(Foto: Reprodução) |
AS INVESTIGAÇÕES do assassinato de Marielle Franco estão contaminadas desde o início. Polícia Civil e Ministério Público do Rio de Janeiro, que deveriam estar atuando em conjunto, não param de bater cabeça, trazendo mais dúvidas do que respostas. Um ano e meio se passou e ainda não se sabe quem são os mandantes do crime. A única certeza até aqui é a de que há gente envolvida na investigação tentando boicotá-la para proteger assassinos e cúmplices.
Logo após o atentado, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge tentou federalizar a investigação do caso, mas recuou após o MP-RJ questionar formalmente a sua interferência junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O caso se manteve no Rio cercado por fraudes e falhas inexplicáveis, como o sumiço das imagens que possibilitariam identificar os assassinos. No último dia do seu mandato, Dodge tentou novamente federalizar o caso junto ao Superior Tribunal de Justiça. O El País obteve acesso ao pedido em que a procuradora afirma que há no Rio uma “relação de promiscuidade” entre as polícias e os milicianos, o que impede que se chegue aos mandantes do crime. “Tal contaminação, além de gerar óbvia ineficiência (…) indica que existirão com absoluta certeza atividades deletérias [prejudiciais] feitas por criminosos infiltrados na Polícia”.
Depois que o nome do presidente da República surgiu na investigação, a coisa degringolou de vez. Em depoimento à Polícia Civil, um porteiro do condomínio onde o presidente mora no Rio de Janeiro afirmou que foi Jair Bolsonaro quem autorizou, horas antes do crime, a entrada de Élcio Queiroz, um dos milicianos suspeitos do assassinato de Marielle. Ele se encontraria com Ronnie Lessa, o outro suspeito, que também morava naquele condomínio. A informação foi vazada ilegalmente para o Jornal Nacional, que publicou na terça-feira e fez o bolsonarismo entrar em parafuso.
O JN apontou uma contradição no depoimento do porteiro: Bolsonaro estava em Brasília e não poderia ter autorizado a entrada. O jornalista Luis Nassif, porém, apurou que a comunicação da portaria com os moradores é feita por celular ou telefone fixo. Desse modo, Jair Bolsonaro poderia ter autorizado a entrada de Élcio mesmo estando em Brasília. Essa informação até agora não foi confirmada nem contestada por ninguém.
Depois da publicação da bomba, o presidente apareceu em uma live alucinada no Facebook negando tudo e dizendo que não irá renovar a concessão da Globo. Confirmou saber do surgimento do seu nome no caso desde o dia 9 de outubro, quando foi informado pelo governador Witzel, que teria cometido um crime ao repassar informação de um processo sigiloso. Aos berros, com palavrões e xingamentos, Bolsonaro se disse perseguido pela Globo. Tentava-se criar a narrativa de que o porteiro foi forçado a mentir para prejudicar o presidente.
No dia seguinte, o Brasil acompanhou pelo Twitter o trabalho do perito Carluxo, que gravou dois vídeos mostrando áudios do sistema de comunicação da portaria que provariam que o porteiro mentiu. Essa seria só mais uma nova bizarrice envolvendo a investigação, mas muitas outras ainda estariam por vir.
Promotoras do MP-RJ, então, correram para confirmar em entrevista coletiva a narrativa bolsonarista que o porteiro mentiu, o que é estranho, já que o próprio MP chegou a consultar a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal sobre o caso devido ao foro privilegiado do presidente. Uma consulta que foi feita sem o juiz do caso saber, o que é nada menos do que escandaloso. Alguém consultaria a corte suprema do país com base apenas em um depoimento suspeito contra o presidente da República? Não faz sentido.
O MP-RJ, depois de meses sem fazer nenhuma perícia no sistema de gravação do condomínio, correu para apresentar uma que confirmou a mentira do porteiro. Acontece que essa perícia no sistema de comunicação — o mesmo que havia sido “periciado” por Carluxo anteriormente — não avaliou se houve adulteração na integridade do arquivo. Pior: os peritos receberam os arquivos, mas não tiveram acesso ao computador em que foram gravados. Neste sábado, 2 de novembro, o presidente confessou ter obstruído a justiça ao afirmar que pegou a gravação das ligações da portaria para que não fossem adulteradas. Ou seja, um dos citados em um inquérito criminal teve acesso a uma prova antes dos peritos, que, depois, não verificaram se houve adulteração. A perícia é uma farsa criada para validar a narrativa bolsonarista.(...)
CLIQUE AQUI para continuar lendo a postagem assinada pelo jornalista João Filho (via site The Intercept Brasil).
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