Celso Rocha de Barros, hoje, na Folha, resume em poucas linhas a situação de fraqueza de Jair Bolsonaro que impediu, até agora, que ele desfechasse o golpe autoritário que sempre mirou:
As chances de sucesso de um golpe bolsonarista já foram maiores: quando tinham Moro e o lavajatismo na mão, quando tinham o dobro de aprovação popular, quando a reeleição de Trump parecia certa, quando ainda havia quem acreditasse em Paulo Guedes, quando Bolsonaro ainda não havia sido o pior governante do mundo no combate à pandemia. Mas mesmo um golpe fraco pode ser bem-sucedido se não encontrar resistência.
Na última frase está o cerne da questão: a nossa capacidade de resistência foi desmantelada, erodida, quase destruída pela era do ódio à política que marcou a maior parte deste década.
Para viabilizar-se uma frente política, como é absolutamente necessário hoje, é preciso romper esta prática que, afinal, é a responsável por ter acontecido o inconcebível: legitimar-se, pelo voto, a ascensão de um psicopata com pretensões golpistas, como se a democracia pudesse escolher seu algoz para dirigi-la.
Todos – partidos, políticos, mídia, ministério público, juízes, Polícia Federal – estão na raiz deste processo que hoje as deixou impotentes diante deste monstro que pariram.
A reedição de frente democráticas, a que se refere a manchete de capa da Folha – “Manifestos pró-democracia buscam clima de Diretas Já após ataques de Bolsonaro” – não depende, como diz seu mais importante manifesto – o #Juntos – de ” deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”.
Trata-se de recusar, também, os métodos que estas disputas tomaram e que nos levaram ao que temos, tal como naquele distante 1984 tratou-se de recusar o golpe militar – igualmente apoiado por muito dos integrantes do movimento, duas décadas antes – como forma de ascender ao poder.
Para chegarmos ao movimento das Diretas Já houve, antes, o processo de reintegração na vida brasileira daqueles que dela foram excluídos pelas leis do arbítrio. Sem a volta deles, os cassados e exilados, na plenitude de seus direitos, não teria havido o reencontro do país com a liberdade.
Hoje, como então, mais do que eles exigirem, todos exigiam, mesmo alguns de seus mais ferrenhos adversários.
Nos dias de hoje é preciso que se reconheça que há um personagem que só pode dar a esta frente democrática o vínculo popular que ela precisa ter. Ninguém duvida, a crer no número que intitula um destes movimentos – o Somos 70% – que a metade, ou quase isso, o tem como referência.
Sabe-se que retirá-lo da política foi a pedra de toque do nefasto processo que nos conduziu ao desastre em que nos encontramos e é preciso fazer cessar esta causa quando se quer pôr fim às consequências.
Não é possível reconstruir a democracia sem que se readmita, nos seus anos finais ao menos, o mais importante personagem de duas décadas de sua reedificação no pós ditadura. Tratá-lo como um marginal é manter vivo o que gerou o monstro, o ódio doentio.
É tão forte o sentido disto que, sem citar-lhe o nome, todos sabem de quem se fala.
Formar ombro a ombro com os que ajudaram nas origens do nosso infeliz presente exige superar diferenças e rancores. E para isso acontecer, é preciso que seja mútuo, do contrário será falso.
Há que desfazer o nó central desta trama desastrosa que nos amarou e prendeu a um regime intolerável, se queremos desmanchá-la.
(Por Fernando Brito no Blog Tijolaço, do qual é Editor).
*Grifos deste Blog.
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