01 janeiro 2018

Tia Eulália é a personagem do ano

Reprodução/Viomundo/Web

Por Moisés Mendes*

Todos nós temos uma tia Eulália. Querida, solidária, estativa, afetiva, mas de repente golpista. Não uma golpista qualquer, mas uma golpista convicta, capaz de dividir uma família que ela sempre quis ver unida. Eu tenho uma tia Eulália, quem e lê deve ter uma também.
Tia Eulália é a minha personagem do ano. Professora, bem informada, leu bastante, há dois anos foi a Portugal conhecer suas raízes e, na primeira eleição de Olívio para a prefeitura de Porto Alegre, em 1988, chegou a andar pelas ruas com uma bandeirinha do PT.
Minha tia Eulália é do tempo em que se falava em distribuição de renda. Engajou-se a causas sociais, participou de mutirões em bairros para alfabetizar adultos, aplaudiu palestras de Frei Beto, elegeu Lula duas vezes e Dilma uma (na campanha da reeleição, saltou fora). Tia Eulália adorava Betinho, o patrono das campanhas e dos projetos contra a fome.
Pois um dia tia Eulália começou a se incomodar com as denúncias de corrupção, a falar mal do PT e das esquerdas, a reclamar de Lula e de Dilma. Até participar da grande marcha de 16 de março de 2015, que teria reunido 500 mil pessoas em São Paulo e 100 mil em Porto Alegre. Ela caminhou ao lado daquele pessoal que mais olhava para os pés do que para a frente.
Se um estrangeiro me pedisse para conhecer uma pessoa que represente a classe média brasileira desiludida, eu o levaria até tia Eulália. Aposentada, viúva, casa própria, com três imóveis, quatro filhos encaminhados. Tia Eulália foi da turma que aos 30 ou 40 anos brigou com afinco pela volta da democracia e pela redução das desigualdades.
Pois tia Eulália virou uma moralista de direita. Parte da família esperava que, passado o impacto do golpe de agosto de 2016, ela voltasse ao normal. Não aconteceu.
Chegamos ao fim de 2017 e ela mantém suas posições. Mesmo que pareça mais silenciosa e perturbada com a situação geral. Diz que não sairá de casa para votar, se sair irá votar em branco e que não quer saber de mais nada da política.
Mas a família sabe que tia Eulália quer voltar para a política do lado certo. Ela e a classe média constrangida quer, sim, voltar a interferir na vida do país. Mas essa gente está abalada. Cometeram uma gafe terrível e não descobriram ainda um jeito de se redimir.
A classe média arrependida por ter participado do golpe não sabe o que fazer para dizer: eu errei, mas quero admitir esse erro sem levar bordoadas.
A primeira resolução dos democratas no Ano Novo deveria ser esta: trazer de volta para a democracia as tias Eulálias que os golpistas conseguiram recrutar num momento de fragilização da classe média.
Não há política sem a classe média. Ela é instável, imprevisível, interesseira, mas é quem faz a mediação das tensões na democracia. Foi a classe média que deu lastro para o PT e para o que seria depois o lulismo sustentado pelos pobres.
Foi a classe média que conduziu utopias, que ergueu bandeiras, que segurou a barra das esquerdas. Sem essa classe média, o golpismo será tomado pelo fascismo e o fascismo crescerá no Brasil como não cresceu nem no tempo da ditadura.
O povo saberá, em pouco tempo, o que se passa no Brasil, não só porque o botijão do gás chegará a R$ 100. Mas a classe média já se deu conta de que errou ao apoiar o golpe.
A classe média moderada atraída pela direita e também a classe média de esquerda, encabulada, emburrada com a democracia e esfolada pelo golpe e pelas ações do Judiciário, precisam voltar a interferir na política.
Se tiver coragem, se sentir que o clima é favorável, vou convidar tia Eulália para um café na Confeitaria Matheus, ali na Borges. Vou pedir um doce bem-casado para ela, falar de futebol (ela é Tri da América) e vou, aos poucos, comentar sobre o julgamento do processo de Lula pelo Tribunal Regional Federal. Quero saber se ainda posso resgatar tia Eulália.
Se perceber que estou indo bem, vou convidá-la, sem rodeios, para ir à manifestação do dia 24 diante do Tribunal. Só para olhar. Tia Eulália é orgulhosa, é birrenta, mas está ansiosa para ser resgatada. Se tia Eulália entender que esse é o caminho para ser feliz de novo, sairemos abraçados da confeitaria.
*Jornalista e Midioativista - Via Extra Classe

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