27 novembro 2021

Ângela Carrato alerta: 2022 já começou. Fake news por todo lado, de diferentes formatos e Lula, o alvo principal



NOVAS E VELHAS FAKES E UM MESMO ALVO

Por Ângela Carrato, especial para o Viomundo*

Quando o principal articulador da extrema-direita mundial, Steve Bannon, mentor da família Bolsonaro, declarou, há poucos meses, que a eleição presidencial brasileira será a mais importante do mundo em 2022, pouca gente se deu conta do que realmente está em jogo.

O sucesso da recente viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Europa (Alemanha, Bélgica, França e Espanha) onde apareceu perante o mundo como o estadista que é, encontrou com líderes de diversos partidos, foi recebido por chefe de Estado, discursou no Parlamento Europeu, ganhou aplausos, aclamação e premio por onde passou, serviu para deixar mais claro a que Bannon se referia.

Para a extrema-direita brasileira e mundial, derrotar Lula é uma espécie de ponto de honra.

Ela vê no ex-presidente um dos raros, se não o único nome, capaz de enfrentar a onda de neofascismo que se desenha no mundo e contribuir para o tão necessário diálogo.

E diálogo é algo que anda longe dos interesses desses extremistas, que apostam na reedição de uma nova Guerra Fria, cada dia mais visível nas ações dos Estados Unidos e de seus aliados europeus contra a China e a Rússia.

Propor o diálogo entre a América Latina e a Europa para superar desafios comuns a toda a humanidade como o do meio ambiente foi exatamente o tom dos discursos de Lula na Europa.

Se Bannon estava preocupado, agora possivelmente nem durma.

Fato que explica a razão da campanha eleitoral no Brasil, que tradicionalmente tem início em abril ou maio, ter começado agora, antes mesmo das festas de natal e final de ano.

Em outras palavras, o sucesso de Lula está obrigando seus adversários a se lançarem em cena mais cedo do que pretendiam e de forma mais agressiva do que imaginavam.

Resultado: a disputa já está nas redes e nas ruas e, se depender dos adversários de Lula, será marcada por todo tipo de baixaria.

Basta observar as recentes declarações de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, Ciro Gomes e de seus aliados e apoiadores. Nenhuma passaria por um elementar detector de mentiras.

Lula ainda estava na Europa e aqui as manipulações e as fake news já corriam soltas.

Da TV Globo ao SBT, passando pela Folha de S. Paulo e pelo Estado de S. Paulo, praticamente todos os veículos da mídia corporativa, depois de tentarem ignorar a viagem, cobrindo-a com o maior silêncio de que se tem notícia, passaram a descontextualizar declarações e entrevistas do ex-presidente.


Só não contavam que mais de 360 veículos europeus, entre jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, iriam dedicar amplos espaços e manchetes ao périplo de Lula, o que somado às contundentes denúncias das redes sociais, obrigou os “barões da mídia” a manter um mínimo de compostura.

Engana-se, no entanto, quem acredita que depois dessa reprimenda esses senhores tenham se dado por vencidos.

Rapidamente trataram de reposicionar suas artilharias contra Lula e o PT.

É importante observar que aqui as fake news sempre existiram e nunca foram exclusividade das redes sociais.

No Brasil, o controle da mídia – a radiodifusão nas mãos de apenas sete famílias e a ausência de regulação democrática no setor – possibilitou o desenvolvimento de um tipo de mentira anterior às próprias fakes, popularmente conhecida como factoide.

FAKES E FACTOIDES

Quem se lembra do projétil que atingiu a cabeça do então candidato presidencial tucano José Serra em 20 de outubro de 2010, durante uma caminhada?

Imediatamente atribuído a uma agressão de petistas, o assunto virou manchete nos principais veículos nacionais, antes mesmo de qualquer apuração.

O factoide foi obviamente prejudicial ao PT.

O tal projétil nunca passou de uma bolinha de papel, mas não faltou veículo manchetando que “Serra leva pancada na cabeça em confusão com militantes do PT no Rio”.

Outro exemplo de factoide, mais recente e mais letal, foi o produzido pela revista Veja às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2014.

Sem quaisquer provas, a revista usou na capa sombrias fotos da então presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula para acusá-los de conivência com a corrupção.

O assunto foi imediatamente repercutido pelos demais veículos da mídia corporativa, numa operação minuciosamente pensada para impactar no resultado eleitoral.

Sem tempo hábil para exigir direito de resposta, o factoide acabou por reduzir a diferença dos votos entre a petista Dilma e o candidato tucano derrotado, Aécio Neves. Mesmo mentirosa, a tal capa acabou fornecendo munição para que Aécio alegasse fraude, após as urnas apuradas.

Tinha início o inferno em que o Brasil encontra-se mergulhado.

Atitudes como essa se mostraram desastrosas também para a própria mídia. Mas, pelo visto, não é essa a preocupação central de seus proprietários. Basta lembrar que a revista Veja, antes o semanário de maior tiragem nacional, acabou relegada à insignificância.

Depois de quase falir, foi vendida para banqueiros que a usam segundo suas conveniências.

A capa da edição da semana passada, por exemplo, incluindo Lula entre os pré-candidatos à eleição presidencial com maior rejeição é exemplo disso. A manchete correta deveria ser: Lula é o menos rejeitado (39%), ao passo que Ciro tem rejeição de 53%, Dória de 58%, Moro de 61% e Bolsonaro de 67%.

Mas a manchete preferiu igualar todos sob o manto da “eleição do mau humor”.

Como não há legislação que coíba esse tipo de prática, segue o baile.

O NOVO “CORPO A CORPO”

Talvez em função da baixa credibilidade da mídia corporativa brasileira para insistir no tipo “clássico” de distorção/manipulação, começam a entrar em cena novas modalidades visando influenciar as pessoas.

Uma dessas modalidades está sendo batizada de “corpo a corpo” e envolve ação tanto nas redes sociais quanto no presencial, na chamada vida real.

Nas redes sociais, a coisa funciona assim. Possivelmente a partir de centrais, os algoritmos (inteligência artificial) identificam pessoas que, por suas postagens, podem ser consideradas sem opinião formada sobre assuntos políticos e afins.

Uma postagem qualquer pode ser a porta de entrada para a abordagem. Educadamente, o/a internauta é interpelado por um perfil que pergunta, por exemplo, o que achou das falas do ex-presidente Lula. O exemplo é real e me foi relatado por várias pessoas nos últimos dias.

Se a pessoa diz que não sabe do que se trata, o perfil disponibiliza material supostamente informativo, pede que seja lido e volta a solicitar a opinião do interlocutor.

Tudo certo se o material postado “a título de informação” não passasse de grossa mentira, do tipo “Lula defende ditadura, é favorável a mandado de 16 anos e apoia prisão de seus opositores”.

O criminoso nesse processo é que Lula nunca defendeu ditadores, jamais apoiou a prisão de opositores e foi ele quem, injustamente, esteve preso por ordem dos que temiam enfrentá-lo nas eleições de 2018.

Em outras palavras, todas as ações ilegais e truculentas de seus adversários, como o ex-juiz parcial, Sérgio Moro, desautorizado pelo STF, e as de Jair Bolsonaro são imputadas a Lula!

O objetivo desse tipo de abordagem é claro: criar confusão, implantar dúvida e abrir espaço para um “diálogo” dos adversários de Lula com parcela de setores da chamada classe média que pode votar no petista. No momento, é junto a esses setores que tais atuações estão mais presentes.

Os integrantes dos perfis que fazem essas interpelações utilizam marcadores relevantes numa sociedade desigual como a brasileira: são jovens brancos, atuando em empresas nacionais de porte ou no sistema financeiro, com frequentes postagens identitárias (combate à violência contra as mulheres).

Todos exibem traços de que são felizes e possuem amigos. Invariavelmente receberam uma infinidade de mensagens de parabéns pelo aniversário.

Se esses jovens que dão nome a esses perfis realmente existem, não se sabe. Possivelmente funcionem como espécies de avatares. Mas são pessoas de carne e osso que efetivamente entram em cena nas abordagens. Tanto que é possível “dialogar” com eles, coisa impossível em se tratando de um robô.

A abordagem é considerada vitoriosa, possivelmente quando o perfil consegue a concordância do interlocutor. É considerada boa, quando é capaz de implantar a dúvida. Vale dizer: portas abertas para novas e mais eficientes investidas.

Não é difícil imaginar as toneladas de relatórios que estão sendo produzidos em entidades e think tanks nacionais e internacionais a partir desses dados e que podem levar a novas e mais eficientes abordagens ao longo da campanha eleitoral do próximo ano.

CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA

Como registra em seu livro “A Era do capitalismo de vigilância. A luta por um futuro humano na fronteira do poder”, a pesquisadora estadunidense Shoshana Zuboff, é “alarmante como corremos o risco do capitalismo digital dominar a ordem social e tentar moldar o futuro, se assim o permitirmos”.

Riquíssimo em exemplos de como o cidadão virou cobaia para a extração de dados e a tentativa de se moldar o futuro de acordo com os interesses dos poderosos, não por acaso o livro de Shoshana, uma publicação acadêmica com quase 800 páginas, se tornou best seller em muitos países.

Claro que Shoshana não pretendeu apenas descrever esses novos processos. Ela tenta mostrar o perigo deles e alertar a todos para a necessidade de investir contra isso, mesmo sabendo que as novidades do controle digital são quase infinitas.

Tanto são infinitas, que esse jogo pesado pode envolver e ser combinado com abordagens presenciais, a partir de restaurantes, aeroportos e demais locais onde há intensa circulação de pessoas.

A situação que me foi relatada por uma passageira que desembarcou na semana passada no aeroporto de Confins (em Belo Horizonte), dá ideia de como a coisa funciona.

Além dos táxis e ubers, motoristas com seus próprios carros, discretamente também se oferecem para o serviço de translado entre o aeroporto e a capital mineira.

O que os torna atrativos é o preço mais em conta, a qualidade dos veículos e o aprumo com que se apresentam.

No aeroporto de Confins, por exemplo, chamou a atenção desta passageira o “carrão” preto (um Toyota), dirigido por um motorista alto, negro e igualmente trajando negro da cabeça aos pés.

Durante a viagem – 40 km separam o aeroporto de Belo Horizonte – o condutor buscou, de forma elegante, entabular uma conversa com a passageira.

O início do papo foi “o sol que finalmente tinha voltado a brilhar”, mas poderia ter sido qualquer outra amenidade. Lá pelas tantas, ao passar por locais onde há grande concentração de pessoas morando em barracas, o condutor saiu-se com constatações do tipo: “olha o que a pandemia fez com o nosso país!”

Se a passageira concordasse, a missão teria sido bem sucedida. Só que a passageira em questão não concordou.

Argumentou que a pandemia pode ter agravado a crise, mas que ela era anterior ao covid-19 e que os principais responsáveis por sua existência são Moro e a Operação Lava Jato, além da política ultraneoliberal adotada pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes.

Educadamente, relata a passageira, o motorista insistiu na argumentação, tentando mostrar que “o governo tem feito de tudo para minimizar os problemas”, a exemplo do novo programa social, o Auxílio Brasil, “que vai garantir mais recursos para quem realmente precisa”.

Diante dos argumentos da passageira de que o novo programa era pior do que o Bolsa Família, o motorista sugeriu que ela se informasse melhor. O resto da corrida transcorreu em silêncio.

Mesmo mal sucedida, essa abordagem pode ter servido para se tomar o pulso de como determinados setores sociais estão percebendo a situação brasileira. Pode ter servido, ainda, para avaliar os efeitos do discurso que a mídia corporativa tem tentado vender para a população. E, a julgar pelo que expõe Shoshana, certamente servirá para a confecção de novos e mais poderosos processos de convencimentos, inclusive em períodos eleitorais.

RECONFIGURAR A REALIDADE

Em outros relatos no gênero a que tive acesso, alguns passageiros fizeram questão de registrar que a crise econômica, na visão dos condutores, tem a ver apenas com fatores como “corrupção e dólar alto”, jamais com a destruição provocada pela Lava Jato e menos ainda com a política econômica ultraliberal.

Razão pela qual se deve ficar atento para os tipos de postagens que venham a acontecer, nas próximas semanas e meses, em redes sociais como Facebook, Whatsapp e assemelhados, onde a tentativa de reconfiguração da realidade tem sido uma constante.

Nos primeiros meses de 2022, Lula poderá embarcar também em outra viagem, desta vez rumo aos Estados Unidos com possibilidade de ser recebido pelo presidente Joe Biden.

Longe de indicar apoio a sua candidatura, o gesto sinalizaria apenas delicadeza diplomática e, claro, um tapa de luvas nos adeptos do extremista de direita Donald Trump, que vem infernizando a vida de Biden desde o primeiro minuto de seu governo.

Bannon e Bolsonaro obviamente estão atentos a essa possibilidade e não será surpresa se, antes mesmo de qualquer sinalização a respeito, a máquina dos factoides e das fake news entrar em cena para tentar impedir ou criar constrangimentos ao encontro.

Por tudo isso, 2022 promete ser um ano difícil, dificílimo, além do mais longo e tenso das últimas décadas.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da UFMG.

Via https://www.viomundo.com.br

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