31 julho 2018

Roda Viva expõe o perigo de um país de milhões de Bolsonaros

 

Por Ricardo Kotsho*

Foram tantas as boçalidades proferidas por este ex-militar bronco e inculto no programa Roda Viva de segunda-feira que fica até difícil escolher uma só para abrir esta matéria sobre a entrevista de Jair Bolsonaro, o candidato das trevas.

Minha filha Mariana, também jornalista, me mandou essa:

“Se você, por exemplo, aumentar o número de empregos no Brasil a tendência de alguém procurar um hospital diminui…”.

Como assim? Quem trabalha não fica doente, pergunta a Mariana, que conclui:

“Pior do que os absurdos dele é ter quem acredite e concorde”.

É verdade. O maior problema político do Brasil hoje não é ter um tipo como Bolsonaro favorito nas pesquisas presidenciais sem o nome de Lula.

O grande perigo de um brutal retrocesso está nos milhões de Bolsonaros que o apoiam e declaram voto nele porque pensam como ele, este projeto de nazista tupiniquim.

Por isso, o grande mérito dos jornalistas entrevistadores do último Roda Viva da série com os presidenciáveis foi expor a exótica figura durante uma hora e meia em rede nacional de televisão para que ninguém depois diga que foi enganado.

Além das barbaridades que falou sobre direitos humanos, as agressões contra pessoas da maior dignidade, como o ex-ministro da Justiça José Gregori, a ofensa à família de Vladimir Herzog ao colocar em dúvida seu assassinato no DOI-CODI, o que mais me chamou a atenção na entrevista foi a total incapacidade dele de juntar duas frases com sentido e não conseguir responder nem às perguntas mais simples, sem nenhum compromisso com a lógica ou com o país.

Debochado e leviano, Bolsonaro seria reprovado em qualquer exame psicotécnico de admissão num emprego.

Para ninguém pensar que estou exagerando (vale a pena ver a integra do programa no site da TV Cultura), vou reproduzir só um trecho do diálogo de surdos entre o candidato e a repórter Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor:

MCF: Qual a sua proposta para que a mortalidade infantil deixe de subir?

JB: Quando se fala em mortalidade infantil, isso tem a ver com os prematuros. É muito mais fácil um prematuro morrer do que um bebê que cumpriu uma gestação normalmente. Medidas preventivas de saúde…

MCF: Isso não tem muito mais a ver com saneamento básico?

JB: Tem um mar de problemas (…) Muita gestante não dá bola para a sua saúde bucal ou não faz os exames do seu sistema urinário com frequência.(…) Agora, eu vou dar a missão. Quem for para o ministério da Saúde, tem que realmente cuidar da saúde e não da doença, prioritariamente.

MCF: E como o senhor vai fazer isso reduzindo os gastos?

JB: O que acontece… Não só a Inglaterra… Você, você, você vai conjugar também com desburocratização, desregulamentação… Que é o inferno da vida de quem quer empreender no Brasil. Quem quer ser patrão no Brasil em sã cosnciência?

MCF: Eu tô falando de saúde, deputado.

JB Você falou de economia… Como vai reduzir impostos e vai entender economia (???) Se você, por exemplo, aumentar o número de empregos no Brasil, a tendência de alguém procurar hospital vai diminuir.

Dá para acreditar no que ele respondeu quando a pergunta foi sobre saúde pública?

Foi assim o programa inteiro: ele não entendia as perguntas e respondia qualquer coisa sem se importar com a veracidade dos fatos e números citados, chutando para todo lado.

Pode ser o tema que for, ele usa os mesmos jargões que repete nos discursos gritados em cima de carros de som nos aeroportos por onde passa.

O que mais me assusta é encontrar cada vez mais gente que fala e pensa como ele, numa mistura explosiva de desinformação e má fé, mesmo pessoas com curso superior e bom padrão de vida.

Nesta campanha eleitoral, pior do que tudo, estamos criando uma legião de Bolsonaros que vieram para ficar, cheios de certezas, verdadeiras hordas de seguidores fanáticos que se caracterizam pela violência e ignorância.

Foi a eles que o candidato se dirigiu no Roda Viva, sem dar a menor satisfação aos jornalistas e ao público em casa, o resto do eleitorado que não professa a sua fé num trabuco para resolver todos os problemas nacionais.

É impossível resumir num post todas as sandices, estultices, mentiras e canalhices que ele foi capaz de proferir, às vezes rindo dele mesmo, como se estivesse falando com um bando de retardados.

Bolsonaro tornou-se a melhor expressão do que sobrou da Operação Lava Jato deflagrada para acabar com o antigo “sistema político corrupto e viciado” para pregar a renovação nas eleições de 2018.

O personagem para encarnar o novo que encontraram é esse deputado profissional de sete mandatos, que se apresenta como o Trump nativo contra “tudo isso que está aí”.

Lançado por um partido nanico, sem alianças nem tempo de TV, sem qualquer programa de governo, candidato do “eu sozinho contra o mundo”, aquele que manda perguntar no Posto Ipiranga (seu assessor Paulo Guedes, um ultraliberal guru do ex-capitão nacionalista e estatista) quando não sabe as respostas.

Estamos bem de candidato favorito, o homem que tem entre 17 e 19% nas pesquisas de intenção de voto a 70 dias da eleição.

O que já está péssimo, sempre pode piorar. Preparem-se.

E vida que segue.

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