Por Lenio Luiz Streck, no Conjur*
1. Propedêutica
O editorial de O Globo acusando os Tribunais Superiores de usarem filigranas para anular processos não repercutiu. Nem mesmo quem deveria ler, leu. Tempos difíceis. Quem lê tanta notícia?
O sol nas bancas e nos tablets e nos whats… recheados de parabéns a você e quejandos… Me enchem de filigranas…
O editorial de O Globo é muito grave. Por isso, volto ao tema. E escreverei em pequeníssimos tópicos. Quase desenhando. Textos de mais dez linhas são “complexos”. Por isso a subdivisão tipo “platitude”. Aí vai.
2. Apenas 60 segundos
Não demorei mais do que 60 segundos para encontrar o uso de “filigrana jurídica” pelo grupo Globo para ganhar uma ação judicial.
Por que escrevo isso? Por que, como disse na semana passada (ler aqui), contestei o editorial de O Globo, em que o jornal critica o uso de garantias processuais-constitucionais como sendo “filigranas”.
3. A prescrição (“filigrana”?) salvadora
Nessa ação que encontrei em menos de 60 segundos, não se tratava de pouco dinheiro. Era uma fortuna (ler aqui). Ou seja, filigrana no olho dos outros é pimenta. Nos olhos da Globo, é o cumprimento da Constituição. E quem confirmou a decisão foi o próprio tribunal (STJ) criticado, ao lado do STF, pelo editorial de O Globo, pelo qual filigranas (sic) jurídicas incentivam a corrupção.
4. Garantias valem até para Dallagnol: afinal, sou constitucionalista!
Defendo garantias processuais até a favor de tipos como Deltan Dallagnol, que, depois de filigranar 42 duas vezes no CNMP, conseguiu uma hiper filigrana (sic) — a prescrição. E se livrou de um pepino considerável. Bom para ele. E para o Veio da Havan, versado em filigranologia.
Sou constitucionalista ortodoxo e me comporto como médico que defende vacina — vale para qualquer um. E por isso minha veemente contestação contra o jus-negacionismo. Chamar garantia processual de filigrana é ser jus negacionista!
E vamos em frente. Poderíamos criticar Flávio Bolsonaro por buscar nulidade de atos do Poder judiciário e Ministério Público do Rio de Janeiro, por violações as suas prerrogativas de parlamentar? Veja-se: Flávio não deveria usar a “filigrana” (sic) de um prazo perdido pelo MP-RJ? Ou por erros de procedimento?
5. Por que O Globo dá sentidos diferentes à palavra “garantia”?
E com isso chegamos ao Editorial de O Globo que critica as dezenas de processos anulados decorrentes da “lava jato”: anulados tanto pelo STJ como pelo STF. Anulados com base em violação de garantias processuais. Filigranas?
Fico imaginando a manchete de O Globo, se já existisse à época: “Advogado Luis Gama usa filigranas jurídicas para libertar centenas de escravos — um atentado contra a propriedade privada e contra o bom andamento da economia do império!” Que tal?
Outra vez: filigrana no olho dos outros é pimenta da braba; nos nossos olhos, é colírio e óculos escuros.
Afinal, valem ou não valem garantias? Devido processo legal vale só quanto interessa? Imaginemos: se o TJ-RJ tivesse dito nessa ação grande da Globo que não havia prescrição ou que documentos comprobatórios têm de ser originais (prova tarifada)? A Globo perderia. Mas venceu. Que bom. Cumprimentos.
6. Pimenta (quer dizer “filigrana”) nos olhos do inimigo é o quê, mesmo?
Então, por favor, não me venham dizer que a anulação de processos da “lava jato” e quejandos é uso de filigrana. Assim, não! Declarar juízo incompetente e parcialidade faz parte do cerne do Estado Democrático. Prescrição também. Prova ilícita também.
Mas para Lula não vale. Para a Globo, vale. Qual é a diferença entre prescrição e juízo incompetente? Ou entre prescrição e suspeição-parcialidade?
Paro por aqui. Por que a lista é longa. Muito longa. Como os índios do diálogo Zorro e Tonto (ler aqui texto da semana passada): “são muitos”!
7. Post scriptum: Mais 60 segundos de pesquisa!
Ah: mais uma, rapidinha. Manchete: Prescrição livra Globo de indenização milionária (ler aqui).
De fato, Tonto, são muitos!
*Via DCM
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