca

(Tradução: José Carlos Lisboa)

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