DEMÉTRIO
MAGNOLI E REINALDO AZEVEDO, EM UNÍSSONO, PEDEM AOS MILITARES QUE SAIAM TODOS DO
GOVERNO BOLSONARO
O mundo dá muitas voltas. Quem, antes do impeachment [golpe] da [contra a presidenta] Dilma, imaginaria ver um dia Demétrio Magnoli e Reinaldo Azevedo irmanados na
defesa da democracia brasileira, sugerindo formas de se conduzir à desgraça uma
horda de fascistas destrambelhados?!
Pois é o que fazem neste momento, quando ambos lançam
artigos sugerindo aos militares aninhados no governo federal uma debandada
coletiva, de forma a desequilibrá-lo de vez e empurrá-lo para a radicalização
tão sonhada pelo Rasputin da Virgínia... mas que terminaria da mesmíssima
maneira das tentativas autoritárias de Plínio Salgado em 1938 e Jânio Quadros
em 1961: com derrota acachapante, por não levar em conta a real correlação de
forças.
Vale a pena os uma leitura atenta destes dois textos, que
dão bons indícios das linhas de ação que estão sendo cogitadas e avaliadas nos
bastidores.
E seus autores certamente não estão dando ponto sem nó, mas
sim querendo reforçar uma tendência que já deve estar existindo na caserna, de
ruptura com os bolsonaristas.
Se tal ruptura for consumada, será a pá de cal no atual
governo, que frustrou os poderosos da economia, está sendo emparedado pelo
Congresso e pelo STF, conseguiu recolocar o movimento estudantil nas ruas, está
assustando os evangélicos com o endeusamento das armas e ofendeu mortalmente
figuras de grande prestígio nas Forças Armadas.
Como as milícias das cidades e os proprietários rurais
exterminadores de gente e destruidores da natureza não são suficientes para
sustentarem governo nenhum, a queda passaria a ser questão de meses, talvez de
semanas. (por Celso Lungaretti)*
........
RETIRADA TÁTICA
A vitória de Temístocles em Salamina (480 a.C) preservou o
mundo grego ameaçado pela Pérsia. O triunfo do macedônio Filipe 2º em Queroneia
(338 a.C) unificou as cidades gregas e assentou as bases para a difusão
cultural do helenismo. A invasão normanda foi concluída por William, o
Conquistador na batalha de Hastings (1066), fonte mítica da moderna Britannia.
Segundo uma interpretação exagerada, a civilização ocidental
deve sua existência a esse trio de batalhas icônicas. Os generais do alto
escalão do governo Bolsonaro certamente as estudaram —e, com elas, aprenderam o
valor militar da retirada tática. É hora de aplicar a manobra à política.
O pacto dos generais com o capitão reformado nasceu de um
equívoco fatal: os primeiros não entenderam a natureza do segundo. Bolsonaro
jamais deixou de ser o fanfarrão estéril, turbulento e indisciplinável,
afastado da corporação em 1988.
A novidade é que, na curva final rumo ao Planalto,
acercou-se de correntes populistas de extrema direita fundamentalmente hostis
às mediações institucionais da democracia. Os generais pretendiam participar de
um governo normal, enquadrado na moldura do Estado de Direito. De fato,
participam de um governo cujo núcleo almeja subverter o Estado de Direito.
Na rua ao lado, uma faixa da vovó Jurema promete trazer seu
amor de volta. A filosofia política do Bruxo da Virgínia vale tanto quanto os
búzios da vovó —e sua pregação era, até há pouco, um mero golpe de
charlatanismo, com implicações exclusivas para seus seguidores ignorantes.
Desde a ascensão de Bolsonaro, converteu-se em programa de governo.
Os generais começam a entender que o conflito não é com o
espalhafatoso bobo da corte, mas com o presidente e seu clã familiar.
Falta-lhes, ainda, entender que a conciliação é impossível.
O bolsonaro-olavismo deplorou o impeachment parlamentar de
Dilma Rousseff. Naquela hora, eles clamavam por uma intervenção militar
definida não como golpe de Estado clássico mas como uma marcha sobre Brasília
do povo e dos militares.
Hoje, sonham transformar o governo Bolsonaro no ato
inaugural de um Estado-movimento: um poder estatal não submetido ao limite das
leis e consagrado à luta política permanente. Nessa ordem tresloucada de
ideias, a barragem de artilharia virtual sobre o STF, a imprensa e os generais
destina-se a preparar a marcha sobre Brasília —isto é, a ruptura do Estado de
Direito.
Os populismos certamente são capazes de matar as democracias
por dentro (Turquia, Hungria, Venezuela). No Brasil, porém, mais provável é que
a revolução bolsonaro-olavista provoque a implosão do próprio governo
Bolsonaro.
Se os generais não querem aparecer como cúmplices do
desastre, resta-lhes apelar à retirada tática.
Salamina foi uma simulação de retirada, que atraiu os barcos
persas ao estreito da armadilha. Em Queroneia, uma breve ofensiva seguida por
retirada da ala direita das forças macedônias abriu a cunha fatal entre as
falanges gregas. Hastings tem algo de Queroneia, mas é difícil saber se a
decisiva retirada temporária das forças normandas foi uma manobra planejada ou
o resultado de um insucesso na ofensiva inicial.
De qualquer modo, para os generais brasileiros, a solução
não requer excessiva inventividade.
O governo Bolsonaro sustenta-se sobre o tripé formado pela
equipe econômica, o superministério de Moro e a chamada ala militar. A remoção
do terceiro pilar, pela entrega coletiva dos cargos, destruiria a estabilidade
do edifício.
A queda encerraria o levante dos extremistas, que confundem
os ecos de seus tuítes com a voz do povo. Depois dela, ainda sobraria Mourão
--e, portanto, a chance de construção de uma vereda política para o futuro.
Generais, mirem-se em Temístocles, o ateniense, Filipe 2º, o
macedônio, e William, o normando. Retirem-se, antes que seja tarde. (por
Demétrio Magnoli)
.......
VOLTEM PARA OS QUARTÉIS, SOLDADOS. DEU TUDO ERRADO!
Acabou a ilusão. A cada dia que os militares, da ativa ou da
reserva, permanecem no governo Bolsonaro, as Forças Armadas, como instituição,
se degradam. E se sujam com a lama ideológica em que se afunda a gestão. Em vez
do amor à pátria, uma pistola 9mm; em vez do hino nacional, uma .45; em vez do
patriotismo, o ódio —que alguns pretendem redentor— à democracia.
Meu ponto de vista é radical e não admite flertes de nenhuma
natureza dos fardados com o poder político. Renuncie, general Hamilton Mourão!
Sim, sei que o senhor foi eleito. Deixe que Rodrigo Maia seja o primeiro na linha
sucessória. Os loucos vão se aquietar um pouco. Afinal, o presidente o queria
apenas como um espantalho para assustar civis.
Voltem, senhores, para os quartéis e seus clubes, e lá se
dediquem aos afazeres tipicamente militares e à defesa da Constituição. É por
isso que, nas democracias, nós, os civis, lhes damos o monopólio do uso
legítimo da violência.
Vocês garantem os Poderes constituídos se estes forem
ameaçados. Aliás, general Augusto Heleno, prefiro substituir a palavra
violência, a que recorreu Max Weber na expressão acima, por força. Civiliza
mais.
Não faz sentido, senhor Rêgo Barros, que um general da ativa
seja porta-voz de um presidente. Renega o conteúdo de um livro que o senhor
mesmo citou em tom elogioso numa das lives de Bolsonaro —aquelas que imitam a
estética Al Qaeda.
Em O Soldado e o Estado, de Samuel Huntington, o “controle
civil objetivo das Forças Armadas”, que o senhor diz defender, o impede de
portar a voz de um político. Tanto pior quando esse político promove o
achincalhe do ente a que o senhor pertence.
Retomem seus afazeres na vida civil, senhores militares da
reserva, sem se descolar de seu zelo habitual pela ordem —não é isso? Bolsonaro
queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões, seu senso de dever, sua
moralidade, seus compromissos com o que apropriadamente chamam pátria. Esses
valores não são compatíveis com a gramática do poder em curso.
O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, um
homem de caráter reto, está errado quando diz que Olavo de Carvalho, o
prosélito de extrema direita, é um Trotski de sinal invertido. A ideia é
sugerir que o autoproclamado filósofo trai ou agride a revolução que ajudou a
promover. Trotski ainda fica melhor como o profeta traído caracterizado por
Isaac Deutscher.
Não houve revolução nenhuma. Carvalho é o verdadeiro
bolsonarismo, nunca seu traidor. Errado, meu caro Villas Bôas, foi aquele seu
tuíte intimidando o STF às vésperas da votação do habeas corpus a Lula.
Atravessava-se o Rubicão. Hora de voltar. Deu errado.
Ainda é tempo de inverter o sentido da marcha da tropa e
estacioná-la do lado de lá do rio que separa o poder civil do militar.
O constrangimento dos generais com o decreto do liberou
geral das armas é evidente. Justamente eles: os que foram desarmar o Haiti; os
que foram desarmar o Congo; os que foram desarmar o Rio —não é mesmo, Rêgo
Barros? Agora se veem em meio a um delírio que tem como horizonte, acreditem!,
a luta armada redentora entre os bons e os maus.
O que sente um militar decente, senhores, obrigado a
endossar um decreto que vai aumentar o poder de fogo das milícias e do
narcotráfico? Notem que não faço a pergunta a Sergio Moro porque só chamo ao
debate quem tem o que dizer.
Alguém alimenta alguma dúvida razoável de que os petardos
disparados por Carvalho —que Bolsonaro decidiu condecorar com a Grã-Cruz da
Ordem de Rio Branco— contam com a anuência do presidente? Sim, há loucura nesse
método, para inverter o clichê. Mas isso significa que método é, ainda que
destinado a dar errado. Dará, mas não sem grandes sortilégios.
Voltem a seus afazeres originais, senhores, longe da
política! Se o governo Bolsonaro se afundar na própria indigência intelectual,
é importante que estejam prontos a defender a Constituição. Mas prestem atenção
a uma advertência ainda mais importante do que essa.
Há uma hipótese remota, bem remota, de que o arranjo dê
certo. Nesse caso, será ainda mais necessário que os senhores estejam
inteiramente dedicados à defesa dos Poderes constituídos. O risco às
instituições democráticas seria ainda maior. Se há coisa que sei sobre as almas
autoritárias é que o sucesso lhes assanha a sede de... autoritarismo.
Vocês decidirão, senhores, com quantos anos de opróbrio as
Forças terão de arcar quando terminar essa loucura. (por Reinaldo Azevedo)
*Via https://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
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