Em meus anos jovens, volta e meia eu escutava, em casos extremos, “este ano é para ser esquecido”.
Pois para mim, este 2019 que chega ao fim é um ano para não ser esquecido jamais.
Foi um dos piores anos da minha vida. Em parte, por razões pessoais. Mas principalmente, ou melhor, essencialmente, pelo que fizeram e fazem com este meu desgraçado país.
É preciso lembrar dele para sempre, para tentar impedir que se repita. Tentar resistir, da forma que der.
Teve de tudo, e esse tudo foi nefasto. Da autonomia universitária às artes e à cultura, com ênfase especial para o cinema e o teatro, da explosão da violência policial ao desastre do meio ambiente, do desmonte da Petrobras ao desmantelamento das políticas de respeito aos direitos humanos, do funeral da educação ao enterro de uma política externa construída ao longo de décadas, por onde quer que se ponha os olhos o que vemos é pura, furiosa destruição.
Em um ano retrocedemos décadas, e vai saber quantas mais serão necessárias para voltar ao ponto em que estávamos antes da catástrofe.
As sacrossantas instituições continuam apáticas, ninguém parece capaz de conter um Jair Messias desembestado em sua fúria devastadora.
A estas altas alturas da minha vida, de verdade não acredito que chegue a assistir a essa retomada. Não tenho, porém, outro caminho a não ser continuar na trincheira, resistindo como for.
Meu país desapareceu do cenário internacional, e nem mesmo nos anos mais duros da ditadura sua imagem foi tão absolutamente negativa entre os países civilizados do mundo. Vejo isso por onde ando.
Não, não tem como esquecer este ano tenebroso, de puras trevas. O que me pergunto é como chegamos tão fundo nesse poço sem fundo, e como assistimos, apáticos e inertes, a essa destruição absoluta.
Que Jair Messias era um primata tosco, grosseiro, totalmente desequilibrado, muitos de nós sempre soubemos. Muitíssimos.
Afinal, ele sempre agiu baseado exclusivamente em fúria, ódio, ressentimento. Profundo ressentimento. Um ultradireitista sem norte nem rumo, que jamais ouviu outra voz que a da sua mente enfermiça.
Durante a campanha eleitoral do ano passado ele percorreu o país avisando que faria o que está fazendo.
Às vezes, nos momentos de mais angústia, me pergunto como é que ninguém vislumbrou o perigo escandalosamente anunciado. E também me pergunto como é que semelhante sacripanta conseguiu convencer os eleitores de que valia a pena entrar nessa aposta suicida.
E recordo que entre os votos de Fernando Haddad e os que optaram por votar em branco, anular o voto ou se abster, estavam 61% do universo eleitoral brasileiro.
A única conclusão é que os que votaram em branco, se abstiveram ou anularam seus votos são responsáveis diretos pelo horror que estamos vivendo. Por ignorância ou seja lá o que for, porém responsáveis.
É preciso, claro, recordar a figura de um juiz manipulador e parcial, o mesmo que impediu que Lula disputasse a eleição mandando o favorito nas pesquisas de opinião para a cadeia num processo escandalosamente absurdo.
Essa mesma figureta abjeta que, numa eloquente demonstração de indecência, virou ministro de Justiça do presidente que ajudou a eleger.
E lembrar também a ação dos meios hegemônicos de comunicação, que se empenharam até o fundo da alma para demonizar a política e abrir espaço para essa aberração que nos destroça.
Mesmo levando tudo isso em consideração, o que tenho à minha frente é um país que estava submerso e veio à tona.
Um país extremamente reacionário, racista, homofóbico, e que eu sempre soube que existia mas jamais imaginei que fosse tão grande, e que se revelou ao eleger um tosco sem remédio para nos destruir, a esse país submerso inclusive.
É verdade que as pesquisas de opinião indicam que Jair Messias chega ao final do seu primeiro ano presidencial sendo o mandatário mais rejeitado da história.
Ou seja: meu país é também um país de arrependidos. De inconsequentes arrependidos.
Os ricos de sempre continuam otimistas. Os abandonados de sempre continuam em seu abandono. E o nefasto desequilibrado que nos preside continua prometendo piorar o que já está péssimo.
Mais que nunca, dizer “Feliz Ano Novo” soa, mais que a um desejo formal ou sincero, a um pedido desesperado.
Resta saber como fazer para resistir e sobreviver num 2020 que se desenha turvo num horizonte escuro. Até quando?
*Jornalista e Escritor - Via Brasil247