Por Eliara Santana*
Hoje, 17 de março [domingo], a primeira fase da Operação Lava Jato completa 10 anos.
Ao longo desses anos, todas as noites, eu me encontrava com o Jornal Nacional e com a famigerada imagem do fundo vermelho com um duto enferrujado de petróleo por onde escorria muito dinheiro.
Era uma experiência angustiante porque eu via ali se desenhar uma grande armação contra o país, contra a democracia, contra um grupo político.
E com o precioso apoio da mídia corporativa. No imaginário simbólico da população brasileira, aquela imagem simbolizava a corrupção.
Midiaticamente, a corrupção tinha cor e partido político, e isso justificava todos os abusos e as arbitrariedades jurídicas, todo o punitivismo, as condenações sem provas, a produção de delações forçadas, o espetáculo na condução das investigações, a ausência de contraditório.
Em linhas gerais, este pode ser um resumo do legado da Lava Jato:
— procuradores e juízes que se tornavam, midiaticamente, heróis;
— a Petrobras, patrimônio nacional e galinha dos ovos de ouro, sendo destruída pelas sucessivas denúncias e ataques;
— corrupção vinculada a grupos políticos específicos;
— perseguição a políticos de esquerda em nome de um pretenso combate á corrupção;
— um juiz de primeira instância que prende um ex-presidente, libera trechos de delações às vésperas da eleição, grampeia e ex-presidente e divulga áudios com conversas da presidenta atual e se torna o ministro da Justiça do opositor;
— a criminalização da política no Brasil;
— derrocada do sistema político e jurídico do país; a eleição de Jair Bolsonaro, um candidato racista, machista, homofónico e representante da milícia, o prior presidente do país.
Na verdade, uma arquitetura político-ideológica que se fantasiou de operação judicial para convencer a população e criminalizar a esquerda e a política de modo geral.
Construção que teve, na mídia corporativa tradicional a grande e maravilhosa parceira, aliada, companheira para apontar inimigos, persegui-los, condena-los sem qualquer contraditório. A Lava jato era a lei.
E nessa encenação, o trabalho conjunto e afinado com a mídia corporativa, Jornal Nacional à frente, mas não sozinho, foi fundamental.
Repeti à época, repito agora: sem o apoio inquestionável da mídia, a Lava Jato não seria o que foi, não teria causado o estrago que causou ao funcionamento institucional do país.
Muito além da simples divulgação massiva de informações relativas a processos em andamento, a ação conjunta e coordenada da mídia com a Lava Jato foi decisiva para direcionar os rumos políticos do Brasil.
Havia um modus operandi muito específico que envolvia um timing perfeito na divulgação de investigações, nas ações espetaculares da Força Tarefa e nas delações direcionadas, e a encenação das reportagens relativas a essas investigações, o que garantia uma percepção dominante de que havia ali “heróis” que tinham a “missão” de acabar com a grande corrupção. Nada mais falso.
Os tais heróis da Lava Jato eram juízes e promotores oportunistas, manipuladores, com um viés ideológico fortíssimo e deslumbrados com os auspícios da mídia, com a imensa exposição que estavam tendo.
A primeira fase da Operação Lava Jato foi deflagrada num ano eleitoral muito importante, quando Dilma Rousseff era presidenta, e a Petrobras era a esperança brasileira com o pré-sal.
Dilma e o PT haviam enfrentado as tais jornadas de 2013 e saíram fortalecidos, pois a economia ia de vento em popa, os brasileiros consumiam, viajavam e faziam churrasco. A Lava Jato veio a calhar para quebrar esse ritmo.
Na primeira fase, deflagrada exatamente em 17 de março, foram presos o doleiro Alberto Youssef e o diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. O espetáculo midiático estava garantido.
Em agosto de 2014, com as campanhas para eleição presidencial já em campo, Paulo Roberto Costa assina o primeiro acordo de delação premiada e cita em depoimento lideranças do PT. Segue o espetáculo.
Para relembrar o significado da ação conjunta entre mídia corporativa e Lava Jato, quero trazer aqui alguns momentos e composições muito reveladores do que foi esse conluio jurídico-midiático que tanto mal fez ao país e à democracia brasileira.
A primeira lembrança é a da imagem potente que simbolizou a o redesenho da corrupção feita pela Lava Jato e a mídia – um fundo vermelho, com um duto enferrujado de petróleo por onde escorria muito dinheiro.
Era a imagem que ilustrava, noite após noite, as reportagens do Jornal Nacional sobre a corrupção ligada a um único grupo político.
A segunda é a capa do Jornal Folha de S. Paulo, de 5 de abril de 2015, que mostra os procuradores da lava jato, Deltan Dallagnol à frente, como “intocáveis”. Eles eram, portanto, os heróis contra os quais não cabia qualquer questionamento em relação às ações.
A terceira é o papel do principal repórter da Rede Globo envolvido com a cobertura da Lava Jato à época, Vladimir Netto.
Em 21 de junho de 2016, o jornalista global Vladimir Netto, que desde sempre fazia as reportagens sobre a Lava Jato, lançou um livro contando os “bastidores” da operação. O primeiro evento de lançamento foi em Curitiba.
Segundo reportagem divulgada no jornal O Globo à época, o jornalista “descreve de forma eletrizante cada operação policial”.
Em fevereiro de 2021, vazamentos da Operação Spoofing divulgados pelo The Intercept mostraram o tamanho dessa proximidade: há conversas frequentes do coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, com Vladimir Netto, que “aconselhou” o procurador a não emitir nota após a condução coercitiva de Lula.
Outra lembrança é de 4 de março de 2016, quando – o então juiz Sergio Moro autoriza a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor para a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
O então ex-presidente não havia sido intimado a depor e, portanto, não havia negativa da parte dele – não havia, portanto, qualquer motivação legal para a condução coercitiva.
Quando os policiais chegaram para buscar Lula, a reportagem da Globo já estava a postos. O assunto, claro, dominou toda a edição do JN naquela noite, com a manchete anunciando: “PF leva Lula para depor a investigadores da Lava Jato em SP”.
Não havia contraditório na notícia, nada de dimensionar o significado de uma condução coercitiva em que o réu não havia oferecido resistência. Interessava o espetáculo exaltando a Lava jato.
E em 16 de março de 2016, o juiz Sergio Moro liberou áudios contendo conversas do ex-presidente Lula com várias pessoas, incluindo a presidenta Dilma Rousseff. Havia também conversas particulares de dona Marisa com um dos filhos. Tudo foi divulgado com grande estardalhaço na mídia.
A investigação envolvendo Lula estava em andamento, e Moro justificou a liberação dizendo que era assunto de interesse público.
Conversas particulares de dona Marisa Letícia com um dos filhos ganhou destaque em todos os jornais, o que comprometeu a saúde da ex-primeira-dama, que morreria um ano depois com um AVC.
Avançamos para outra lembrança, de como a parceria contribuiu para eleger Jair Bolsonaro. Era 1º de outubro de 2018, às vésperas do primeiro turno da eleição para presidente.
Sergio Moro liberou a divulgação de trechos de delação do ex-ministro Antônio Pallocci que continham acusações contra o ex-presidente Lula. Os trechos foram liberados com exclusividade para o JN, que se encarregou de produzir um grande espetáculo.
Em novembro, com a eleição de Jair Bolsonaro, Sergio Moro assume como ministro da Justiça. Era o prêmio que aguardava pelos serviços prestados.
Mas como o mar da história é agitado, a Operação Lava Jato tem um fim melancólico em 2021. Sem alarde, sem destaque nos jornais, apenas com as sucessivas denúncias de violação à imparcialidade por parte do ex-juiz Sergio Moro.
A imprensa, como sempre, tenta se esquivar do papel fundamental que teve ao garantir a projeção de Moro, Dallagnol e da Operação como um todo. Ela foi cúmplice, parceira, igualmente culpada. Nunca vamos nos esquecer.
Para fechar, quero fazer aqui um agradecimento público à querida Conceição Lemes, editora do Viomundo e parceira fidedigna, fiel e maravilhosa. Honro muito as parcerias e as pessoas que sempre me deram ouvidos, me deixaram falar e me deram espaço quando tudo estava em direção contrária. Conceição foi essa pessoa, e eu só agradeço.
Ao fechar este ciclo de 10 anos da Lava Jato, minha sensação é de alegria e dever cumprido. Mas sigamos sempre atentos, porque os lobos estão sempre à espreita.
*Fonte: Viomundo
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ResponderExcluirArtigo perfeito. Relato rigorosamente fiel aos fatos. Parabéns à articulista.
Não há dúvidas de que a lava jato não passou de uma grande farsa jurídica com propósitos claramente políticos, forjada nos porões da República de Curitiba e alimentada diariamente pela mídia venal, transformando-se no maior escândalo judicial da história do Brasil e que certamente será lembrada pelas gerações futuras como uma das páginas mais sujas, tristes e iníquas da história do Brasil.
E assim como bem expresso no artigo em comento, também registramos aqui a nossa imensa satisfação de dever cumprido na nossa luta diária e persistente contra a desinformação veiculada massivamente sobretudo pela Rede Globo e o Jornal Folha de S. Paulo, nos dias sombrios da abusiva operação lava jato.
Felizmente, aos poucos, a farsa “lava jato” foi sendo conhecida, a verdade revelada, o enredo desmontado e a máscara arrancada daqueles que, em nome de um projeto político obscuro e nocivo ao país, conspiraram contra o Estado democrático de direito, violentaram normas jurídicas, estupraram a Constituição!!
Finalmente, como nenhuma mentira se sustenta para sempre, a farsa "lava jato" foi desmascarada, e a verdade prevaleceu.
É como já dizia Abraham Lincoln:
“Pode-se enganar a todos por algum tempo;
Pode-se enganar alguns por todo o tempo;
Mas não se pode enganar a todos o tempo todo”.