01 abril 2024

60 anos do golpe: lembrar para não repetir!

É preciso recompor a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos, pois a missão democratizante do Estado brasileiro não acabou


  Deputada Maria do Rosário | Foto: Reprodução/De Poa


Por Maria do Rosário (*) 

Ao completarem-se 60 anos da longa noite da ditadura no Brasil, somos chamados mais uma vez a olhar para 1964 não apenas como um exercício de recordação, mas como um imperativo moral para garantir que jamais sejamos jogados em novos golpes e ditaduras. Sabemos bem, que impedir a memória daquele período foi uma das estratégias para impedir o conhecimento da verdade e a justiça de transição, condição que até hoje fragiliza a democracia brasileira. Os versos entoados por Gonzaguinha ainda ecoam em nossos corações: “São tantas lutas inglórias, são histórias que a história qualquer dia contará”. 

A memória é nossa ferramenta mais poderosa para construir uma sociedade onde os direitos humanos e a democracia sejam não apenas palavras vazias, mas realidades concretas. Em minha vida pública, tenho orgulho em afirmar que sempre estive do lado da história que defende a democracia, lutando por justiça. 

Na Câmara Municipal de Porto Alegre, sendo vereadora, em 1994, fui autora da lei que autorizou a construção de um monumento em memória dos brasileiros e brasileiras mortos ou desaparecidos políticos pela ditadura. Uma obra para que as gerações futuras não se esqueçam os horrores vividos durante aquele período sombrio. 

O Memorial aos Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar, obra do artista plástico Luiz Gonzaga de Mello Gomes, foi selecionado a partir de concurso coordenado pela Secretaria Municipal de Cultura, Margarete Moraes à frente. O monumento fica localizado na Avenida Beira Rio, próximo à Orla do Guaíba, e foi inaugurado em 1995, pela prefeitura de Porto Alegre, à época sob condução do então prefeito Tarso Genro. Hoje, infelizmente, um local abandonado pela prefeitura municipal, e que ao longo dos anos contrasta com a revitalização da Orla. 

Na inauguração, uma Senhora de cabelos brancos e idade avançada, Ermelinda Bronca, por longos anos à espera do filho desaparecido político, declarou reconhecer neste espaço o lugar de homenagem a ele, negado pelos ditadores. 

Quando a Lei de Anistia completou 20 anos, com as contradições que a marcam, presidindo a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, realizamos um importante Seminário para ouvir as palavra de Leonel Brizola e muitos outros que viveram o exílio e a perseguição. 

A democracia não é obra pronta e se um país não conhece suas próprias contradições, é ainda mais difícil que ela se constitua. É por este motivo que me dedico a formação da memória e da verdade. Creio que o Estado brasileiro deve as famílias dos desaparecidos, dos torturados e mortos pela ditadura mais respeito e a informação precisa sobre os fatos em que foram vitimados e o destino de seus restos mortais. Inspirada em Suzana Lisboa e na luta incansável dos familiares, por convite do então Ministro Nilmário Miranda, tive a honra de compor a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos, representando a Câmara dos Deputados. Na Câmara Federal também, apresentei Projeto de Lei, para que sejam identificados publicamente os lugares de repressão política (1156/21). 

O Marco dos 60 anos desde a implantação da ditadura deve nos mobilizar para implementar as recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. 

Como Ministra de Estado, tive a honra de colaborar com a presidenta Dilma Rousseff na articulação pela aprovação da Comissão Nacional da Verdade, seguindo os passos dos Ministros que me antecederam e trabalharam por este objetivo nos governos FHC, Lula e Dilma. José Gregori, Gilberto Sabóia, Nilmário Miranda, Mário Mamede, Paulo Vanucchi que elaborou o PL e Rogério Sotilli, foram a linha de frente de diálogo com o parlamento. 

Esse importante órgão, ainda que tenha demorado para existir no Brasil, consignou necessárias iniciativas para uma democracia mais perene. 

Se ainda não foi possível avançar na responsabilização dos torturadores, devemos manter viva a memória de seus atos de crueldade, bem como a bravura de tantos brasileiros e brasileiras, defensores da democracia, neste tempo, que é uma “página infeliz da nossa história”. 

O 8 de janeiro de 2023 foi a tentativa de impor novamente o autoritarismo e a violência em nosso país. Mas encontrou como barreira as atitudes de um governo firme, e um povo, que em sua maioria rejeita uma nova ditadura no país. 

Emília Violatti, renomada historiadora, afirmou certa vez que “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”. Uma síntese da importância vital de preservarmos uma memória coletiva, que viva nas cabeças como vanguarda, sempre ao norte dos nossos sonhos e esperanças. 

É mais do que hora de recompor a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos, pois a missão democratizante do Estado brasileiro não acabou. Ao contrário, ela parece nos desafiar ainda mais nos dias atuais para que a nação concorde com Ulisses Guimarães que declarou na promulgação da CF/88 ter “ódio e nojo” à ditadura. 

Por memória, verdade e justiça. Ditadura nunca mais!

(*) Maria do Rosário é deputada federal, ex-ministra de Estado e pré-candidata a prefeitura de Porto Alegre pelo PT

Fonte: Sul21

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