21 abril 2018

Tiradentes e o incomum homem comum que brota numa nação

portiradentes

“Aos bárbaros, injustos vencedores/Atormentam remorsos, e cuidados;/ Nem descansam seguros/ Nos palácios, cercados/ De tropa e de altos muros.”

Por Nilson Lage*

Esse trecho da Lira XXVII de Tomás Antônio Gonzaga, publicada em Lisboa no mesmo ano em que o autor, condenado por participar da Inconfidência Mineira, partia em degredo para Moçambique, é uma espécie de refrão em nossa História.

Tiradentes nos representa porque somos um país de portentosos mártires e eternos resistentes: vencemos, sempre, ao superar cada derrota. Das raras conquistas, temos memória breve; a volta por cima é o impulso que nos move.


Já no teatro grego o herói trágico é aquele que ultrapassa o desfecho inevitável e renasce na forma de mito. Não importa o quanto tentem fazer definitivo o sacrifício; não o farão melhor do que os governantes portugueses na cerimônia de que se comemora hoje o 226° aniversário.


O Rio de Janeiro amanheceu enfeitado em 21 de abril de 1792: assim determinara o vice-rei. Tiradentes vestia a longa camisola branca — a alva dos condenados — e, sereno, rezava sempre. As tropas formavam ao longo das Ruas da Cadeia (Assembleia) e do Piolho (Carioca) até a entrada do Campo de São Domingos (a Praça Tiradentes): soldados dos regimentos de Moura, Bragança e de Estremoz e até mesmo a guarda do vice-rei, comandada por um de seus filhos. Autoridades: o Juiz de Fora, Baltazar da Silva Lisboa, representando o Senado da Câmara; o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha, a quem caberia atestar a execução. O condenado chegou com um crucifixo entre as mãos amarradas, seguido pelos irmãos da Misericórdia Frei José Jesus Maria do Desterro, guardião do Convento de Santo Antônio, fez longo sermão, louvando a rainha.

O carrasco da Capitania cobriu a cabeça de Tiradentes, empurrou-o, rufaram os tambores. Por três dias as fachadas ostentaram luminárias, no Rio e em Vila Rica. A 25, na Igreja do Carmo, Rio, e na Matriz do Pilar, em Vila Rica, houve celebrações religiosas. Documento da época especifica que a finalidade do Te Deum solene do Carmo era “persuadir os povos à fidelidade a uma soberana, que por felicidade temos, tão amável, tão pia, tão clemente; e rogar a Deus que lhe conserve a vida e a saúde”. Duzentas velas ardiam no templo.

Historiadores mecanicistas, que buscam o motor da História nos fatos crus e não na maneira como os homens os representam, tentam sempre provar que Joaquim José da Silva Xavier, ativista político , dentista, tropeiro, minerador e comerciante, não era nada extraordinário. Todavia, o que o torna especial é ter sido exatamente um homem comum, do tipo admirável daqueles que não traem, e perseveram – a encarnação dos mais nobres ideais de nosso povo.

A terra em que Tiradentes viveu já não era posse de elite diminuta dos senhores de terras, mas uma sociedade nova, física e culturalmente mestiça, no entorno das minas. Ali se construíram cidades – Vila Rica (Ouro Preto), Tijuco (Diamantina); o isolamento geográfico estimulou contatos estreitos entre as classes sociais e propiciou a criação de uma arte diferenciada que, como escreveu Mário de Andrade sobre as igrejas, “não se acomoda com o apelativo belo”: “são dum sublime pequenino, dum equilíbrio, duma pureza tão bem arranjadinha e sossegada que são feitas para querer bem e acarinhar”.

As igrejas estão lá – e, numa delas, em Ouro Preto os profetas barrocos. Eles têm muito, hoje, a nos dizer.

*Fonte: Blog Tijolaço

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