26 novembro 2018

O ministério de Bolsonaro é um show de horrores

O candidato que prometia "mudar tudo o que está aí" cede às barganhas fisiológicas dos partidos e entrega nacos do Estado a interesses corporativos 

Com Bolsonaro, nada de novo

Por Guilherme Boulos*

Depois de quatro anos fazendo campanha e vendendo a ideia de que mudaria "tudo que está aí", Bolsonaro foi eleito e já indicou metade dos seus ministros. Sempre que perguntado se tinha nomes em mente, o então candidato era vago, fazia questão de assegurar que seriam nomes exclusivamente "técnicos". Nada de "negociatas políticas" ou "escolhas ideológicas". Ao ler o nome dos indicados, notamos o completo oposto.

Um dos poucos nomes garantidos em ministério durante as eleições foi Paulo Guedes. O "guru" econômico de Bolsonaro tem atuado como um verdadeiro primeiro-ministro do Brasil. Sondou Sérgio Moro antes mesmo do segundo turno. Depois das eleições, atacou parlamentares e está montando sua equipe econômica como se tivesse sido ele próprio o candidato mais votado.

Guedes é fundador do banco BTG Pactual. Escolheu para presidir o BNDES Joaquim Levy, do Bradesco e ministro do desastroso ajuste de Dilma em 2015. Para o Banco Central indicou Roberto Campos Neto, do Santander. Para a Petrobras, nomeou seu amigo da Escola de Chicago, Roberto Castello Branco, que defendeu publicamente neste ano privatizar a empresa. Dois privatistas também foram nomeados para a presidência da Caixa e do Banco do Brasil.


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Seguindo o discurso de Bolsonaro, parte da mídia trata esses nomes como "economistas" técnicos. Nada mais falso. Os porta-vozes dos principais órgãos públicos da nossa economia são umbilicalmente ligados ao mercado financeiro, numa escandalosa porta giratória com visível conflito de interesses. Com lucros recordes sucessivos, tanto no período de crescimento quanto de recessão econômica, os bancos já vinham ditando os rumos da economia do País nas últimas décadas. É inédito, porém, o nível de controle que terão sobre a política econômica no próximo período, aparentemente sem qualquer contrapeso.

De noite, montam sua plataforma de governo jantando com grandes acionistas e nomes ligados ao capital estrangeiro, interessados na compra de ativos públicos e de riquezas nacionais. De dia, utilizam a crise econômica para justificar privatizações, reformas que retiram direitos e a venda da soberania nacional a preço de banana. Não por acaso o New York Times definiu Bolsonaro como "descaradamente pró-americano".

Na política, Bolsonaro nomeou Onyx Lorenzoni como ministro da Casa Civil. O deputado é filiado ao DEM há 21 anos, quando ainda chamava-se PFL e tinha como comandante Antônio Carlos Magalhães. Foi, na hipocrisia própria aos udenistas, um dos principais parlamentares a levantar a bandeira das dez medidas contra a corrupção, articuladas pelo Ministério Público Federal. Uma das medidas é a criminalização direta de quem receba recursos eleitorais via caixa 2.

Lorenzoni poderia ser seu próprio promotor: admitiu ter recebido 100 mil reais da JBS não declarados à Justiça Eleitoral para sua campanha de 2014. Declarou-se, porém, "arrependido" e foi perdoado pelo Deus Moro.

Outra indicação, também do DEM, é a nova ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Líder da bancada ruralista, foi uma das principais articuladoras do avanço do projeto que quer flexibilizar ainda mais o uso dos agrotóxicos no Brasil. Por conta disso, ganhou o apelido de "Musa do Veneno". Durante período na gestão estadual do Mato Grosso do Sul, deu incentivos fiscais à JBS, fechou parcerias pessoalmente com Joesley Batista e recebeu doações eleitorais da empresa no mesmo ano. Não é exatamente um nome técnico.

 Nada mais absurdo que a nomeação do até então desconhecido dos brasileiros Ernesto Araújo como chanceler. Diplomata que atua nos Estados Unidos, fã incondicional de Trump, disse que o presidente norte-americano é a salvação do Ocidente. Em blog pessoal, fez campanha aberta para Bolsonaro e atacou partidos de esquerda.

Araújo vive em uma verdadeira realidade paralela, onde o "marxismo cultural" pilota o movimento "globalista", a China segue um país maoísta e o aquecimento global é um dogma esquerdista. Seus impropérios e disparates sucessivos fazem corar só de lembrar que será essa a voz do Brasil para o mundo.

Sigamos. O novo ministro da Saúde será Luiz Henrique Mandetta, terceiro nome do DEM. Está sendo investigado por fraude em licitação, tráfico de influência e caixa 2 na implementação de um sistema de prontuário eletrônico quando era secretário municipal de saúde.

O médico já presidiu a Unimed e desde o início foi contra o Programa Mais Médicos. Difícil crer que alguém com ligação direta ao sistema privado de saúde terá algum compromisso com o SUS. As indicações da última semana foram fechadas com chave de ouro com Ricardo Vélez Rodríguez na Educação. É uma tragédia anunciada. O defensor feroz da dita escola "sem partido" é visceralmente antiesquerda, exalta o golpe militar de 1964 e rasga elogios à monarquia. Um fundamentalista que parece desconhecer a Revolução Francesa. Não é a Marx que questiona, mas a Voltaire e o Iluminismo. Trevas à vista.

Um superministro banqueiro e com a agenda mais antipopular do período democrático. Um político que assumiu ser corrupto na Casa Civil. Uma ruralista que quer liberar geral o veneno na comida na Agricultura. Um trumpista em cruzada contra o marxismo e o ambientalismo na diplomacia. Um deputado investigado e contrário ao Mais Médicos na Saúde. Um inquisidor da Idade Média na Educação. Esse é parte do time de quem prometeu "varrer" o que havia de pior na política brasileira e montar uma equipe "técnica", não "ideológica". O ministério de Bolsonaro é um verdadeiro show de horrores.

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