27 novembro 2018

A inquisição do chanceler

Blogueiro admirador de Donald Trump, o diplomata Ernesto Araújo promete uma caça às bruxas no Itamaraty 

Todo o mérito de Araújo foi seu blog durante a campanha de
 Bolsonaro e erguer um altar a Donald Trump

Por André Barrocal, na Carta Capital*

Ernesto Araújo, diplomata de 51 anos, chegou lá. Será o chanceler de Jair Bolsonaro, para quem fez campanha através de um blog criado em setembro com o sugestivo nome de Metapolítica 17, o número do ex-capitão nas urnas.

Chegou lá, mas causou espanto dentro e fora do Itamaraty. Promovido a embaixador em junho, nunca comandou posto no exterior, não foi subsecretário (uma espécie de primeiro escalão na Casa de Rio Branco), nem se destacou em negociação internacional importante. Seu mérito foi erguer um altar para Donald Trump e reverenciá-lo como salvador da civilização ocidental.

O americano, escreveu ele em um artigo em 2017, representa “uma fusão do nacionalismo com a fé”, é o líder de um Ocidente hoje “espiritualmente fraco”, ameaçado não por russos e chineses, mas pelo “abandono da própria identidade” cristã, pelo “islamismo radical”. Bastou para conquistar Bolsonaro, o devoto de Trump.

No comando do Ministério das Relações Exteriores, Araújo tende a reforçar as inclinações bolsonaristas que ameaçam interesses econômicos e diplomáticos do País e são promessa de isolamento internacional, de enfraquecimento do combalido soft power brasileiro.

Subserviência ao Tio Sam, antipatia à China, desprezo pelos ideais das Nações Unidas, entidade que desde 1947 abre sua assembleia-geral anual com discurso de presidente brasileiro.

Atual diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, Araújo terá grande serventia político-ideológica ao presidente eleito. Com fervor de um cruzado cristão ocidental, planeja uma Inquisição contra a política externa do “inimigo” petista. Afinal, como disse Bolsonaro ao anunciar a escolha de seu chanceler, em 14 de novembro, “a política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje”.

Quatro dias depois, a caça às bruxas diplomáticas era anunciada por Araújo. No Twitter, escreveu ter muito a fazer, “a começar por um exame minucioso da ‘política externa ativa e altiva’ em busca de possíveis falcatruas”.

“Ativa e altiva” era como Celso Amorim definia a política externa que comandou nos oito anos do governo Lula. Araújo estava injuriado com Amorim por este ter dito ao Globo que o futuro chanceler “não é retrocesso, é retorno à Idade Média”.

O que poderia ser feito “minuciosamente”, uma decisão festejada pelo jovem secretário de relações internacionais do PSL, Filipe Martins, ex-funcionário da embaixada americana em Brasília e uma das vozes ouvidas por Bolsonaro na escolha de Araújo? “A desclassificação de telegramas enviados por nossas embaixadas, por exemplo”, afirma um diplomata.

Tradução: divulgação ampla, geral e irrestrita de documentos ainda protegidos por sigilo. Em qualquer chancelaria do mundo, não falta papelada secreta. Aqueles telegramas da embaixada brasileira na Noruega a relatar ao Itamaraty tratativas tidas em 2011, a pedido de Bolsonaro, com a mãe de um filho dele, foram dados à Folha com tarja preta em certos trechos.

A anunciada perseguição a Amorim caiu mal no Itamaraty até entre embaixadores conservadores críticos da era petista. Entre diplomatas progressistas há medo. Em seu blog, Araújo amaldiçoa fanaticamente petistas e a esquerda em geral.

Sobre feminismo, escreveu: “Não tem nada de feminismo autêntico, mas constitui apenas uma ponta de lança dos movimentos esquerdistas – rebaixa a mulher a um nível de subserviência e desempoderamento jamais vistos”.

Imigração: “A esquerda, a partir dos anos 60, infiltrou-se na causa muito digna dos direitos dos imigrantes e criou a ideologia da imigração ilimitada que está hoje a ponto de destruir as sociedades europeias e a norte-americana”.

Religião: “O ateísmo virou centro, enquanto a fé virou extrema-direita”. Mudanças climáticas: “A esquerda sequestrou a causa ambiental e a perverteu até chegar ao paroxismo, nos últimos 20 anos, com a ideologia da mudança climática, o climatismo”.

É “estarrecedora” a escolha de Araújo para o Itamaraty, segundo a ONG Observatório do Clima, a prognosticar que sua nomeação traz o “risco de tornar o Brasil um anão diplomático e um pária global”

E emendou: “O radicalismo ideológico manifesto nos escritos do futuro ministro cria, ainda, uma ameaça para o planeta, ao negar a mudança do clima e, presumivelmente, os esforços internacionais para combatê-la”.

Ao menos o embaixador arrancou uma parabenização do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luís Almagro, ex-chanceler de Pepe Mujica que hoje o considera Almagro um “perigo” para o continente.

A anunciada inquisição no Itamaraty não tem motivações apenas ideológicas. Move-se a vingança também. O bolsonarismo acha que o futuro governo sofrerá com má fama internacional e que esta é culpa de diplomatas ligados à era petista, Amorim à frente.

Em Brasília, corre uma espécie de lista de cabeças coroadas para a guilhotina. Antonio Patriota, embaixador em Roma, primeiro chanceler de Dilma Rousseff. Mauro Vieira, chefe da missão junto à ONU, desde 2016, último chanceler dilmista. Paulo Cesar de Oliveira Campos, embaixador em Paris, ex-chefe do cerimonial de Lula. Antonio Simões, embaixador em Montevidéu, versado em temas que o bolsonarismo abomina, como Mercosul, Celac, Unasul, Venezuela.

No dia da indicação de Araújo como chanceler, o general Augusto Heleno, futuro chefe do GSI, o órgão que controla a Abin, a agência de espiões, expôs o rancor bolsonarista: “Inadmissível que autoridades brasileiras façam campanha contra o Brasil”.

Uma semana antes, dois embaixadores, um deles cotado para número 2 do Itamaraty no próximo governo, Helio Vitor Ramos Filho, publicavam no Correio Braziliense um artigo a pregar que o futuro governo “terá de ser defendido e viabilizado na cena internacional”, “a narrativa difundida pelos adversários do presidente eleito precisa ser desmontada, com urgência” Do contrário, dizem os autores, acontecerá o mesmo que na gestão Temer: um Brasil desacreditado.

Recorde-se: a julgar pela manifestação de líderes mundiais e da mídia estrangeira, a maioria do planeta concorda que o impeachment de Dilma e a prisão de Lula formam parte de um golpe destinado a impor aqui o neoliberalismo e reformas impopulares, como Amorim e Lula cansaram de dizer em entrevistas e artigos no exterior.

E se havia dúvidas internacionais, a escolha do juiz Sérgio Moro, o algoz de Lula, para ministro da Justiça de Bolsonaro, desfez. O jornal britânico The Times assim descreveu a escolha: “Jair Bolsonaro promete posto elevado a juiz que prendeu seu rival”.

Em sua primeira semana como chanceler nomeado, Araújo reuniu-se com Moro para estabelecer pontes. Nestes dias de governo de transição, o embaixador cercou-se de dois diplomatas de currículo curioso.

Um é Diego Araújo Campos, conhecido entre colegas como “Columbine”, alusão à matança de alunos de uma escola americana por dois amigos, em 1999. No ano passado, Campos era do Departamento de Defesa e resolveu negociar por conta própria um acordo com a embaixada de Israel. A chefia soube e ele deixou o departamento.

O outro é Rodrigo Bertoglio Cardoso. Este foi alvo de um processo disciplinar por ter apresentado um atestado médico para evitar uma tarefa no cerimonial do Itamaraty e depois ser pego a passear em Cancú, no México.

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