Por Janio de Freitas, na Folha de SP*
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma
combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e
argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime
democrático.
É o que existe sob o louvado reconhecimento, já feito, de
que às defesas cabe o último pronunciamento antes da sentença, para responder a
denúncias novas ou a pendências remanescentes --direito desrespeitado em julgamentos
na Lava Jato.
Na verdade, porém, o valor desse reconhecimento depende
de uma definição que está ameaçada pelo próprio Supremo.
Ainda faltando os votos dos ministros Marco Aurélio Mello
e Dias Toffoli, que apenas antecipou sua opinião, a meio da semana ficava
reafirmada, por 6 votos 3, a tese que levou à anulação da pena imposta por
Sergio Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras.
Resultado que agora se estendia ao ex-gerente da empresa
Márcio Ferreira. Mas a forçosa decisão incomodou vários ministros, dada a
possibilidade de anular numerosas condenações da Lava Jato. Não tardou a
aparecer o que foi chamado de "modulação" no reconhecimento do
direito dos réus. Melhor diriam, no entanto, mutilação.
Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se
confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante.
Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver
o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e
não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia.
É interessante a virada de Barroso, que se mostrava de
fino rigor legalista até que se viu sob críticas, por comprometer-se com a tese
da prisão antes de concluídos os recursos de defesa. Sua reconhecida vaidade se
teria magoado, e passou a responder com uma virada para a linha Fux.
Por falar nele, nunca surpreendente, Luiz Fux adotou a
proposta de Barroso. E, como toque pessoal, considerou mera "benesse
processual" a ordenação dos pronunciamentos finais que leva, só ela, aos
"assegurados contraditório e ampla defesa" citados no artigo 5º da
Constituição.
Se, em casos da Lava Jato, entre a acusação por um
delator e a sentença não houve tempo para a defesa, ficaram impossibilitados o
contraditório e a ampla defesa. Para isso, o método de Moro consistia em dar o
mesmo prazo para as "razões finais" da acusação e da defesa. Benesse, só para a ânsia condenatória de
Moro.
Cármen Lúcia fez um voto peculiar: sim, a defesa tem
direito ao prazo para responder à última acusação, mas a sua falta só deve
invalidar a condenação se o réu provar que foi prejudicado. Assim o voto da
ministra ignora que a incorreção a ser anulada não está no réu, está no
processo.
O réu teve um direito negado, e não tem que provar nada
para vê-lo respeitado. O truque para não repetir o julgamento de condenados da
Lava Jato não está à altura da Carmén Lúcia original, serve apenas à dos
últimos tempos.
Relator do caso, Edson Fachin foi espantoso. A seu ver,
não tem sentido o prazo maior para a defesa porque a legislação não diferencia
delatores e delatados. Ao que o decano Celso de Mello respondeu: se há tal
lacuna, "deve ser suprida pelo princípio da ampla defesa". Com a
Constituição, pois. Tese também de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Alexandre de Moraes, a propósito, foi simples e certeiro:
"Não custa ao Estado respeitar o devido processo legal, o contraditório e
a ampla defesa. Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de
ser condenado, se houver provas, se o Estado respeitar esses princípios
constitucionais".
Ainda assim, e com a adesão de Dias Toffoli, que anunciou
outra "proposta de modulação", os propensos a mutilar o direito
constitucional à "ampla defesa" têm possibilidade de fazer maioria.
Situação ameaçadora, porque, como disse Gilmar Mendes, "a questão não é
Lava Jato, é todo um sistema de Justiça penal".
Ou é o perigo de Justiça bolsonara.
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