27 janeiro 2019

SUB TEGMINE FAGI



A MELO MORAIS  

Dieu parle dans le calme plus haut que dans la tempête
MICKIEWIKCZ  

Deus nobis haec otia fecit. 
VIRGÍLIO 

AMIGO! O campo é o ninho do poeta...
Deus fala, quando a turba está quieta,
Às campinas em flor.

— Noivo — Ele espera que os convivas saiam...
E n'alcova onde as lâmpadas desmaiam
Então murmura — amor — 

Vem comigo cismar risonho e grave...
A poesia — é uma luz... e a alma — uma ave...
Querem — trevas e ar.

A andorinha, que é a alma — pede o campo.
A poesia quer sombra — é o pirilampo...
P'ra voar... p'ra brilhar. 

Meu Deus! Quanta beleza nessas trilhas...
Que perfume nas doces maravilhas,
Onde o vento gemeu! ...

Que flores d'ouro pelas veigas belas!
... Foi um anjo co'a mão cheia de estrelas
Que na terra as perdeu. 

Aqui o éter puro se adelgaça...
Não sobe esta blasfêmia de fumaça
Das cidades p'ra o céu.

E a Terra é como o inseto friorento
Dentro da flor azul do firmamento,
Cujo cálix pendeu! ... 

Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Leva a concha dourada... e traz das plagas
Corais em turbilhão,

A mente leva a prece a Deus — por pérolas
E traz, volvendo após das praias cérulas,
— Um brilhante — o perdão! 

A alma fica melhor no descampado...
O pensamento indômito, arrojado
Galopa no sertão,

Qual nos estepes o corcel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Solta a crina ao tufão. 

Vem! Nós iremos na floresta densa,
Onde na arcada gótica e suspensa
Reza o vento feral.

Enorme sombra cai da enorme rama...
É o Pagode fantástico de Brama
Ou velha catedral. 

Irei comigo pelos ermos — lento —
Cismando, ao pôr do sol, num pensamento
Do nosso velho Hugo.

— Mestre do mundo! Sol da eternidade! ...
Para ter por planeta a humanidade,
Deus num cerro o fixou. 

Ao longe, na quebrada da colina,
Enlaça a trepadeira purpurina
O negro mangueiral! ...

Como no Dante a pálida Francesca
Mostra o sorriso rubro e a face fresca
Na estrofe sepulcral. 

O povo das formosas amarílis
Embala-se nas balsas, como as Willis
Que o Norte imaginou.

O antro — fala... o ninho s'estremece...
A dríade entre as folhas aparece...
Pã na flauta soprou! ... 

Mundo estranho e bizarro da quimera,
A fantasia desvairada gera
Um paganismo aqui.

Melhor eu compreendo então Virgílio...
E vendo os Faunos lhe dançar no idílio,
Murmuro crente: — eu vi! — 

Quando penetro na floresta triste,
Qual pela ogiva gótica o antiste,
Que procura o Senhor,

Como bebem as aves peregrinas
Nas ânforas de orvalho das boninas,
Eu bebo crença e amor! ... 

E à tarde, quando o sol — condor sangrento —,
No ocidente se aninha sonolento,
Como a abelha na flor...

E a luz da estrela trêmula se irmana
Co'a fogueira noturna da cabana,
Que acendera o pastor, 

A lua — traz um raio para os mares...
A abelha — traz o mel... um trenó aos lares
Traz a rola a carpir...

Também deixa o poeta a selva escura
E traz alguma estrofe, que fulgura,
P'ra legar ao porvir! ... 

Vem! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da floresta, ou do poema,
Nas trevas ou na luz...

Não vês? ... Do céu a cúpula azulada,
Como uma taça sobre nós voltada,
Lança a poesia a flux! ... 

         Castro Alves - Boa Vista, 1867.

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