"A volta de Lula terá dois tempos. Agora, ele falará para a militância, para os pobres que já compuseram a base social do PT e para os aliados de uma esquerda que tentará reunificar", diz a colunista Tereza Cruvinel. "Num segundo momento ele deve tratar da ampliação de uma coalizão para enfrentar o bolsonarismo nas urnas de 2022, se Bolsonaro durar até lá
Adversários de Lula não sabem o que é democracia (Foto: Ricardo Stuckert) |
Por Tereza Cruvinel*
O jogo muda com Lula, isso é certo, embora a vista não possa alcançar os desdobramentos de sua volta à luta política, em atos que demonstraram claramente sua dimensão como líder popular. O astral do Brasil já mudou.
Por ora, cabe esclarecer mistificações destinadas a semear receios e a tentar conter o despertar e a reaglutinação das forças populares derrotadas pela vitória da extrema-direita em 2018.
1. Polarização não é radicalização
Está em curso a grosseira falácia de que a volta de Lula trará polarização e radicalização ao quadro político. Ele traz a polarização com Bolsonaro, e isso é da essência da política. Agora haverá quem se contraponha ao poder unipolar do bolsonarismo, assentado no autoritarismo, na vulgaridade, na ameaça constante às instituições do Estado de Direito e na imposição do projeto econômico-social neoliberal com debate interditado. Não há polarização onde não existe o pressuposto democrático da alternância no poder, da pluralidade política.
Lula já começou a polarizar com Bolsonaro no discurso da saída, ainda em Curitiba, e avançou na fala de sábado em São Bernardo. Mesmo preso, era ele, na oposição, que quando podia dava as pancadas mais duras no presidente. Isso significa que haverá combate duro ao projeto de Paulo Guedes, à Lava Jato e a tudo que compõe o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro, como as relações com as milícias, as investigações sobre o caso Mariele e o esquema das rachadinhas operadas pelo sumido Queiróz. Mas ninguém ouviu Lula pregar o impeachment de Bolsonaro ou mesmo o Fora Bolsonaro. Por ora, seu horizonte é o da eleição de 2022, quando a esquerda poderá derrotar a ultra-direita, como ele mesmo disse no sábado.
Polarização, entretanto, não é radicalização. Lula voltou para fazer política dentro do sistema, não vai agora se fantasiar de anti-establishment como Bolsonaro. Ele foi duas vezes presidente pelo sistema em vigor, disputando e vencendo eleições. Não vai, portanto, instigar atos de violência da militância petista, que vai mobilizar, tentar tirar da letargia, reocupando as ruas e reagrupando o campo progressista.
A polarização com Bolsonaro estabeleceu-se em 2018, mesmo com Lula removido da disputa pela Lava Jato, porque o centro ou centro-direita não conseguiu produzir um candidato competitivo. Bolsonaro deu-se bem, surfando a onda antipetista e falando para os bolsões radicais conservadores que saíram do armário.
Vazio estava e vazio, pelo visto, continuará o chamado centro. “Queremos que Lula volte para a cadeira”, proclamou ontem numa rede social o governador João Dória, candidato a candidato deste segmento do espectro. Com esse discurso, está fazendo eco ao bolsonarismo, não irá a lugar nenhum, não vai se diferenciar. O outro é Luciano Huck, que ainda não encontrou o caminho para se apresentar como alternativa.
2. Lula, a esquerda e o centro
A falácia de que Lula voltou mais à esquerda também é corrente. Ele mesmo teria dito algo parecido, o que também é mal compreendido. O que ele tem dito é que algumas concessões não poderão mais ser feitas. É que algumas propostas (ou medidas, se o PT voltar a governar o Brasil) não poderão mais ser abandonadas. Por exemplo, a regulação da mídia e a taxação das grandes fortunas.
Lula sabe, mais que ninguém, que a esquerda não vencerá sozinha. Foi com alianças ao centro, ampliado uma coalização progressista, que o PT venceu em 2002, 2006, 2010 e 2014. Dilma caiu, entre outros motivos, porque negligenciou a necessidade de ampliar seus apoios ao centro.
A volta de Lula terá dois tempos. Agora, ele falará para a militância, para os pobres que já compuseram a base social do PT e para os aliados de uma esquerda que tentará reunificar. Com Ciro Gomes e o PDT dificilmente haverá reaproximação mas PC do B e PSOL estavam em São Bernardo. E há diálogo com o PSB, se não como um todo, pelo menos com a ala mais forte, a nordestina, liderada pelo governador de Pernambuco Paulo Câmara.
Reconstruída a unidade possível, espelhando a Frente Brasil Popular do passado, reanimada a militância, quebrada a anestesia popular, num segundo momento ele deve tratar da ampliação de uma coalizão para enfrentar o bolsonarismo nas urnas de 2022, se Bolsonaro durar até lá.
Muitos no PT são contra qualquer reaproximação com os “golpistas” de 2016 mas a luta política, se exige coerência, exige também pragmatismo. A eleição municipal do ano que vem será o laboratório para a rearticulação de alianças, não com todo o centrão, não com todo o PMDB, mas com os setores de centro que hoje estão assustados com Bolsonaro e procurando uma boia de salvação. Muitos erros foram cometidos nas alianças do passado, e certamente o próprio Lula aprendeu com isso. Mas isolar-se na esquerda, isso não condiz com seu reconhecido tino político.
Também por isso, Lula vai polarizar, sim. Vai combater o governo Bolsonaro, oferecendo um projeto alternativo ao país, tentando fortalecer o polo da esquerda, e medindo forças já no ano que vem.
Não vai radicalizar no sentido de pôr fogo no circo, uma distorção semântica que está sendo propagada pelo bolsonarismo que agora haverá disputa e combate.
*Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País - Via 247
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