05 outubro 2018

As matilhas já rosnam




Infelizmente, não estava errado.

A psicóloga Silvia Bellintani narra os episódio acontecidos com dois de seus pacientes.

Não há o que eu possa dizer para sublinhar esta monstruosidade, a não ser que ela está à beira de deixar de ser ameaça e se tornar fato.

Depende de cada um de nós exorcizar os demônios que nos rondam.

Ou soltar de vez as matilhas pelas ruas. (Fernando Brito)

Não sejam cúmplices

Silvia Bellintani, no Facdebook**

Eu poderia dizer que estou sem palavras pra descrever o que testemunhei no meu consultório. Mas tive o dever de encontrá-las pra não deixar que algo assim, gravíssimo, ficasse sem registro.

Foram duas situações, ambas na tarde de quarta-feira (3/10). Dois pacientes meus: um menino e uma menina. Ele, gay, 19 anos. Ela, hetero, feminista, 17.

Começo por ele, que entra sem dizer uma palavra e logo começa a chorar. Pergunto o que aconteceu e ele me diz, assustado, que foi abordado por um cara da faculdade com as seguintes palavras:

— E aí, seu viadinho de merda, já viu as pesquisas? Vai aproveitando até o dia 28 pra andar de mãozinha dada, porque quando o mito assumir, acabou essa putaria e você vai levar porrada até virar homem.
E depois a menina, que já entra chorando e me diz:

— Sil, me ajuda… não sei o que fazer… você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje… Eu tava na escola e fui pegar um livro no meu armário… Tinha uma folha de papel (e aí ela me mostra uma foto no celular, porque entregou a tal folha na diretoria) com esta mensagem aqui: “achou mesmo que era só sair gritando #elenão pra parar o bolsomito, feminazi??? perdeu, escrota!! e daqui a pouco você vai ter motivo pra gritar de verdade!!!”.
Perceber o pavor desses dois adolescentes me virou do avesso e despertou uma indignação difícil de descrever; escutei os relatos com a visão nublada pela fúria que senti, seguida por um desejo quase incontrolável de proteger os dois.

O cenário das eleições sequer foi definido, mas já encoraja o sadismo e promete ser palco do terror.

Fico imaginando o que vem pela frente.

A homofobia e a misoginia presentes nas ameaças sofridas por esses dois adolescentes são apenas duas amostras dentre tantas outras atrocidades que Bolsonaro, esse criminoso nazifascista, incentiva e legitima.

E, se você vota nele, é corresponsável: não apenas por essas, mas por todas as outras ameaças que ainda estão por vir.

Não há justificativa para um voto no Bolsonaro.

A menos que você seja fascista como ele — e aí OK, seu voto é compreensível, uma vez que você já é digno de abandono como projeto humano.

Agora, se esse não é o caso e você for apenas liberal ou conservador, tome vergonha nessa sua cara e escolha outro candidato. Ainda dá tempo de preservar alguma dignidade. Há várias opções interessantes que prometem a defesa do seu patrimônio sem contrapartidas humanas.
Um garoto de 19 e uma garota de 17.

Assustados, angustiados, ameaçados em sua integridade física e emocional.

E você, louvável cidadão de bem, subitamente politizado e que quer ver o Brasil “mudar de verdade”, será cúmplice do fascismo e de suas históricas atrocidades físicas e emocionais.

Hoje foram meus pacientes.

Amanhã poderão ser seus filhos.

Ou os filhos de parentes, os filhos de amigos ou amigos de seus filhos.

E tudo lindamente avalizado por vocês, honrados cidadãos de bem, heroicos defensores da pátria.

(*) Silvia Bellintani é psicanalista, psicóloga clínica e jornalista

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