Por Emir Sader*
Tão rapidamente quanto montou a monstruosa operação de
fraude que levou a entrega da presidência do Brasil a um grupo de
aventureiros, a direita desiste de transformar o capitão num presidente.
Unanimemente os órgãos da velha mídia se pronunciam no sentido de que
com esse cara nao da mais. Que ao invés de agregar, unir, somar forças,
ele só desagrega, destrói, gera o caos. Alguns deles falam de que o
governo que eles mesmos elegeram está desmilinguindo. O problema é que
está arrastando o país.
Como foi possível que um presidente eleito com mais de 50 milhões de
votos, se revele incapaz de dirigir o país? Simplesmente porque o único
objetivo da direita nas eleições era impedir que o PT voltasse a
governar. Valia de tudo. Da mesma forma que a fraude do impeachment, a
fraude do processo, da prisão e da condenação do Lula, manipularam as
eleições, mediante outra fraude, denunciada pela mídia, mas absolvida
pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Os resultados estão aí. Elegeram o único que tinha um certo caudal de
votos, para se prestar à manipulação que levou à sua vitória e à
derrota do PT. Não importava quão qualificado estava para governar.
Agora a mesma mídia que o apoiou diz que ele é um fracasso na economia,
na educação, nas relações internacionais, em tudo. Depois de uma
carreira de quase trinta anos de carreira política inócua e cheia de
irregularidades, em que foi acompanhado pelos filhos. Depois do Carlos
ser um vereador notoriamente vinculado às milícias, com os evidentes
sinais de relação com a morte da Marielle.
Mas preferiram isso, um personagem assim, qualquer coisa, contanto
que garantisse, com a derrota do PT, a manutenção do modelo neoliberal, o
único projeto que a direita tem para o Brasil. Não tem o direito de se
surpreenderem com a política de liberação geral do uso de armas, com a
política de asfixia da educação com os gigantescos cortes de recursos e
de liquidação da autonomia universitária. Tudo isso estava na campanha,
com o gesto da arminha e com os ataques aos professores.
Um presidente fraudulento, que se negou a discutir e a explicitar o
que iria fazer no governo, o primeiro que nunca participou de debates
públicos, eleito por uma operação de manipulação da opinião pública com
imagens forjadas difundidas por milhões de robôs, só poderia dar num
presidente fraudulento.
Quem se diz decepcionado com ele, quem já manifestou disposição de
substituí-lo, tem que se perguntar como o elegeram, como o preferiram,
como deixaram de lado tudo o que sabiam dele, como toleram a operação de
fraude eleitoral.
Podem tentar uma operação de substituição, como se ele não tivesse
cumprido com o que prometia. Na verdade, a decepção da direita vem da
incapacidade do governo organizar uma maioria para aprovar a
continuidade do programa neoliberal, a reforma da previdência, no
momento atual. Toleram tudo o resto, menos o que desvia a atenção e as
energias do governo, o que desgasta o apoio para aprovar a medidas
neoliberais do governo. Não importa que se dissemina o uso de armas, que
governos estaduais coloquem em prática políticas de genocídio da
população, que se destrua a educação pública no Brasil. Que a imagem do
país no exterior seja absolutamente degradada. Mas não perdoa o bloqueio
na aprovação dos projetos neoliberais.
A oposição democrática não pode ficar apenas olhando os movimentos da
direita, não deve ficar opinando que alternativa seria menos ruim – a
continuidade desastrada do atual presidente, a posse do vice, o papel
dos militares. Nada disso interessa, nem ao país, nem à democracia, nem
ao povo brasileiro. Nada disso corrige a farsa eleitoral que impediu a
expressão democrática do povo, que teria levado à eleição do Lula ou do
Haddad.
É preciso voltar a denunciar a farsa eleitoral, a falsificação da
vontade popular pela monstruosa operação de whats’up e de robôs. A
direita tem que pagar o preço pela eleição de um candidato que ela mesma
considera incapaz de governar o país. Não pode simplesmente
substituí-lo por quem o acompanhou nessa operação criminosa.
É preciso dar a voz ao povo, em condições transparentes,
democráticas. É preciso denunciar a operação que desviou o país do
caminho que todas as pesquisas mostravam que era o preferido, no
primeiro turno. A esquerda tem que polarizar contra todas as
alternativas da direita e não ficar torcendo por alguma delas,
preferindo algum eventual mal menor. As contradições que se dão no seio
da direita ocuparam até aqui o centro do cenário político. E’ hora da
esquerda voltar a se apresentar como alternativa, mostrar que o país é
viável, é governável, que foi governado muito bem pela esquerda, quando
as eleições se deram de maneira democrática.
*Colunista do 247, Emir Sader (foto) é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros - Via https://www.brasil247.com
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