04 novembro 2023

Eu não durmo mais, mas não é sobre a minha cabeça que as bombas explodem


Paulo Pinto/Agência Brasil   Mais de 9 mil palestinos já morreram desde os ataques de Israel contra Gaza

Por Carol Proner*

Eu já não durmo mais. Mas não é sobre a minha cabeça que explodem bombas. Não posso fazer muito, mas o silêncio a respeito do que está acontecendo em Gaza é mais do que impotência, é derrota. Ou cumplicidade com a selvageria.

“A guerra será longa”, afirmou o primeiro-ministro de Israel, e será por terra, ar e mar: “nossa meta é destruir o inimigo e assegurar que eles não existam em nosso país. (...), nós garantimos que nós faremos tudo, absolutamente tudo, para que os reféns voltem para as suas famílias.”, disse Benjamin Netanyahu.

Os dados das organizações humanitárias divulgados após o último ataque a um campo de refugiados mostram a real natureza da guerra: 9.500 massacres foram cometidos pelas forças israelenses desde 7 de outubro, o total de mortes confirmadas até o momento é de 8.796, dos quais 3.648 de crianças, 2.290 de mulheres e milhares de feridos privados de água e comida. Os desaparecidos estão subestimados, apenas 2.300 denúncias nos canais de acesso, dos quais 1.130 são crianças. A cada ataque, somem corpos sob os escombros e não há possibilidade de resgate ou estimativas de números.

Entre alvos, especialmente protegidos pelo direito humanitário, 98 centros médicos ou hospitais foram atingidos e 60 estão fora de operação, 25 ambulâncias foram destruídas,130 médicos foram mortos. 

O Hospital Turco, especializado em tratamento de câncer, neste exato momento não possui combustível. Os pacientes estão sentenciados à morte em algumas horas. O estreito de Rafah foi aberto essa madrugada, mas a ajuda não chega a 1% do necessário para evitar morticínio.

Também têm sido alvo de ataque planejados os campos de refugiados, espaços habitados por centenas de civis já cercados e agora deliberadamente atacados. E isso combinado com o infame uso da fome e da sede (starvation crime) como arma de guerra. Israel usa o deslocamento forçado para limpar o terreno de acesso ao território já ocupado e sabe que essas pessoas não têm saída. 

E como se fosse o bastante, constata a Anistia Internacional e outras agências especializadas o uso do fósforo branco como arma sobre civis. Isso vai além de um debate sobre se é ou não genocídio, é uma estratégia total de desumanização de qualquer regra jurídica e dos seres humanos escolhidos como alvo.

Fósforo branco (Willy Pete, na Primeira Guerra Mundial), foi aprimorado, é feito de um material químico que, em contato com a pele, não cessa de queimar até chegar nos ossos. Trata-se de arma química e incendiária absolutamente proibida pelo direito internacional. 

O grupo político que conduz a resposta militar de Israel, aparentemente, não distingue entre civis e militares. Todos são terroristas, sejam crianças ou mulheres, idosos, médicos, funcionários humanitários, jornalistas, todos são inimigos. Sendo um homem, jovem ou não, trata-se imediatamente de um terrorista. 

Certamente eu, enquanto escrevo e assim que publicar este desabafo, já serei considerada apoiadora de terroristas ou antissionista, uma inimiga do Estado de Israel. Em grupos de WhatsApp vão me segregar porque escolhi meu lado. E mais inimiga ainda se ousar trazer dos escombros da racionalidade a questão palestina. Devo seguramente já constar em alguma lista de inimigos. Mas meus amigos, muitos deles judeus, estão como eu: sem dormir, chorando diante da impotência e da miséria humana. Hão de se lembrar do massacre de Sabra e Chatila. 

(*) Carol Proner – Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

**Via Opera Mundi

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