12 novembro 2024

A perversidade da escala 6x1

Nada justifica que um trabalhador tenha apenas um dia para descansar e ficar com a família

Regime de trabalho é comum, sobretudo, no comércio e no varejo, que empregam cerca de 19 milhões de pessoas no Brasil - Tomaz Silva/Agência Brasil

Por Igor Felippe Santos*

campanha contra a escala 6x1, que impõe seis dias de trabalho para um dia de descanso, tem ganhado força na sociedade e impulsionado uma agenda universal da classe trabalhadora, abrindo uma janela para a retomada do debate sobre relações trabalhistas e diminuição da jornada.  

petição pública online, lançada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT), ultrapassou 2 milhões de assinaturas. Depois da aprovação da lei da política de valorização permanente do salário mínimo, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2012, é a primeira vez que uma pauta com o caráter de conquista de direitos trabalhistas demonstra apelo popular e força na cena política.  

Nesse período, o Brasil passou por uma ofensiva da burguesia, que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Um dos principais objetivos foi diminuir o custo da força de trabalho. A reforma trabalhista em 2017, bastante desfavorável para os trabalhadores, foi uma reação à queda do desemprego e ao aumento da participação dos salários no PIB, que teve um crescimento de 4% entre 2004 e 2013, retomando o patamar de 1995.  

Desde então, a agenda dos direitos trabalhistas ficou obstruída, inclusive no debate com a sociedade. A ofensiva ideológica para impor o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prometia "modernizar" a legislação, diminuir a burocracia e aumentar a oferta de vagas de emprego. Não foi o que aconteceu.  

Estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2022 com base na simulação de cenários comparativos do Brasil com países da América Latina e do Caribe, apontou que a reforma não apresentou efeito estatisticamente significativo sobre a taxa de desemprego. Caiu mais uma mistificação neoliberal.  

Agora, a adesão à campanha pelo fim da escala 6x1 e a diminuição da jornada de trabalho é um fato novo que coloca em movimento a luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora. O primeiro sinal da força dessa bandeira foi a eleição de Rick Azevedo (Psol-RJ), líder do movimento VAT, com uma votação expressiva de 29 mil votos para vereador na cidade do Rio de Janeiro.  

O jovem de 30 anos ganhou notoriedade nas redes sociais com denúncias da exploração que sofreu quando trabalhava no comércio na escala 6x1. A partir disso, assumiu a luta com centralidade, criou o movimento VAT e passou a fazer uma ação permanente nas redes sociais e em regiões do comércio no Rio para conversar com os trabalhadores. É o famigerado trabalho de base. 

Agora, ganha um novo impulso com a repercussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), que propõe acabar com a escala de trabalho 6x1 com a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem alteração na carga máxima diária de oito horas e com a manutenção dos salários. 

Uma ação nas redes sociais pressiona parlamentares a assinar o texto para que a PEC possa ser protocolada. São necessárias 171 assinaturas para o projeto ser apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Depois de hibernar por meses, obteve nos últimos dias mais de 130 assinaturas e deve alcançar o número mínimo até o final desta semana. 

Até mesmo parlamentares de extrema direita, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreiras (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE), sofreram constrangimentos e receberam críticas por não assinarem o texto da PEC. Como justificar que um trabalhador tenha apenas um dia por semana para descansar? 

A jornada de oito horas de trabalho por seis dias na semana simboliza a perversidade da exploração da classe trabalhadora em pleno século 21. Nada justifica que um trabalhador tenha apenas um dia para descansar e ficar com a família. É o elo fraco da classe dominante no debate sobre as relações trabalhistas. 

Esse regime de trabalho é comum, sobretudo, no comércio e no varejo. Somente nesse segmento são mais de 19 milhões de trabalhadores, que estão empregados em lojas, supermercados e shoppings que permanecem abertos praticamente todos os dias 

No entanto, não é uma exclusividade do comércio. Indústrias que atuam com produção contínua (petroquímica, alimentícia, farmacêutica etc), serviços de saúde como hospitais e clínicas, setor de transporte e logística, setor de hotelaria e turismo, serviços de segurança e vigilância e até mesmo na construção civil exigem essa escala. 

A tramitação da PEC tem vários passos e a aprovação depende do apoio de pelo menos 3/5 dos deputados federais (308) e senadores (49). Por isso, requer uma intensa mobilização da sociedade brasileira, com protagonismo do movimento sindical e uma forte adesão da classe trabalhadora.  

É uma oportunidade, inclusive, para o governo Lula sair das cordas e mudar a agenda nacional, diante da pressão do capital financeiro e dos meios de comunicação empresariais para fazer um ajuste fiscal com o corte de benefícios sociais. Por que não abraçar e estimular uma luta pela diminuição da jornada de trabalho que pode colocar seus inimigos na defensiva? 

A luta pelo fim da escala 6x1 tem potencial de reconectar as organizações do campo democrático-popular com segmentos expressivos da classe trabalhadora. É uma bandeira simples, justa e direta, que incide sobre uma prática desumana que expõe a exploração do mercado de trabalho na atualidade. 

Um movimento nacional para acabar com a exploração da escala 6x1 pode colocar a classe trabalhadora em movimento e mudar a correlação de forças. Marchar para obter uma vitória pode resgatar a auto-estima dos trabalhadores e a esperança na organização e na luta.  

*Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares.

-Via Brasil de Fato

11 novembro 2024

DAP: Comunicado aos militantes e simpatizantes e direção do PT

 


Plenária Nacional do Diálogo e Ação Petista
9 de novembro de 2024*

O agrupamento Diálogo e Ação Petista [DAP] realizou uma Plenária Nacional nesta tarde de sábado, online. A atividade contou com a presença de mais de 450 petistas de diferentes regiões previamente cadastrados, e adotou uma Declaração Política

A Plenária decidiu constituir-se em DAP Associação. A decisão visa reforçar o caráter independente financeira e politicamente do agrupamento para o qual se associaram nas últimas semanas, voluntariamente, 748 petistas de 23 Estados. 

A Plenária avaliou o resultado das Eleições Municipais 2024 e a situação nacional e internacional posterior. Diz a Declaração Política adotada:  

“A maior derrotada em 2024 foi a ‘política nacional de alianças’ da cúpula do PT, visando a reeleição de Lula em 2026. O tiro saiu pela culatra. Em um vale tudo, ela não deteve a extrema-direita como pretendia, ao contrário, o PL foi o partido mais votado.”

E concluiu sobre o caminho a seguir:

“Com esse Congresso não dá, vamos reagir e não nos adaptar! É necessário uma Reforma Política que termine com a apropriação do orçamento pelas emendas parlamentares; que estabeleça ‘uma pessoa, um voto’, que este voto seja em lista, e com um financiamento público exclusivo. É o caminho de um movimento por uma Constituinte Soberana onde a palavra seja dada ao povo, para refundar as instituições e fazer as reformas que não foram feitas.”

Esse é o debate que o Diálogo e Ação Petista se propõe a abrir no Partido dos Trabalhadores. O processo de discussão e organização do DAP Associação prossegue. O cadastro associativo reabre na segunda-feira (11/11). 

O DAP Associação convocou um ciclo de reuniões dos Grupos de Base até o fim do verão e um Encontro Nacional presencial para março. 

*CLIQUE AQUI par ler a íntegra da Declaração.

-Via https://militante.petista.org.br/eia a íntegra da Declaração

07 novembro 2024

A Venezuela realmente existente

Falar das mentiras repetidas que viram verdade não adianta, pois a simples menção da “Venezuela” bloqueia o valor dessa velha lição sobre a manipulação

Economia da Venezuela é alvo de sanções e bloqueios dos EUA há mais de uma década. (Foto: Marco Weissheimer)

Por Anisio Pires (*)

A quantidade e a “qualidade” das coisas ditas sobre a Venezuela sempre surpreendem.  Sem saber muitas vezes o que responder, nos indignamos ou damos gargalhadas pelas estapafúrdias histórias nas quais se acredita. No entanto, o assunto é sério e perigoso. Nos dias 29 e 30 de julho passado, assassinaram 27 pessoas em protestos “pacíficos” que “reclamavam” pelo resultado eleitoral. Todos os que morreram apoiavam o governo, ninguém era da “oposição pacífica”. Tendo o governo bolivariano, como todos no mundo, o mando das forças militares e policiais, como explicar que a “ditadura” não reagiu para vingar essas mortes?

Falar das mentiras repetidas que viram verdade (Goebbels) não adianta, pois a simples menção da “Venezuela” bloqueia o valor dessa velha lição sobre a manipulação. Parece o fumante e o cigarro. A pessoa sabe que faz mal, mas pelo vício, continua. O “vício” de atacar a Venezuela pode mais que a verdade e na era das redes e dos algoritmos, ideias para prevenir enganos dificilmente atravessam os muros psicológicos.

Repetir que a Venezuela “tem problemas como qualquer país” tampouco explica nada. Moro na Ilha de Margarita (estado Nueva Esparta) que possui algumas vantagens, mas também desvantagens em relação ao resto do país. Fora isso, tudo normal. Deixo o convite-desafio. Venham e confiram pessoalmente, em qualquer horário e cidade que escolherem, se a mídia interessada mente ou não.

O país está em paz. É falso que exista violência tipo guerra civil. No passado tivemos muita violência criminosa. Agora, graças aos programas de segurança, é coisa do passado. Paraiso? Não, mas bem longe do inferno. Prevalece o policiamento preventivo o que não elimina confrontos com o crime organizado. As cidades se dividem em “quadrantes de paz” por áreas geográficas. A população recebe o telefone de contato de seu quadrante e, quando alguma coisa real ou suspeita acontece, o chama. Já utilizei esse serviço em duas ocasiões e a resposta foi rápida. Detalhe importante. Blitz indiscriminadas contra inocentes como no Brasil, aqui não ocorrem. Em 25 anos de revolução jamais houve uma tragédia como a do músico Evaldo dos Santos Rosa, sua esposa e filho de 7 anos. Em 2019, no Rio, levaram mais de 80 tiros. Militares os “confundiram” com um bandido.

O triste fenômeno brasileiro de milhares de pessoas dormindo nas ruas, aqui não existe. Uma pessoa ou outra em territórios específicos, mas são poucas. É verdade que o bloqueio dos EUA fez retroceder muitos dos serviços públicos, mas o caso da moradia virou questão de honra para o governo. O programa de moradias gratuitas (Gran Misión Vivienda Venezuela) iniciado em 2011 com Chávez nunca parou. Com uma população de quase 30 milhões, já foram entregues mais de 5 milhões de moradias gratuitas e de qualidade.

A situação desumana de pessoas catando “comida” no lixo é uma raridade e o fenômeno de perseguir caminhão de ossos, na Venezuela, nunca existiu! A fake news absurda de “pessoas comendo gatos e cachorros” é pura maldade. Enquanto isso, quando se trata da Coreia do Sul, a “Coreia capitalista”, onde comer cachorro é um antigo costume, nada se fala. Apenas em 2027 este costume será tornado ilegal por uma lei recém aprovada. Por pressões internacionais, o Ministério de Agricultura coreano propôs pagar “compensações” aos fazendeiros (de 170 a 450 dólares) para cada cão não abatido. No entanto, os fazendeiros consideram um valor muito baixo. Exigem 1.500 dólares para manter os bichinhos vivos. (https://rtbrasil.com/noticias/5938-coreia-sul-pagara-cada-cao/). Ninguém sabe que na Venezuela, apesar de tudo, tem um programa criado em 2014 para proteger os animais, a “Misión Nevado” (https://misionnevado.gob.ve/). E para mostrar o quanto é estúpida essa fake news, é importante informar que muitas pessoas já foram presas por maltrato animal. (https://www.globovision.com/nacional/9221/cerca-de-150-detenidos-por-maltrato-animal-el-primer-semestre-de-2023). Na “humanista” Coreia, matar cachorros dá lucro, na “sanguinária” Venezuela, dá cadeia.

O povo venezuelano tem passado muitas dificuldades, evidentemente desiguais (nem todos tem sofrido) porque desigual é sua sociedade ainda capitalista que quer transitar com muitas contradições ao socialismo.

O fenômeno da migração de venezuelanos como “prova de tirania” é parte do perverso bloqueio ao pais. Veio acompanhada de campanhas psicológicas para que as pessoas vissem as coisas ainda piores. Manipulando as dificuldades reais com mensagens neurotizantes (“este país não tem saída”, “este país é um horror”, etc.), a direita vem promovendo a migração, dizendo que o país “já não presta” porque os “chavistas” tomaram conta.

É passível de crítica que o governo nem sempre divulgue os dados sobre a realidade do país, embora pareça razoável que nenhum país, grupo humano ou individuo revele suas fraquezas frente a um inimigo, menos ainda se este quer te destruir. Apesar disso, surgem informações que permitem conhecer as “feridas de guerra” como diz o governo. Em 2019, o Informe dos economistas Mark Weisbrot e Jeffrey Sachs do Centro de Investigação em Economia e Política (CEPR-Washington) teve um título sugestivo: “Sanções econômicas como castigo coletivo: o caso da Venezuela”. Com dados de instituições não vinculadas ao Estado, o informe revelou que só entre 2017 e 2018 a cifra estimada de mortes em consequência do bloqueio estadunidense foi de mais de 40 mil pessoas (https://cepr.net/images/stories/reports/venezuela-sanctions-2019-05-spn.pdf).

Apesar dessas feridas dolorosas, o governo foi capaz de reagir, sendo a melhor prova disso a sua resposta durante a pandemia da Covid-19.  As medidas prontamente adotadas pela Venezuela resultaram nas menores taxas de mortalidade da América Latina. Lembremos do gesto solidário do Presidente Maduro enviando oxigênio para salvar vidas em Manaus enquanto o genocida falava em “gripezinha”.

Na mensagem anual ao país (janeiro de 2024) o Presidente revelou ao mundo parte do sofrimento por trás da migração: “o déficit nutricional da família venezuelana chegou em 35% no ano 2017”. Para 2024, graças as iniciativas alimentares do governo, o déficit se reduziu a 6,5%. Contribuiu para isso a política de produção alimentar implementada. De uma Venezuela que importava perto de 80% dos alimentos que consumia, passamos em 2024, apesar do bloqueio dos EUA, a 100 % de abastecimento com produção nacional.

Mas se as coisas não estão assim tão ruins, cabe a pergunta: por que nas eleições de julho passado (que a direita diz que foram fraudadas), os opositores extremistas obtiveram 43% dos votos? Há vários aspectos.

Por um lado, está a questão salarial. Pesquisas revelam que a população espera que o Presidente resolva a questão. Do salário mínimo mais elevado do continente na era Chávez, hoje se tem um dos mais baixos. O governo até agora não conseguiu dar os aumentos que a população anseia ao mesmo tempo que reivindica o bom desempenho da economia (treze trimestres de crescimento continuo), o que retroalimenta em parte a insatisfação. No entanto, os baixos salários por si só não explicam como um candidato desconhecido, sem carisma, de saúde abalada, que quase não fez campanha, tenha conseguido dar à extrema-direita essa votação.

Oscar Shémel, diretor do instituto de pesquisa Hinterlaces fala do “voto neurótico”. Segundo ele, a guerra contra a Venezuela não é somente política, econômica e militar, mas multidimensional, onde o fator comunicativo, a “guerra cognitiva”, ocupa um papel fundamental. O ataque incessante via redes sociais impede as pessoas de pensarem, confunde-as, desconectando-as da realidade. O resultado é ansiedade, raiva, frustração e ódio, sentimentos que a mídia conseguiu dirigir contra aquele que foi transformado no objeto da neurose das pessoas, o Presidente Maduro. Num fenômeno irracional parecido ao da Argentina que elegeu Milei, uma porção da população foi votar para tirar Maduro de uma vez e do jeito que fosse. “Vamos acabar com isto de uma vez”. O que faltou a Schémel nessa análise foi incluir as falhas (burocracia, corrupção e deficiência nos serviços públicos) como elementos que também contribuíram para alimentar a neurose. Entenda-se que várias dessas falhas que geram mal-estar na população vêm de longa data numa confusa mistura de falta de sensibilidade política de certos dirigentes e funcionários, antivalores e ações contrarrevolucionárias de pessoas que propositalmente agem contra o governo, afetando a imagem da revolução. O governo sabe desses problemas, mas não fica claro se tem dificuldades para encontrar soluções ou se subestima seu impacto negativo na população. É como se a confiança nas indiscutíveis virtudes e fortalezas da revolução gerassem uma espécie de “conformismo revolucionário”.

Reafirmando a soberania e a independência da Venezuela, a Revolução Bolivariana vem fazendo um esforço para revalorizar “O afirmativo venezuelano” (Augusto Mijares). A questão é que não se percebe ou não se dá a devida importância à necessidade de reafirmar o sentimento nacional patriótico e o amor pela Pátria, na excelência e bom funcionamento de tudo o que se faça, sobretudo nos serviços públicos e na infraestrutura do país. Poder fazer o exame, o raio X ou ter o medicamento hoje e não na semana ou no mês que vem, faz a diferença entre o humanismo revolucionário e o burocratismo. Por que o povo necessitado que todos reivindicam como a “prioridade” deve ter paciência e esperar? Para que se entenda. Imaginem um cidadão chinês saindo de uma das espetaculares estações de trem de alta velocidade e que seja abordado por um agitador político de direita para falar mal da “ditadura” do país. Esse cidadão que acaba de viver uma experiência futurística gratificante olhará na cara desse agitador e o ignorará. Meus compatriotas chavistas, por razões várias, parecem subestimar a importância dessas vivencias concretas para as pessoas, esperando as vezes um apoio quase religioso para a causa revolucionária. Uma e outra vez esquecem que foi o próprio Chávez quem afirmou: “O socialismo deve ser humanamente gratificante”. Nós que tanto nos orgulhamos da resistência do povo venezuelano, devemos pensar em termos de “amor estratégico” e nos convencer que quanto mais gratificante seja a vida do povo, mais força terá o exemplo da Venezuela no mundo como Pátria rebelde, livre, soberana e independente.

A genialidade humana do Comandante Chávez estava nesse dom especial de ver ao mesmo tempo além (a geopolítica mundial) e aquém (os dramas cotidianos do povo). Tentemos ser como Chávez.

Os problemas existentes estão na preocupação de dirigentes históricos como Elías Jaua que foi vice de Chávez. Numa entrevista recente falou sobre “as retificações necessárias” para atender melhor o povo. O assunto foi inclusive tema de debate na última campanha eleitoral por parte de uma nova corrente dentro do chavismo, o “Movimento Futuro”. Integrado por vários ministros e dirigentes da revolução, seu principal porta-voz o atual Ministro de Educação, Hector Rodriguez, foi bem explícito: “Não pensamos pedir licença nem perdão por criticar o que tenha que se criticar”. Até o próprio Presidente Maduro tem reclamado de problemas locais de fácil solução que depois de muito tempo ele teve que resolver porque as instâncias e equipes intermediárias não o fizeram. O Presidente vem criticando o que ele chama de “minimalismo”. Trata-se dessa atitude de certos dirigentes e funcionários de fazerem o mínimo, apenas para cumprirem, com suas tarefas.

Neste momento estão acontecendo assembleias por todo o país reunindo as cinco gerações envolvidas na revolução (desde os guerrilheiros dos anos 60 até a gurizada mais nova), visando uma série transformações a curto, médio e longo prazo, onde se destaca a necessidade de construir um Novo Estado mais eficiente e dinâmico. Em termos gramscianos, o Presidente refletiu que, após 25 anos de revolução, o velho Estado não terminava de morrer e que o novo parecia não querer nascer, pois até agora apenas tinham aparecido alguns germes. Maduro propõe dar um novo impulso nos próximos 6 anos a esse Novo Estado de caráter Social e Popular rumo ao “Estado Comunal”. Mais democracia direta, alicerçada em tomadas de decisão no espírito do Orçamento Participativo (Programa Maduro + Nº 61). O Presidente quer que mais de 70% do orçamento público seja entregue diretamente ao Poder Popular. Isso faz lembrar “O Estado e a Revolução” de Lenin e o projeto de devolver à sociedade o poder original que foi apropriado pelo Estado ao longo da história. Apesar de interessante, vemos essa proposta com “o otimismo da vontade e o pessimismo da razão” (Gramsci). 12 anos atrás o próprio Chávez impulsionou uma sacudida na revolução, o “Golpe de Timão”, que tinha na “Comuna ou nada” sua ideia mais importante. 12 anos depois, embora se fale do aumento numérico das comunas, não se percebe seu impacto na solução, estável no tempo, dos problemas cotidianos das pessoas. A transferência de recursos trará novas contradições e disputas egoístas porque segue muito embrionário “o espirito da comuna” que segundo o próprio Chávez “é muito mais importante, neste momento, que a Comuna mesma”. Sem a “cultura comunal” dificilmente o poder popular poderá tornar-se dono coletivo do Estado. Essa pedagogia política e cultural tem sido descuidada como o revelam os conjuntos habitacionais entregues por todo o país. Na maioria deles os antivalores capitalistas seguem muito presentes, ao ponto de que nas eleições passadas, pessoas dissociadas e desagradecidas se manifestaram contra o governo apesar de terem recebido casas confortáveis de forma gratuita. A síndrome dos “pobres de direita”.

Estas reflexões sobre a humanista Venezuela Bolivariana que defendemos, são heréticas. Apesar da alta votação recebida pela extrema-direita, poucas pessoas da vanguarda bolivariana falam no assunto. Um dos intelectuais mais importantes do país, Luis Britto Garcia, fez breves comentários. Apontou que o nível de abstenção foi mais elevado e o qualificou como “um voto negativo cujo sentido devemos interpretar”. Contrastando os resultados em suas fortalezas e debilidades, Luis Britto afirmou: “nosso sistema político socialista tem produzido resultados esplêndidos que temos comentado e comemorado. Ao mesmo tempo, tem mostrado vulnerabilidades internas inaceitáveis”. (http://luisbrittogarcia.blogspot.com/2024/08/mas-verdades-electorales.html).

Em 2004, numa eleição que Chávez ganhou por mais de 5 milhões (a direita obteve mais de 4), Fidel Castro comentou a seu amigo: “Chávez, na Venezuela não pode haver quatro milhões de oligarcas”. Cinco anos depois (2009) em outra eleição que Chávez também venceu por mais de 6 milhões (a direita mais de 5), o falecido jornalista José Vicente Rangel que foi vice de Chávez, parafraseou Fidel num artigo: “Cinco milhões de oligarcas? ”. Rangel alertava naquela ocasião: “algo não está marchando bem”.

Nas recentes eleições três coisas ficaram muito evidentes: 1). O apoio popular de 52% à Revolução Bolivariana é indiscutível; 2). Não há 43% de oligarcas; 3). Tem coisas que seguem sem marchar bem.

Para uma revolução no poder, assediada por fora e por dentro, o perigo dessas vulnerabilidades chama-se fascismo. Dada a proliferação de movimentos fascistas pelo mundo, muitos companheiros de luta vêm repetindo, como sinal de firmeza e radicalidade, uma frase que se tornou popular: “fascismo não se discute. Fascismo se combate”.  A pergunta é, Como?

No plano militar, a Rússia na Ucrânia está dando um bom exemplo. No plano político, a Venezuela e outros países vêm implementando um conjunto de medidas legais para impedir que os fascistas se aproveitem do Estado de Direito para promover o ódio e a violência, incluída a utilização das redes sociais. Como já disse o influencer brasileiro Felipe Netto, o lucro que alimenta os algoritmos que promovem o ódio só se pode enfrentar com leis firmes que regulamentem seu funcionamento.

No plano social a coisa é mais complexa. As necessidades materiais e espirituais que o capitalismo não satisfaz e são por ele promovidas via propaganda de consumo, geram insatisfações e frustrações permanentes que parecem ser subestimadas pela vanguarda. Nos anos 30 quando Trotski tentou alertar sobre o perigo fascista na Alemanha, afirmou: “Se o partido Comunista é um partido de «esperança revolucionária», o fascismo, como movimento de massas, é então um partido de «desespero contrarrevolucionário»”. A vanguarda bolivariana parece não estar valorando o peso desse desespero neurotizante na população, descuidando a qualidade e efetividade das respostas, achando que com denunciar o discurso falso e hipócrita da extrema direita será suficiente para conquistar o apoio da população. No Podcast do Presidente Maduro com Diego Ruzzarin e Juan Carlos Monedero, este último mencionou duas lições: 1. O fascismo vence quando a esquerda se divide; 2. “No auge do fascismo sempre há um erro das esquerdas que não fizemos bem nossas tarefas”.

O chavismo estará fazendo as tarefas?  Respondamos com outra pergunta: Descartada a minoria oligárquica e outros setores ricos e médios com muito dinheiro e interesses obscenos, por que mais de 30% dos eleitores (somados os que se abstiveram), não se identificam com a generosa ideia de Bolívar de construir uma sociedade que ofereça às pessoas “a maior soma de felicidade possível”? Seguimos sob ameaça. Na resposta a essa pergunta poderemos encontrar juntos, povo e vanguarda, a chave para que a Revolução Bolivariana se torne “irreversível” como defendia o jovem deputado Robert Serra, assassinado covardemente pela direita.

Estas são as nossas verdades sobre a Venezuela realmente existente. Olhares, vivencias e críticas construtivas na defesa de sua revolução que acima de tudo luta pela vida.

(*) Anisio Pires, sociólogo venezuelano (UFRGS/Brasil), professor da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV)

-Fonte: Sul21

Palestina e eleições nos EUA, o papel ‘democrata’ — da Nakba ao genocídio televisionado em Gaza

Sob governos do Partido Democrata, EUA conduziram seu títere “Israel” a cometer as piores atrocidades contra o povo palestino

        Kamala Harris, tão genocida quanto Biden e Netanyahu

Por Ualid Rabah*, no site da Fepal*

Finalizada a apuração que retorna Donald Trump ao topo da gestão imperialista do mundo pelos EUA, na farsesca eleição por colégio eleitoral – mas corrobora em seu favor porque foi vitorioso também no voto popular – a finalizar em 17 de dezembro com a confirmação, pelos delegados (538, dos quais o republicano conquistou 277), do novo inquilino da Casa Branca, todos podemos analisar o quanto o genocídio na Palestina pesou para a derrota democrata e, mais ainda, como o Partido Democrata é historicamente ligado à conquista da Palestina pelo sionismo e a todos os crimes decisivos para que viva o povo palestino hoje sua tragédia televisionada.

Importa, primeiro, destacar que é a primeira vez na história que o tema da Palestina pauta uma eleição nos EUA, bem como pautou na Inglaterra e na França, com derrotas dos que estavam no poder gestando as políticas destes países em favor do extermínio palestino por “israel”.

Mas havia uma dúvida: e se nos EUA vencerem os democratas, de fato os donos deste genocídio em Gaza, será possível explicar a derrota nas duas eleições europeias anteriores pelo apoio dos governantes de plantão ao genocídio?

Bem, eis que os democratas perderam feio, como em poucos momentos na história, porque, além da derrota presidencial, levaram uma surra nas renovações do Senado e da Câmara.

Alguns dirão que a questão palestina e o genocídio em curso seriam incapazes de derrotar Kamala Harris, a vice-genocida e candidata em lugar do desistente presidente-genocida Joe Biden, uma vez que apenas 4% dos eleitores estadunidenses pesquisados pela CNN nas vésperas da eleição disseram que a política externa pautaria sua decisão.

Mas e se uma maioria dos eleitores democratas que leva a sério a posição dos EUA na agenda externa se incomodou com a postura de sua liderança quanto ao genocídio palestino?

E se isso tiver levado a parte deste eleitorado a não votar ou procurar candidaturas independentes, para não falar de eventuais migrações para Trump?

Até houve uma verdadeira olimpíada genocidária entre Trump e Kamala, expressa nos debates, com acusações recíprocas de leniência no apoio a “israel”, mas o fato é que o genocídio em curso é gestado pelos democratas, que poderiam tê-lo parado e preferiram, ao contrário, intensificar o extermínio em Gaza.

Ou seja: por mais que Trump tenha declarado alinhamento com “israel”, quem executava o genocídio eram Biden e Kamala.

A insatisfação de parcela do eleitorado democrata com o genocídio tornou-se pública em vários momentos.

Talvez o mais decisivo, com repercussão no tempo até esta eleição, tenha sido o dos estudantes das principais universidades dos EUA, expresso, de modo geral, em toda a juventude estadunidense.

As pesquisas de opinião, ademais, não deixam dúvidas do impacto da questão palestina na opinião pública da ilha bipartidária disputada por Trump e Kamala, hoje muito maior que dez anos antes.

Até 2013, apenas 12% dos estadunidenses eram favoráveis aos palestinos, proporção que saltou para 27% após iniciada esta fase da limpeza étnica na Palestina, um aumento, em dez anos, de 125%.

Detalhe: na juventude dos EUA a visão favorável à Palestina já é majoritária.

Mesmo assim, isto é capaz de explicar, ainda que em parte, a derrota democrata?

Análises mais profundas dirão disso e de mais fatores, mas é muito plausível afirmar que, pelas características eleitorais que tem a sucessão nos EUA, notadamente a moldada pelo bipartidarismo, isto é, a polarização em todos os pleitos, com os dois partidos dominantes vencendo um ao outro por margens pequenas, qualquer alteração de poucos pontos é capaz de significar vitória ou derrota.

Supondo que do total de 4% dos eleitores preocupados com a política externa, apenas metade seja de democratas, e que apenas metade destes (1%) tenha deixado de votar em Kamala, isso faria cair, de eventuais 50% que tivesse da preferência, para 49% e, necessariamente, Trump sair de eventuais 49% para 50%.

E se este quadro tiver se repetido em vários estados, não seria apenas uma derrota de 2% ou 3% no cômputo do voto popular, mas a perda de todos os delegados nos estados em que esta diferença tiver levado à derrota democrata.

O papel democrata em relação à Palestina

Em virtude do papel dos republicanos na região da Ásia Ocidental, ainda designada Oriente Médio, desde o colapso da União Soviética, o imaginário popular, e mesmo de parte da intelectualidade ou de operadores políticos, é levado a creditar a esta fração da vida bipartidária estadunidense todos os tormentos dos países desta parte do mundo, notadamente a Palestina. Mas isso é engano crasso.

Se retornarmos à Declaração Balfour, de 2 de novembro de 1917, na qual Arthur James Balfour, então ministro de negócios estrangeiros do império colonial inglês, promete a Palestina aos sionistas euro-judeus em detrimento do povo palestino, lá estava o democrata Woodrow Wilson (1913-1921) que, ademais, tomou parte da Conferência de San Remo (Itália), realizada de 19 a 26 de abril de 1920, na qual os vencedores da 1ª Guerra Mundial definiram as fronteiras da Ásia Ocidental e, neste redesenho, o mapa para a Palestina a ser governada pelos britânicos para torná-la o “Lar Nacional Judeu” antes prometido.

Os EUA do democrata Wilson apoiaram integralmente o plano de limpeza étnica na Palestina para que nela uma nova demografia, a euro-judaica, fosse implantada em lugar da população originária, seja por seu apoio à Declaração Balfour, seja por seu papel ativo na Conferência de San Remo.

Em outro momento decisivo da história Palestina, a Revolução de 1936 a 1939, em que o povo palestino reage ao domínio colonial britânico e à empreitada sionista nele embutida e sofre a que pode ter sido, proporcionalmente, a maior mobilização bélica colonial para esmagar uma reação anticolonial, novamente um democrata comandava a Casa Branca: Franklin Delano Roosevelt.

E os EUA apoiaram decididamente os britânicos em suas ações na Palestina e no restante da região, tanto por razões construídas antes quanto porque suas empresas petrolíferas já lucravam na região e precisavam do controle imperialista dos aliados França e Grã-Bretanha para seguir suas atividades em “segurança”.

No momento posterior, para que não fiquemos nas alegáveis coincidências de calendário, o da maior limpeza étnica da história, a da Palestina, realizada entre dezembro de 1947 e outubro de 1951, a chamada Nakba (catástrofe), os EUA eram geridos pelo democrata Harry Truman.

Foi sob sua presidência que aos membros da ONU foram impostas as chantagens que produziram maioria em favor da recomendação de partilha da Palestina, selada pela Resolução 181, de 29 de novembro de 1947, quando aos palestinos, mais de 70% da população e donos de 94,13% da terra, foram destinados apenas 42,9% de seu próprio país para eventual futuro estado para si, ao passo que para os recém-chegados estrangeiros sionistas euro-judeus, no máximo 30% da demografia e com somente 5,87% do território, 56,5% dele, com outros 0,6% de área internacionalizada, basicamente Jerusalém, a ser administrada pelas Nações Unidas em nome da Comunidade Internacional.

Foi exatamente neste momento histórico que começou a produzir-se o que até hoje marca a Palestina: uma sistemática limpeza étnica, gerida por um regime supremacista judaico, iniciada em 17 de dezembro de 1947, que até outubro de 1951 levou à tomada de 78% da terra palestina e dela à expulsão ou morte de até 750 mil palestinos, 88% da demografia que habitava a porção então roubada para tornar-se, por autoproclamação, o estado de “israel”.

Em 1967, quando da tomada por “israel” do restante da Palestina ainda não sob poder sionista, Cisjordânia e Gaza, o plantonista democrata era Lyndon Johnson.

Neste momento os EUA, que já ajudavam economicamente “israel”, conforme o formato atual, desde 1959, foram decisivos, levando à vitória da agressão sionista e às suas conquistas territoriais, que se estenderam também ao Egito (Sinai) e à Síria (Colinas do Golã).

Nem o insuspeito Jimmy Carter, hoje um crítico feroz de “israel”, deixou de contribuir nas realizações sionistas do Partido Democrata. É dele o arranjo que levou, de 1978 a 1979, ao acordo de Camp David, entre Egito e “israel”, que resultou na devolução do Sinai aos egípcios.

Este é o primeiro round das façanhas de Carter. Depois, é dele a tentativa de impedir a revolução iraniana de 1979, bem como, em seguida, a insana e inútil guerra Irã-Iraque, armadilha na qual a região caiu.

Sem estas cenas na região, não teriam sido possíveis o ataque “israelense” à planta nuclear civil iraquiana de Osirak, bem como o aprofundamento da invasão do Líbano por “israel” (1982), evento facilitado pela invasão anterior, de 1977, no primeiro ano de Carter no poder, quando o território libanês foi ocupado pelas forças sionistas no sul, até o Rio Litani.

Embora em 1982 o presidente fosse o republicano Ronald Reagan, a realidade à sua disposição, inclusive a nova doutrina – Doutrina Carter, de janeiro de 1980, que proclamava o direito dos EUA de usarem a força militar para defesa de seus interesses na região, herança democrata do mandato anterior -, é que permitiu que fosse alcançado o objetivo “israelense” de deslocar a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) para fora do Líbano e, pela primeira vez na história, ficar longe das fronteiras históricas da Palestina, na distante Tunísia.

Disso decorreram os massacres nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em Beirute, entre 16 e 18 de setembro de 1982, covardia perpetrada por grupo fascista libanês minoritário, a falange, apoiada por “israel”, pouco mais de duas semanas após a saída dos guerrilheiros palestinos (30 de agosto), isto é, quando estes civis, quase todos mulheres, crianças e idosos, já não eram mais protegidos pelos armados palestinos.

Embora se possa creditar ao democrata Bill Clinton (1993/2001) o Acordo de Oslo (1993), é preciso reconhecer que as Conversações Multilaterais de Madri (1991) são do governo anterior, do republicano George Bush (o pai), no qual também tiveram início as conversas secretas que levaram a Oslo.

Fora disso, foi com Clinton que Oslo começa a morrer, primeiro com o assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, em dezembro de 1995, pelas mãos de extremista judeu, crime festejado por Ariel Sharon, o carniceiro de Beirute, e por ninguém menos que Benjamin Netanyahu.

Detalhe: no ano seguinte teria início a segunda parte do Acordo de Oslo e nada mais conveniente do que matar quem poderia dar-lhe seguimento, pois foi quem o assinou. Mais do que isso: chega ao poder pela primeira vez, em junho de 1996, ele, Benjamin Netanyahu, o encarregado de enterrar qualquer perspectiva de paz na Palestina.

Tudo isso sob Clinton, que agora, no Michigan, apoiando sua colega de partido Kamala na reta final da campanha, fez a pior manifestação de apoio ao genocídio palestino, justificando o extermínio palestino com a chocante afirmação de que “o ‘Hamas’ forçou Israel (sic) a matar civis palestinos. Os judeus estavam lá primeiro”.

Seguramente isso não reverteu os votos árabes e muçulmanos para Kamala. Mais fez em revertê-los para Trump, como parecem evidenciar os números e as primeiras análises, visto a derrota da democrata no estado.

Das “primaveras” ao genocídio em Gaza

Depois vem Barak (Hussein) Obama, negro, de pai muçulmano do Quênia, o democrata que mais deu esperanças ao mundo como presidente dos EUA.

Mas foi após sua investidura como vitorioso pelo colégio eleitoral que “israel” inicia, a 27 de dezembro de 2008, o atual ciclo genocidário em Gaza, naquele momento mantido até 18 de janeiro de 2009, dois dias antes da posse de Obama.

Alguém poderá dizer que ele ainda não era, formalmente, o presidente, o que é fato.

Mas já sob seu governo, Gaza foi novamente atacada, incontáveis vezes, destruída como nunca antes – 2014 foi o ano mais mortal e destrutivo antes do atual quadro genocidário – e teve sua reconstrução impedida por anos, bem como foi neste período que o bloqueio à faixa recrudesceu.

Sem contar que foi sob seu governo que muitos países árabes da Ásia Ocidental e do Norte da África foram destruídos por intervenções estrangeiras, potencializadas por insurgências internas posteriores, que custaram centenas de milhares de vida, da Líbia ao Iraque, passando pela Síria, ainda conflagrada. Foram as tais “Primaveras Árabes”!

E agora, o maior genocídio de todos os tempos, proporcionalmente, é uma obra democrata.

São 44.142 palestinos exterminados em Gaza, em um ano e um mês, que ascendem a 54.142, considerando os 10 mil desaparecidos sob os escombros, ou impressionantes 2,43% da demografia do território, como 5 milhões no Brasil ou 18 milhões para a Europa da 2ª Guerra Mundial por sua população atual.

É, também, a maior matança de mulheres e crianças em guerras e genocídios da história, totalizando 65% de todos os exterminados. As crianças assassinadas são 21.485, com as mortas sob os escombros, ou 9.766 por milhão de habitantes de Gaza, 3,5 vezes mais que as 2.813 por milhão na 2ª GM em seis anos, não em um.

Faltariam páginas para descrever o genocídio em Gaza, sob investigação da Corte Internacional de Justiça e assim descrito por todos os especialistas no tema.

Entretanto, vale apresentar a responsabilidade dos EUA e dos democratas neste extermínio. Primeiro, 80% de todas as armas, munições e sistemas utilizados no genocídio são dos EUA, bem como foram seus U$S 22,8 bilhões (R$ 125,2 bilhões) que pagaram esta aventura de “israel”, ou U$S 434 mil (R$ 2,4 milhões) para cada criança, mulher e demais civis exterminados em Gaza.

Diante de tudo isso, o eleitor estadunidense, que estava diante de escolher o “melhor” gestor do genocídio, optou por descartar os democratas, claramente os genocidas na Palestina.

Eles financiam o genocídio, impediram a ONU de impor um cessar-fogo e, mesmo depois dele aprovado, em março, não obrigam seu procurador, “israel”, a cumpri-lo.

Mais do que isso: mantêm armas e dinheiro para “israel” seguir no extermínio mesmo depois de a petição da África do Sul ter sido admitida pela Corte Internacional de Justiça e ter esta determinado, a 26 de janeiro, a cessação dos atos de genocídio.

Os eleitores dos EUA podem não ter enxergado o genocida futuro, Trump, mas enxergaram os donos do genocídio, Biden e Kamala, os democratas, que, não de hoje, ocuparam a Casa Branca em todos os momentos históricos em que a Palestina foi despojada e submetida ao experimento colonial genocida em vigor até hoje, que atende pelo nome fantasia “israel”. Kamala é a genocida assumida e conhecida. A Trump o eleitor pode ter dado o benefício da dúvida.

*Ualid Rabah é presidente da Federação Árabe Paliestina do Brasil – Fepal

-Via Viomundo