08 fevereiro 2022

Militarização das escolas vira peça de propaganda de políticos conservadores

Terceira matéria do especial sobre a onda conservadora na educação aborda o uso político das Escolas Cívico-Militares por parlamentares


Terceira reportagem do especial sobre a onda conservadora na educação aborda a militarização das escolas | Arte: Matheus Leal

Por Luís Gomes*

Ao longo desta semana, o Sul21 vem publicando uma série de três matérias a respeito do avanço das pautas conservadoras na educação gaúcha e brasileira. Nesta reportagem que fecha a série, abordamos a militarização das escolas públicas por meio do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), lançado pelo governo de Jair Bolsonaro.

Até o momento, a rede estadual de educação do Rio Grande do Sul conta com seis escolas que já tiveram a adesão formalizada ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares: Alexandre Zattera (Caxias do Sul), Carlos Drummond de Andrade (Alvorada), Instituto de Educação Oswaldo Aranha (Alegrete), Osvaldo Aranha (Novo Hamburgo), Santa Cruz (Santa Cruz do Sul) e Nossa Senhora Aparecida, (Tramandaí).

No início de dezembro passado, a Escola Estadual Visconde do Rio Grande, localizada no bairro Cavalhada, tornou-se a primeira da rede estadual em Porto Alegre a aprovar, após votação da comunidade escolar, a adesão ao programa ao Pecim.  Apesar da adesão já ter sido aprovada, a direção da escola informou ao Sul21 que ela ainda depende de homologação do MEC para ser formalizada, o que deve fazer com que a transformação da instituição em uma Escola Cívico-Militar (Ecim) só ocorra no final do primeiro semestre de 2022 ou no início do segundo. Quando as aulas forem retomadas em fevereiro, a comunidade escolar ainda não terá percebido mudanças.

O programa, uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC) em parceria com o Ministério da Defesa, é oferecido a escolas que tenham de 500 a 1 mil alunos, com turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e/ou o Ensino Médio. Um dos requisitos para a adesão é a aprovação da comunidade escolar. Inicialmente, as escolas recebiam investimentos de R$ 1 milhão em caso de adesão, mas o valor vem sendo reduzido. A adesão também significa que elas passam a contar com servidores militares no apoio à gestão escolar e à gestão educacional, com os servidores civis continuando responsáveis pelo trabalho didático-pedagógico.

Segundo dados divulgados pelo MEC nesta semana, 53 escolas aderiram ao Pecim em 2020, primeiro ano de operação do programa. Em 2021, 74 novas escolas adotaram o modelo cívico-militar e, para 2022, o MEC diz que há 89 novas vagas no programa. Destas, o MEC informa que sete seriam escolas da rede estadual do Rio Grande do Sul, uma delas de Porto Alegre — provavelmente a Visconde de Rio Grande — e as outras das localidades de Rosário do Sul, Canela, São Leopoldo, São Gabriel, Quaraí e São Borja. Além delas, há três escolas municipais gaúchas que devem aderir ao programa, em Bagé, Taquara e Rio Grande. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) diz que este número informado ao MEC diz respeito a instituições que manifestaram interesse de aderir ao programa, mas ainda faltaria a homologação dos processo, como é o caso da Visconde. Por isso, o governo do Estado não confirma ainda este total como escolas cívico-militares em operação no RS.

Apontado (e auto-declarado) como um dos principais defensores da Escola Cívico-Militar no Rio Grande do Sul, o deputado estadual Tenente-Coronel Zucco é o autor da Lei 15401/2019, que permitiu a atuação de monitores cívico-militares em escolas públicas das redes estadual e municipais no Rio Grande do Sul. Segundo a lei, sancionada pelo governador Eduardo Leite em dezembro de 2019, esta função pode ser exercida por policiais militares da reserva e PMs temporários.

Cinttia Denise Bordini, professora da Visconde de Rio Grande, conta que o processo de adesão ocorreu de forma acelerada após a eleição da nova direção da escola, que também ocorreu no final de 2021. Ela diz que, três dias após a escolha da nova direção, professores foram comunicados do interesse em aderir ao programa. A informação foi passada ao corpo docente em reunião, realizada no dia 4 de dezembro, que contou com a participação de um militar que atua no gabinete do deputado estadual Tenente-Coronel Zucco. No encontro, a apresentação do que era o programa foi feita por meio de uma cartilha elaborada pelo gabinete do deputado. Ao longo das últimas semanas, a reportagem tem tentado entrevistar Zucco para a matéria, o que não foi possível.

Cinttia diz que a reunião teve apenas o objetivo de comunicar os professores da decisão e, na semana seguinte, pais de alunos já foram convocados para votar a adesão ao programa, o que ocorreu no dia 11, com a aprovação de 89% dos presentes.

“Tudo no prazo de uma semana”, diz. Cinttia, que ainda questiona o quórum da votação. “Não houve, em momento algum, espaço para contraditório e tempo para discussão. Aconteceu à toque de caixa. Em menos de duas semanas, se improvisou uma votação com os pais e com maiores de 18 anos, sendo que o projeto atinge apenas do 6º ano ao Ensino Médio, e a escola tem outros níveis”.

Na avaliação da professora, a comunidade escolar foi, ao mesmo tempo, seduzida e pressionada a aceitar a adesão ao programa. Seduzida pela promessa de que a presença de militares iria trazer mais segurança para a escola, e pressionada pelo fato de a adesão representar acesso a recursos aos quais a instituição não contaria em caso de recusa.

Para uma escola com problemas no telhado, de infiltração, de falta de ventilação adequada no refeitório e em outros problemas — o que se torna um agravante em momento de pandemia –, que convive com o roubo de fios de luz, as promessas de melhoria foram suficientes para sensibilizar a comunidade, avalia. Contudo, ela argumenta que parte dos atrativos são “fictícios”, uma vez que o modelo que a comunidade escola imagina quando ouve falar de Escola Cívico-Militar é o dos colégios militares federal, que possuem gestão e financiamento da União e contam com mais recursos do que as escolas estaduais, mesmo aquelas convertidas ao modelo cívico-militar.

“O problema do projeto é que ele é vendido com a fantasia de que se trata de um colégio militar federal, mas é outra proposta, que tem outra forma de construção. Não é um colégio militar, mas as pessoas, quando ouvem Escola Cívico-Militar, fazem essa confusão, achando que só vai ter militares dentro do colégio, de farda, etc.”, diz Cinttia. (...)

*CLIQUE AQUI para ler na íntegra (via Sul21)

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