Há do que se orgulhar?
*Por Maria Berenice Dias
Dia 28 de junho é o Dia Mundial do Orgulho Gay. Será que alguém ainda não sabe disso?
Muitos questionam a necessidade de destacar um dia especial para marcar a luta pelos direitos da população LGBT. Outros tantos criticam a própria denominação da data. Como “gay” identifica a população homossexual masculina, os demais segmentos sentem-se excluídos. Assim lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais não estariam contemplados.
Também a expressão “orgulho” é alvo de questionamentos. Afinal, se orgulhar de quê? Será que pessoas tão excluídas, oprimidas e humilhadas podem ter orgulho de ser o que são? É longa a trajetória dos segmentos minoritários para merecerem aceitação e respeito. Muito mais quando o fator discriminatório diz com a orientação sexual ou identidade de gênero.
Historicamente a homossexualidade é considerada um pecado, um defeito, um erro ou um crime, que não pode ser revelada. Tida por degradante, precisa ser ocultada. Por ser uma atitude desviante, cabe ser corrigida. Ou melhor, eliminada. Por isso é que, ser identificado ou confundido com homossexual, gera um sentimento de menos valia, a ponto de ser esta a forma mais comum de xingar alguém. É o chamado bulling homofóbico.
Como as religiões se apropriam do tema da sexualidade, se arvoram o direito de impor condutas e culpabilizar quem se afasta do modelo sacralizado de família. Rejeitam as uniões homoafetivas sob a justificativa de a procriação ser a única finalidade do casamento. Com isso, manifestações de ódio são chanceladas. A violência é incentivada, a ponto ser reconhecida como exercício de um direito. E a violência é absolvida.
Por tudo isso, é difícil falar em “orgulho gay”. Mas será que existe algo a ser comemorado?
Com certeza há. O movimento homossexual está cada vez mais articulado. Denuncia qualquer ato discriminatório, realiza paradas, reivindica direitos e protesta contra a invisibilidade a que são condenados.
Também é digno de orgulho o Poder Judiciário deste país. Ainda que sem um referencial legal, invocando um punhado de princípios constitucionais, juízes e tribunais, há mais de uma década, vêm assegurando-lhes toda a sorte de direitos.
Mas para criminalizar a homofobia não basta a coragem da justiça. É preciso uma lei. Daí a iniciativa popular pela aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual. É a primeira mobilização social para inserir um segmento alvo de preconceito no âmbito da tutela jurídica.
Não há outra forma de vencer a perversa omissão do legislador que se escuda em preceitos de ordem religiosa para justificar o medo de comprometer sua reeleição.
Só assim todos teremos orgulho de ser agentes da construção de uma sociedade mais igual, mais livre e muito, muito mais feliz!
*Maria Berenice Dias (foto) é natural de Santiago (RS). Reside em Porto Alegre. É advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito das Famílias e Sucessões. Pós-graduada e Mestre em Processo Civil pela PUC-RS. Foi a primeira Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido a primeira mulher a ingressar na magistratura gaúcha.
(Fonte: Sítio
Sul21)