Na terça-feira, 17 de novembro, o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, cujo governo se engajou na espionagem contra a presidente Dilma Rousseff e o Departamento de Justiça/ FBI dos EUA e orquestrou a operação Lava Jato, apareceu na poderosa rede de televisão brasileira Globo para promover seu novo livro Uma Terra Prometida. No livro, ele afirma que o ex-presidente brasileiro Lula tinha “os escrúpulos de um cacique de Tammany Hall”.
Obama e Lula (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque | REUTERS/Charles Platiau)
Por Brian Mier*
A palavra machine e usado popularmente nos Estados Unidos para descrever um sistema de governança urbana bastante parecida com o velho coronelismo politica clientelista do nordeste Brasileiro. Tammany Hall, uma coalizão politica que mandou na cidade da Nova Yorque entre o fim do século 18 e a década de 1930, é geralmente citado como a maior machine urbana da história dos Estados Unidos. A segunda maior foi a machine Daley em Chicago, que governou de 1953-1983, e novamente de 1987-2011, sob a liderança de Richard J. Daley, seu filho Richard M. e seus comparsas Michael Bilandic e Jane Byrne.
Muito foi escrito sobre a machine dos Daleys. O livro Boss, do jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer Mike Royko, é uma boa introdução ao assunto. Mas eu gostaria de usar alguns exemplos pessoais. Eu cresci cercado pela cultura da machine em um bairro da classe trabalhadora na zona norte de Chicago e sei profundamente como a machine operava. Eu poderia dar centenas de exemplos, mas a maneira como geralmente explico como a machine dos Daleys funcionava é falando sobre meu amigo de infância, a quem chamarei aqui de Joe. Joe é meio italiano, meio irlandês e sua mãe solteira tinha uma queda por tipos da máfia. Em um ponto, seu namorado possuía 3 postos de gasolina, 2 pizzarias e servia como Vice-Comissário de Saneamento Básico da Cidade de Chicago. Chamava-se Tony, pesava quase 140 quilos, dirigia um Buick, só usava ternos de seda e sempre carregava uma pistola Barreta 0,25 mm no coldre de ombro. Um dia, enquanto minha mãe estava trabalhando em nosso bairro na campanha do candidato a prefeito anti-machine Harold Washington, ele parou, abaixou a janela do carro e disse: "Estamos de olho em você, Sra. Mier".
Joe era um cara ótimo que se importava muito mais com a maconha e os quadrinhos do que com política. Quando ele terminou o ensino médio, ele tentou estudar teatro na faculdade, mas foi reprovado no primeiro semestre. Depois de uma série de empregos de baixa remuneração, o novo marido de sua mãe, um ator-chave na machine do prefeito Richard M. Daley, arranjou-lhe um emprego no Departamento dos Parques da Cidade de Chicago como supervisor de equipe de mapeamento. O requisito mínimo oficial para o trabalho era um diploma em engenharia civil. Quando ele mencionou isso, seu novo padrasto disse: "não se preocupe com isso. Ninguém vai olhar seu currículo. Vou lhe dar todas as respostas do teste e depois vou levá-lo para um ou dois dias para ensiná-lo a operar o equipamento.”
O novo emprego de Joe fez maravilhas para sua auto-estima. Logo ele estava comprando maconha da mais alta qualidade e os quadrinhos antigos mais caros com seu salário governmental. Isso foi no início dos anos 1990. Nos 20 anos seguintes, ouvi relatos periódicos de Joe sobre a vida dentro da machine. Alguns anos depois de sua contratação, houve um enorme escândalo de corrupção no Departamento dos Parques e apenas o círculo interno conseguiu sobreviver com os empregos intactos. Joe foi transferido para o Departamento de Água. Pouco depois, estourou um escândalo. Descobriu-se que o neto de Tony Accardo, consigliereda máfia de Chicago, trabalhava lá. Do Brasil, liguei para Joe para saber o furo. “Ele foi demitido”, ele me disse. "Mas você sabe o que? São 17 parentes de Tony Accardo trabalhando no Departamento de Água”.
Ao longo dos anos, Joe me contou história após história de seus deveres extraoficiais batendo de porta em porta durante a temporada de eleições para trazer à tona o voto para Daley e seus vereadores comparsas, e o que ele receberia em troca. Na época, os trabalhadores municipais recebiam o dobro do pagamento de horas extras. Num inverno, quando eu estava de volta à cidade, liguei para ele para saber se ele queria beber alguma coisa. “Não posso”, disse ele, “estou fazendo hora extra, dormindo no banco do passageiro de um limpa-neve. O capataz nos pediu para mover essa pilha gigante de neve de um lado do estacionamento para o outro. Demorou 4 horas e quando terminamos ele pediu ao motorista para movê-lo de volta para onde estava. ”
Tammany Hall pode ter morrido na década de 1930 e a outra machinetradicional em Buffalo, Nova York, fracassou na década de 1970, mas a máquina de Chicago ainda estava forte na época em que os Obama começaram sua carreira política, mesmo que o prefeito Daley Jr. começasse a terceirizar alguns dos trabalhos de clientelismo a empresas pertencentes a comparsas a fim de reduzir a folha de pagamento do governo municipal de acordo com os princípios do neoliberalismo clintoniano.
É por isso que estou com tanta raiva de ver Barack Obama comparar o ex-presidente Lula, que era tão comprometido com os princípios democráticos que usou critérios profissionais em vez de alinhamento político para nomear juízes para o Supremo Tribunal (muitos dos quais se voltaram contra ele e seu partido durante o ano de 2016 golpe) a um chefe da machine. Quem é ele para comentar sobre a machine, que se casou com a Secretaria Adjunta de Planejamento e Desenvolvimento do prefeito Richard M. Daley? Quem é ele, que concorreu contra os políticos anti-machine Alice Palmer e Bobby Rush com as bênçãos do prefeito Richard M. Daley? Quem é ele, que contratou William, irmão de Richard M. Daley, como seu chefe de gabinete, para difamar o presidente mais popular do Brasil de todos os tempos? Afinal, quando os bens de Lula foram congelados como parte da investigação Lava Jato, ele tinha apenas R$ 606.000,00 em sua conta bancária. Na época, Obama estava cobrando mais do que essa quantia por um único discurso corporativo. Você pode acreditar na coragem desse cara?
*Jornalista, geógrafo e co-autor do site Brazil Wire
**Via Brasil247
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