Por Moisés Mendes*
Alfredo Sirkis morreu no dia em que um general, ocupante da vice-presidência da República, assumia compromissos com empresários ricos para a redução no ritmo de destruição da Amazônia.
Na véspera, o general havia prometido a mesma coisa a investidores internacionais. Não são compromissos com o país, com os brasileiros, com os ambientalistas ou com os povos da floresta. São acordos com o pessoal do dinheiro.
E tudo parece muito natural. Sirkis morreu nesse ambiente de destruição e de pressão de homens de negócios, porque o bolsonarismo prejudica seus interesses.
Retrocede-se a abordagens pré-Sirkis. O jornalista havia renovado o discurso ambientalista no Brasil. Foi ele quem politizou o que, quando retorna ao país, nos anos 80, chamavam de movimento ecológico.
Sirkis era uma cara nova, o anjo Gabriel da ecologia, num contexto de militância de mulheres e homens já maduros. Ele é quem amplia o conceito de luta verde, dando sequência ao movimento liderado por gaúchos.
José Lutzenberger, Magda Renner, Augusto Carneiro, Hilda Zimmermann, Giselda Escosteguy Castro, Flavio Lewgoy, Sebastião Pinheiro, Caio Lustosa – todos eles se preocupavam com ar, rios, matas e bichos como uma luta de grupos organizados à margem da política.
Sirkis, inspirado no que via na Europa, ofereceu discurso político à militância. A guerra era pesada, era mais do ecológica, era ambientalista. Amplia-se o conceito e seu alcance. Fundam um Partido Verde.
Hoje, temos restos de quase tudo que veio depois. O Brasil mostra ao mundo o mais trágico retrato da destruição ambiental com o que se passa na Amazônia. Mas deve ser um dos países mais resignados diante dessa destruição.
É desolador. Sirkis, o cara que remoçou a luta ambientalista, viu já como idoso os jovens se mobilizarem no ano passado no mundo todo em defesa da nossa floresta – que eles consideram um bem de todos –, enquanto os jovens brasileiros viam as manifestações de rua pela TV.
O sentimento de que a Amazônia pode ser destruída é hoje muito mais um dilema dos jovens estrangeiros do que brasileiros.
Não temos nada semelhante às mulheres (muitas mulheres) e aos homens maduros que fizeram a cabeça dos jovens no fim do século 20. E hoje não temos jovens que pelo menos tentem imitar Greta Thunberg.
Na quinta-feira, o general Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, disse aos investidores estrangeiros que irá fazer tudo para mudar a imagem do governo em relação à Amazônia.
Mas, entre outras coisas, disse também que índios não precisam de água potável (sonegada por Bolsonaro) porque “eles se abastecem dos rios”. E na sexta-feira disse a empresários brasileiros que o governo vai reduzir o desmatamento ao que for tolerável.
Um dia antes de morrer, Sirkis ficou sabendo por que o governo se nega a fornecer água aos índios. Mas deve ter morrido sem saber que Mourão vai mobilizar esforços para não perder a confiança dos capitalistas.
O Conselho da Amazônia do general não tem representantes do Ibama e da Funai, mas tem 15 coronéis, um general, dois majores-brigadeiros e um brigadeiro.
Mourão e os militares serão tutores de Ricardo Salles, o ministro encarregado de passar a boiada. Salles continua no cargo, porque é dele a tarefa de atender demandas de grileiros, garimpeiros e todo tipo de assassino de índio.
Alfredo Sirkis deve ter imaginado um dia que a Amazônia seria salva pela ação de uma gurizada cabeluda inspirada em ex-guerrilheiros que viraram ecologistas.
A floresta acabou entregue à gestão de homens velhos e fardados, alguns já de pijama, que se aliaram aos desatinos de um governo omisso e conivente com a ação de criminosos.
Os índios que não morrerem com o coronavírus morrerão pelos efeitos da cloroquina que os militares distribuem nas aldeias. Rondon já havia fracassado. A geração de Alfredo Sirkis também fracassou.
*Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
Fonte: https://www.brasil247.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário