A advogada gaúcha Marina Dermmam, que assumiu a vice-presidência do Conselho Nacional de Direitos Humanos, fala sobre desafios e expectativas em entrevista ao Sul21
Foto: Marina Dermmam/Arquivo Pessoal
Por Duda Romagna, no Sul21* - No dia 9 de fevereiro, a advogada gaúcha Marina Ramos Dermmam foi eleita vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que tem por finalidade promover e defender os direitos humanos no país e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil, em uma reunião do órgão em Brasília. Ela já fazia parte da mesa diretora do Conselho desde dezembro, representando o Instituto Nacional para o Desenvolvimento Social e Cultural do Campo (Instituto Cultivar). Na reunião, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o CNDH é uma relevante instância da promoção de direitos humanos. “Garantir a autonomia do CNDH é garantir o fortalecimento da institucionalização da política nacional de direitos humanos”, disse.
Marina é defensora pública do Estado do Rio Grande do Sul e ouvidora-geral da Defensoria, cargo para o qual foi eleita com o apoio de diversas entidades e movimentos sociais, além de já ser vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e mestra em “Estado, Governo e Políticas Públicas” pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. No CNDH, terá um mandato de dois anos, exercido ao lado do novo presidente e também defensor público André Carneiro Leão, de Pernambuco. Em 2024, Marina deve assumir a presidência do órgão, que, regimentalmente, prevê a alternância do cargo.
Em entrevista ao Sul21, a advogada falou sobre sua trajetória na defesa dos direitos humanos, sua relação com movimentos sociais e suas expectativas e desafios na atuação do CNDH, confira:
Sul21: Como tu começastes a trabalhar com direitos humanos e o que te interessou na área?
Marina: Comecei o meu trabalho por meio de coletivos de assessoria jurídica popular já na universidade, o que acabou, depois de formada, me aproximando da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e do Setor de Direitos Humanos do Movimento Sem Terra (MST). E a advocacia popular tem justamente na sua qualificação “popular” o seu grande diferencial, o de fazer junto com o povo e não para o povo. Se tornar parte da luta coletiva, sendo mais uma trincheira de resistência a partir do Direito. E foi essa atuação coletiva, na defesa intransigente dos direitos humanos, que me aproximou da pauta. Usar a minha formação jurídica a serviço da luta do povo é o que motiva diariamente a atuar nos espaços que ocupo.
Sul21: Qual tua relação com movimentos sociais e como tu entendes a atuação deles junto ao conselho?
Marina: Minha relação com os movimentos sociais começou em 2004, ainda na universidade. Minha atuação como advogada popular e na construção de espaços de participação social, como o Conselho de Direitos Humanos e a Ouvidoria da Defensoria Pública, me possibilita um vínculo estreito de confiança com os mais diversos movimentos populares. Sobre a atuação dos movimentos sociais no CNDH, vejo a sociedade civil organizada como a sustentação e a razão de ser daquele espaço. É por meio das lutas dos movimentos sociais que enxergamos um horizonte de atuação do CNDH. São os movimentos sociais que têm condições de cobrar posições e apontar caminhos para o Poder Público ante uma grave violação de direitos humanos. Não há democracia e nem estaríamos falando de direitos humanos sem os movimentos sociais, simples assim.
Sul21: Como tu chegastes até a ouvidoria da DPE e como tu resumirias teu trabalho no órgão?
Marina: Cheguei à ouvidoria da DPE por uma ampla articulação dos movimentos sociais para a retomada desse espaço. Foi um movimento de valorização e reconhecimento do trabalho da Defensoria Pública, com os movimentos sociais dando um sinal de que tem vontade de participar da efetivação do acesso à justiça por esse espaço. Minha candidatura à ouvidoria da DPE, há 2 anos, contou com o apoio de mais de 130 organizações da sociedade civil dos mais diversos segmentos: povos e comunidades tradicionais, movimento de mulheres, LGBTIA+, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. E foi ao lado desses lutadores e lutadoras sociais que construí o meu mandato na ouvidoria. Foi um espaço de interlocução e aproximação dos movimentos populares com defensoras e defensores públicos.
Sul21: Pra ti, qual o papel do CNDH na sociedade brasileira?
Marina: O CNDH é um dos mais importantes espaços de participação social no Brasil. Somos um órgão colegiado e paritário (com representações do poder público e sociedade civil) que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos. Nos últimos anos, o CNDH foi muito mais do que um conselho de controle social, foi uma trincheira na luta pela efetivação e respeito aos direitos humanos no nosso país. Enquanto Bolsonaro fechava unilateralmente conselhos de direitos, o CNDH os acolhia em sua comissão de participação social. Enquanto o Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos recebia diversas denúncias sobre as violências sofridas pelo povo Yanomami e nada fazia, o CNDH acolhia os povos e as organizações indígenas, cobrava duramente o governo e realizava denúncias aos organismos nacionais e internacionais. Pensando em bons exemplos de incidências exitosas, lembro da atuação do CNDH foi junto ao Conselho Nacional de Justiça, que durante a pandemia acolheu recomendação do CNDH e orientou juízes e juízas cautela especial na solução de conflitos que tratem de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante a crise sanitária provocada pela covid-19. Outro exemplo, em âmbito internacional, é o monitoramento da política externa brasileira em Direitos Humanos. Na última semana o CNDH promoveu um evento aberto à participação da sociedade para debater as recomendações recebidas pelo Brasil na Revisão Periódica Universal da ONU em 2022.
Sul21: Quais são as tuas expectativas sobre a atuação do conselho daqui pra frente?
Marina: As minhas expectativas são as melhores possíveis, considerando que temos como ministro dos Direitos Humanos uma pessoa como Silvio Almeida. Mais do que isso, estamos assumindo um conselho com quase uma década de trajetória, o que nos deixa um legado bem importante de atuação, inclusive junto a mecanismos internacionais. Espero que a sociedade continue participando e fortalecendo o trabalho do CNDH, reconstruindo a partir desse espaço a política de Direitos Humanos no Brasil.
Sul21: Quais são os desafios para o conselho depois dos últimos quatro anos?
Marina: O desmonte foi tão grande que atingiu, inclusive, o CNDH. Atualmente, estamos lutando pela nossa autonomia administrativa e financeira, o que passa por garantir recursos orçamentários para as nossas atividades mais básicas, desde a realização das reuniões ordinárias mensais até o deslocamento de conselheiras e conselheiros para missões de averiguação de violações de direitos humanos.
Estamos passando por um processo de planejamento e definição das ações programáticas do CNDH. E este não é um desafio menor dado o amplo espectro de pautas em que o CNDH atua.
O legado do último governo é tão devastador que precisamos defender a própria democracia brasileira, pois não podemos falar em defesa dos direitos humanos em um ambiente que não seja o de sólidas instituições democráticas, e essa, sem dúvida, é o desafio número zero.
Também temos como um enorme desafio a tragédia humanitária que os povos indígenas enfrentam. Queremos avançar para a responsabilidade dos agentes públicos que agiram, ou se omitiram, nos casos Yanomami e Pataxó. O CNDH fez recentes missões a esses territórios e, na nossa última reunião, aprovamos os relatórios que apresentam o diagnóstico do problema e apontam recomendações ao poder público.
Outro legado do último período que precisa ser enfrentado é o das limitações que o teto de gastos tem imposto às políticas públicas garantidoras de direitos humanos. A população brasileira sofre diariamente os efeitos dessa política de austeridade, que evidenciou o aumento das desigualdades sociais e sucateou os serviços públicos. O CNDH já solicitou ingresso como Amigo da Corte em três ações diretas de inconstitucionalidade no STF, pois não há dúvidas que esse novo regime fiscal é incompatível com o projeto constitucional de 1988.
*Fonte: https://sul21.com.br/