05 março 2017

GERMINAL (Resenha)



"Na estrada de terra que liga a pequena cidade de Marchiennes à de Montsou, no Norte da França, um homem caminha, só, durante a noite sem estrelas”.

O homem tinha saído às duas horas de Marchiennes e caminhava com passos largos, tremendo sob o vento glacial. Uma única idéia ocupava o pensamento desse operário desempregado: a esperança de que o frio diminuísse com o raiar do dia”.

Assim inicia ‘Germinal’, magistral obra do escritor francês Émile Zola, sem dúvida um dos grandes romances do século XIX, expoente maior da escola que ficou conhecida como ‘naturalismo literário’.

Émile Zola baseou-se para escrevê-la em acontecimentos verídicos ocorridos nas minas de carvão do Norte da França, em 1867, período da Revolução Industrial. Trabalhou como mineiro e como repórter, vivenciando e testemunhando a duríssima realidade social e a brutalidade do cotidiano nas minas, onde a insegurança, as péssimas condições de vida e de trabalho, aliadas a salários escorchantes, a exploração desumana de uma carga horária de até 16 horas diárias que não poupava sequer velhos, mulheres e crianças, somadas à fome, miséria e promiscuidade eram a tônica.

Segundo explica Silvana Salerno, tradutora da obra editada pela Cia Das Letras/2000 e também responsável pela sua adaptação “Germinal é o nome do primeiro mês da primavera no calendário da Revolução Francesa. Ao usar essa palavra como título de seu livro, Zola associa as sementes das novas plantas à possibilidade de transformação social: por mais que se arranquem os brotos das mudanças, eles sempre voltarão a germinar”. Informa ainda que “Germinal é o primeiro romance a enfocar a luta de classes no momento de sua eclosão. A história se passa na segunda metade do século XIX, mas os sofrimentos que Zola descreve continuam presentes em nosso tempo. É uma obra em tons escuros. Termina ensolarada, com a esperança de uma nova ordem social para o mundo”.

Silvana Salerno está coberta de razão. A leitura de Germinal é, sem nenhum exagero - e por todas as razões já elencadas - imprescindível. Está também disponível em vídeo, através de uma produção francesa de 1993, muito bem dirigida por Claude Berri, trazendo no elenco nada mais nada menos do que Gerárd Depárdieu, Miou-Miou, Jean Carmet e Jean-Roger Milo, dentre outros excelentes atores.

Para concluir, vejam só a profunda esperança no porvir, a certeza da vitória final dos trabalhadores, recheada da mais pura poesia, inseridas nesse fecho extraordinário que Émile Zola dá para sua obra magistral, agora buscando a tradução de Francisco Bittencour (Abril Cultural, SP - 1981):


“Agora, em pleno céu, o sol de abril brilhava em toda sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam. Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra”. 

*Por Júlio Garcia - Porto Alegre - Maio/2007.

Postado originalmente no Blog 'Arquipélago'

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