Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro (Foto: Ricardo Stuckert | Clauber Cleber Caetano/PR)Por Jeferson Miola*
Versão de artigo que será publicado na edição nº 3 da Revista Relato – Comunicação Política, do Uruguai – https://relatocompol.com/revista
A eleição de outubro próximo no Brasil é a mais ansiosamente aguardada da história e, também, a que ocorrerá em um contexto complexo e de apreensão quanto aos riscos de violência política.
Nem mesmo os mais pessimistas poderiam imaginar que durante o breve período de seis anos que correspondem aos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a oligarquia dominante seria capaz de promover a devastação do país em tão assombroso nível.
O Brasil regrediu economicamente e passou da posição de 6ª economia planetária para a 14ª em termos de Produto Interno Bruto.
O desemprego atinge ao redor de 12,5 milhões de trabalhadores. Além deste contingente, o total de subempregados, em condições de trabalho precarizado [46,6 milhões] e de pessoas desalentadas, que já desistiram de procurar emprego [4,9 milhões], representa outros 51,5 milhões de trabalhadores.
Ao todo, portanto, o número de desempregados, subempregados/precarizados e desalentados totaliza mais de 63,5 milhões de pessoas – praticamente a soma das populações da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
Mais da metade da população brasileira – 116,8 milhões de pessoas – vive em situação de insegurança alimentar, ou seja, não tem acesso pleno e permanente a alimentos. Dentre esses, 19 milhões passam fome.
Esta trajetória de desemprego, fome e miséria iniciada com o golpe de Estado de 2016 se aprofundou no governo Bolsonaro, e recolocou o Brasil no mapa da fome da FAO.
A inflação está acima de 10% ao ano e o custo de vida insustentável, corroendo fortemente o poder de compra de segmentos das classes médias que embarcaram na conspiração para derrubar a presidente Dilma Rousseff e depois elegeram Bolsonaro em 2018.
A postura do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia da COVID-19 foi irresponsável e criminosa. Com um general da ativa do Exército à frente da desastrosa gestão do ministério da Saúde, o país teve o segundo maior índice de mortes do mundo pela doença. Especialistas estimam que cerca de 450 mil das 650 mil perdas humanas no Brasil poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse atuado em outros moldes.
O governo é acusado em tribunais internacionais pelo crime de genocídio das populações indígenas. Não somente devido à condução na pandemia, mas também em decorrência da cumplicidade com a invasão das terras dos povos originários por grileiros, fazendeiros, garimpeiros e crime organizado.
Com uma maioria congressual comprada por meio de um esquema bilionário de emendas orçamentárias secretas, o governo ficou blindado contra processos de impeachment e radicalizou a execução do programa do golpe de 2016.
A legislação trabalhista foi desmontada e os direitos dos trabalhadores foram extintos. A reforma previdenciária endureceu as regras e piorou as expectativas de aposentadoria ao fim do ciclo de décadas de trabalho.
As privatizações avançaram o processo de rapinagem e de liquidação depravada da riqueza nacional. A cadeia de gás e petróleo foi entregue a grupos privados nacionais e estrangeiros. A PETROBRÁS deixou de ser um instrumento de desenvolvimento econômico nacional para ser convertida em dispositivo de saqueio dos acionistas no exterior. Somente no primeiro trimestre de 2022, a PETROBRÁS distribuiu R$ 101 bilhões de lucros aos predadores da renda pública brasileira.
A perspectiva de vitória do Lula e a ameaça à democracia
Levantamentos de intenção de votos mostram um cenário estabilizado nos últimos 18 meses. A disputa eleitoral está polarizada entre dois blocos políticos.
Por um lado, o bloco da candidatura Lula, que congrega a esquerda partidária e social, o progressismo e, inclusive, setores de centro e centro-direita temerosos com o risco de ruptura institucional. Na média das pesquisas, Lula aparece com 52% dos votos válidos.
O outro bloco, com quase uma dezena de candidaturas anti-Lula, é formado majoritariamente por setores de centro-direita, direita e as duas facções da extrema-direita: a bolsonarista e a Moro-lavajatista. Na média das pesquisas, este bloco alcança 48% dos votos.
A despeito de todas barbaridades e desatinos, Bolsonaro ainda é o candidato mais competitivo do establishment. Ele tem, em média, 26% das intenções de votos. As demais sete candidaturas que se apresentam como “3ª via”, embora defendam a continuidade do programa bolsonarista e anti-Lula de destruição nacional alcançam, juntas, cerca de 22% das intenções de voto.
As chances de vitória do Lula em outubro, como se observa, são promissoras. Há um amplo reconhecimento, no debate nacional, de que dentro das regras e da legalidade, dificilmente algum opositor conseguiria derrotá-lo.
A possibilidade de nova farsa ao estilo da Lava Jato em 2018 é totalmente improvável. Mas o risco de atentado político não pode, contudo, ser menosprezado, considerando-se a escalada da truculência e da violência política e o ódio da extrema-direita contra Lula e o PT.
É preciso considerar, ainda, a retórica conflitiva de Bolsonaro, militares e extremistas de direita que reiteradamente ameaçam tumultuar a eleição.
As cúpulas militares partidarizaram as Forças Armadas e atuam como facção partidária com um projeto próprio de poder. Eles poderão resistir à perda de cargos e de poder e, também, ao retorno do Lula à presidência.
Diante da perspectiva bastante plausível de vitória do Lula em outubro, existe, no entanto, uma incógnita sobre o comportamento de Bolsonaro, dos militares e da extrema-direita: eles aceitarão a derrota, ou criarão um clima de guerra política, caos e balbúrdia – o clima do “Capitólio de Brasília”?
A governabilidade do país demandará, por isso, um grande compromisso de todos setores democráticos em defesa da democracia, da legalidade e contra a ameaça fascista-militar; mas, sobretudo, precisará de uma extraordinária capacidade de apoio e mobilização popular do governo Lula.
A eleição de outubro será muito mais que um capítulo repetitivo da rotina eleitoral do país. Esta eleição será uma encruzilhada; nela se decidirá o futuro do Brasil.
Está em jogo a sobrevivência do pouco que ainda resta de democracia. E também está em jogo o fim – ou a continuidade – do ciclo de devastação, destruição e barbárie aberto com o golpe de 2016 e aprofundado pelo governo dos generais com Bolsonaro.
*Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial - Fonte: Brasil247