23 agosto 2023

Lula, Dilma, o tempo e a História

“Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe não é definitiva. Nós voltaremos", disse Dilma em 2016


  Lula e Dilma Rousseff (Foto: Ricardo Stuckert)

Por Florestan Fernandes Jr.*

Dentre tantos acontecimentos marcantes dos últimos 10 anos, três impactaram fortemente o país. O primeiro ocorreu em 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade. O segundo ocorreu no dia 7 de abril de 2018, quando Lula, vítima de lawfare, foi levado preso do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, para a sede da Polícia Federal em Curitiba. O terceiro, como o epílogo de uma tragédia sócio-política, ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023, quando terroristas de extrema direita, inflamados por toda sorte de desinformação e discursos de ódio, destruíram os prédios dos três poderes, na tentativa de um golpe de estado fracassado. 

Esses três eventos estão intimamente entrelaçados, são os marcos de um percurso feito pelo fascismo brasileiro para conquistar e se perpetuar no poder, através de um golpe de estado. Golpe que não se concretizou por muito pouco. 

Olhando pelo retrovisor, é possível ver a extrema direita surgindo na avenida, pegando carona numa manifestação de jovens de esquerda que reivindicavam tarifa zero para os transportes públicos. Inflado pela mídia conservadora, o movimento foi capturado e se transformou no que ficou conhecido como as “Jornadas de Junho”. Uma série de mobilizações de massa que se dizia apartidária. Um movimento sem líderes, sem causa definida e que se apresentava como antissistema. Uma narrativa que escondia os verdadeiros interesses políticos, econômicos e de classes que canibalizaram nossas instituições democráticas. 

Seguiu-se o aparelhamento de parte do sistema judiciário, que passou a ser usado para perseguir, destruir e interferir na esfera política. Naquele contexto, a negação das garantias mais elementares, como a ampla defesa e contraditório, integravam o modus operandi da Lava Jato. Aquela mesma “operação” responsável pela quebra das grandes empreiteiras e por lançar de joelhos a mais importante empresa do país e uma das maiores do mundo, a Petrobras.  

Igual contaminação sofreu o Parlamento, que flertou desabridamente com o fascismo durante seis anos e sustentou um governo milicianizado, descomprometido com interesses nacionais e que contou com apoio de milhares de oficiais das três forças armadas. 

Coube ao Supremo Tribunal Federal, sob a liderança de Alexandre de Moraes, enfrentar a ira da milícia digital e armada.

Não menos importante foi o papel da mídia progressista, que desde o início de 2013 denunciava as ilegalidades e as violações constitucionais havidas tanto na esfera do poder judiciário, como no Congresso Nacional – seja no processo de impeachment de Dilma, seja na condenação de Lula. Foram duros os embates em que os setores progressistas da sociedade enfrentaram de peito aberto as batalhas em defesa do Estado Democrático de Direito. Muitos caíram no campo de batalha, derrubados pela Covid, abatidos pelas balas de policiais truculentos e de fanáticos fascistas, que impiedosamente levaram a vida de tantos. 

Na segunda-feira (21/08), uma decisão do TRF-1 colocou fim à farsa da chamada “pedalada fiscal”, isentando de crime a presidente Dilma Rousseff. Um desmentido definitivo e fundamentado às manchetes espetaculosas das empresas de comunicação, que nos últimos anos divulgaram dia sim e dia também, uma das maiores fake news da História do país: a de que Dilma teria cometido crime de responsabilidade.

Aos que disseram debochadamente: “tchau, querida”, relembro trecho do discurso da primeira mulher a governar nossa nação, no dia de seu afastamento golpista: “Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo seja soberano.”

E voltaram, justiçados pelo tempo e pela História. Mas como disse Ruy Barbosa: “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta." 

Vida que segue. Dilma, agora ocupando a presidência do Banco dos BRICS; Lula, presidente eleito que tem sobre si a complexa tarefa de restaurar a normalidade democrática e nos remover do abismo em que o (des)governo cívico-militar de extrema-direita nos lançou. Quanto aos algozes de Dilma e Lula, os noticiários exibem o desmoronar – com e sem trocadilho. No Brasil, “a Terra não dá voltas, capota”...

*Jornalista - Fonte: Brasil247

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