05 junho 2023

Depoimento muda a história da Operação Lava Jato

O ponto mais grave da entrevista do empresário Tony Garcia a Joaquim de Carvalho, na TV 247, reside no aspecto criminal

   Tony Garcia e Sergio Moro (Foto: Divulgação)

Por Paulo Moreira Leite*

É um fato sabido, há pelo menos uma década, que a Lava Jato atravessou vários limites impostos pelas leis que garantem o Estado de Direito para encontrar provas contra adversários políticos -- em particular Lula e o Partido dos Trabalhadores.

A novidade é que, na entrevista, Tony Garcia, empresário, ex-deputado estadual, personagem conhecido nas rodas sociais do Paraná, vai muito além. Num depoimento na primeira pessoa, descreve a criminalidade em grau máximo -- quando as autoridades encarregadas de defender o bem comum e garantir o cumprimento das leis, passam a agir como uma máfia criminosa para atender interesses e recolher benefícios próprios.

Com o conhecimento de quem já passou anos mergulhado nesse universo, negociou delações e cumpriu acordos com promotores e juizes, Garcia fala de atos criminosos que vão muito além dos simples "desvios de conduta," que vez por outra são cometidos aqui ou ali no cumprimento do dever. Não foi nada disso, explica o empresário, ao descrever seus interrogatórios.

"Quando eu respondia alguma coisa que não interessava para ele, ele desligava o gravador e chamava atenção dos advogados, que eu não tinha que falar assim, que eu tinha que falar que era propina. Ele botava na minha boca o que eu tinha que falar”, afirma Garcia na entrevista à TV 247, descrevendo a atuação de Moro.

Neste universo, os instrumentos destinados a garantir o cumprimento da lei -- como a cela de uma prisão, a delação premiada ou uma denúncia judicial -- não passam de instrumentos destinados a beneficiar acertos criminosos e acordos por baixo do pano.

Alguma dúvida?

*Fonte: Brasil247

-Leia também: Jandira cobra explicação de Moro e questiona "que moral" ele tem para se manter na vida pública após o caso Tony Garciaruvid


02 junho 2023

Não é desarticulação, é chantagem explícita e incontrolável

 


Por Moisés Mendes*

Seria apenas ingênua, se fosse mesmo desinformação, mas é deliberadamente grotesca a abordagem média dos jornalistas de direita, que enxergam a postura chantagista do Congresso contra Lula como resultado da falta de articulação do governo.

Conversa, articulação, concessões, incluindo a cedência de cargos, é da natureza da política, e Lula sabe como lidar com essas trocas.

Mas o que acontece desde que Lula assumiu é sabotagem. Jornalistas que tentam apresentar essa chantagem como normal estão naturalizando as atitudes de gangues da direita e da extrema direita.

O que chamam de desarticulação é resultado da ação desmedida dos sabotadores, como nunca o Congresso viu antes.

A síntese do que acontece está em muitas análises de quem não embarca nessa conversa.

O centrão e o bolsonarismo tentam fazer com que Lula tenha um operador da liberação de verbas de emendas dentro do Planalto.

Um despachante que mantenha os buchos do fascismo sempre cheios, para que o Congresso não incomode Lula.

Não bastam ministérios, cargos em escalões diversos e a liberação eventual de verbas para emendas. Tem que ser algo sistemático, da engrenagem do governo.

Todas as votações terão um preço, como ocorreu essa semana. E não há articulação que resolva esse ataque, porque o centrão não quer conversa nem fazer concessões pontuais, quer dinheiro.

Parte do jornalismo de esquerda reafirmou essa abordagem das tias da direita e até faz análises pretensamente profundas sobre a falta de articuladores confiáveis com o Congresso.

O mais hábil articulador, se estiver fora do governo e da base ativa em Brasília, pode ser chamado, onde estiver, que não mudará nada. Até porque a imprensa joga junto com os sabotadores.

Há como sair da armadilha criada pelo fascismo que contagiou a direita? A fragilização de Arthur Lira, com o flagrante nos cofres dos amigos das gangues de Alagoas, pode ajudar?

Talvez dê um susto, mas não ajuda muito. A única esperança está no que Lula sabe fazer como ninguém. Acionar o imponderável e inverter o jogo.

Não para que consiga deixar de pagar, o que parece impossível, mas para que pague menos.

*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas 'Todos querem ser Mujica' (Editora Diadorim)

Fonte: Blog do Moisés Mendes

Não Ao Marco Temporal

 


*Via BrasildeFato

01 junho 2023

Na visita de Maduro, Lula joga luz no viralatismo da mídia corporativa brasileira

'A mídia tradicional brasileira está entre as filhas reacionárias da Sociedade Interamericana de Imprensa, fundada pela CIA', diz o colunista Mario Vitor Santos


Nicolas Maduro  e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil)

Por Mario Vitor Santos*

A visita de Estado do presidente da Venezuela ao Brasil obrigou a mídia corporativa brasileira a explicitar mais uma vez a sua subserviência ao discurso do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a região.

São ideias, a rigor, já em revisão até mesmo em Washington, mas que se mantêm como prancha de resgate a que se agarra o  alquebrado jornalismo brasileiro.

O que seria dos veículos, editorialistas e seções de temas internacionais sem o recurso à ascendência estadunidense, diante de [quem] todos os veículos se prostram reverentes.

Lula ousou receber Maduro, dar-lhe assento e voz. Não o fez de maneira envergonhada. Defendeu o vizinho. Maduro e Lula retiraram a Venezuela da invisibilidade a que foi relegada pelo massacre jornalístico. A identidade de atitudes em relação à Venezuela entre a mídia corporativa e Bolsonaro é total. Ambos desejariam a continuidade do cancelamento do país vizinho.

Quando Lula, corajoso, fala que é preciso propagar uma outra narrativa sobre a Venezuela, imediatamente ele põe em questão um consenso irracional que tem a adesão até mesmo de alguns setores "de esquerda".:

A lamentar que essa unanimidade narrativa conte com a cobertura flácida realizada pelos veículos subordinados à pública EBC, que se renderam a um acompanhamento rotineiro em lugar de contribuir para dar um tom mais plural ao noticiário.

Sim, há uma narrativa única que orienta a mídia conservadora brasileira e latino-americana subordinada a Washington.

Cobrir a visita de Maduro ao Brasil é um desafio para essa mídia. A mera presença oficial do presidente de uma Venezuela tão difamada aqui tem ares de heresia para essa mídia, que retorna à rotina de dar conselhos sobre o que Lula e agora a Venezuela devem ou não fazer.

Noticiar a visita foi um sacrifício, repercutir foi um strip-tease, tudo obrigando à ruptura daquilo que Maduro, na imperdível coletiva com Lula, chamou de "invisibilização".

Para cobrir a presença de Maduro, os meios são obrigados a transmitir ao menos parte do que falaram os dois presidentes, inclusive do próprio "ditador", logo satanizado como monstro violador da democracia e dos direitos humanos.

A cada notícia sobre a visita repete-se a litania. Os jornalistas seguem um roteiro, que inclui “pagar um pedágio”, como se diz nas redações. O pedágio equivale a jurar de alguma maneira fidelidade a Washington, numa vassalagem constrangedora. A censura das edições não tem limites. Não há escuta dos diversos lados envolvidos. Falta apuração de informações colhidas in loco. Chegar à Venezuela passa por Washington. Teme-se uma verdade não autorizada.

Os comentaristas convocados para examinar o evento, sem exceção, têm a mesma opinião. Indignada com Maduro, claro.

Como de hábito, não há qualquer colher de chá para governantes discordantes dos Estados Unidos (Putin, Xi, Ortega, Maduro ou Erdogan). Mesmo a Venezuela com quem o Brasil compartilha semelhanças históricas, geográficas e culturais, parece distante.

A interdição ao contraditório é total. Os adeptos da nova Guerra Fria advogam liberdade de expressão e pluralismo para os outros, mas não a praticam em seus veículos.

A mídia corporativa brasileira (e parte da de “esquerda”) manifesta-se toda ela no mesmo diapasão, a partir da luz que filtra do Departamento de Estado, penetra na mídia estadunidense associada a ele e assim influencia as direções provincianas dos meios brasileiros.

Em geral, mal preparados e desatualizados em temas internacionais, os jornalistas não arriscam.

Repetem relatórios questionáveis sobre direitos humanos na Venezuela advindos de ONGs bancadas pelos Estados Unidos. Os direitos humanos são usados como arma para intervenção estadunidense. Em nome deles, omite-se a referência às reais causas das dificuldades socioeconômicas: as “900 sanções impostas ao povo venezuelano”, como lembrou Maduro em seu pronunciamento.

A mídia segue a lógica e realiza na prática intervenção nos assuntos internos da Venezuela. É uma sanção adicional ao país. Lula resiste a ela ao pedir uma outra narrativa. O presidente joga de volta o foco então para a atitude da mídia, que, flagrada, esperneia.

Tolera-se, por exemplo, um fato que pode já ser classificado como o roubo do século: o confisco de 31 toneladas de ouro venezuelano pelo Reino Unido. Toda essa riqueza foi colocada nas mãos de Juan Guaidó, autoproclamado presidente do país, herói do "mundo livre", que Lula ontem definiu como "impostor".

Fica tudo por isso mesmo.

Repetem o evangelho anti bolivariano, reclamam de democracia, obscurecendo que o vizinho realizou 29 eleições em 24 anos, sendo 27 vencidas pelo PSUV, partido de Chavez e Maduro. A Venezuela é mais democrática que o Brasil.

A última eleição teve 4 governadores eleitos pela oposição. E eles seguem governando. Ditadura?

A Venezuela, acrescenta Maduro, mudou muito nos últimos tempos. Cresceu 15% no ano passado e deve crescer 5% neste ano.

Espera-se que uma mudança oficial da linha emanada de Washington chegue aqui. Guaidó já foi até destituído da liderança da oposição.

Washington já se rendeu às evidências e começou a transacionar sem alarde com Caracas (o que Moscou nunca, nem no auge da crise, deixou de fazer), a Venezuela vem tentando sair do fundo do poço, mas a mídia segue aferrada a seu credo intervencionista.

Como definiu a agência Bloomberg, a visita de Maduro ao Brasil constitui um "golpe na estratégia de isolamento da Venezuela praticada pelos EUA". Quem sabe não seja o golpe definitivo?

Já a mídia corporativa brasileira prossegue acomodada entre as mais reacionárias filhas da Sociedade Interamericana de Imprensa, fundada pela CIA para orientar os veículos da região. Mal-informada, ignora as mudanças da Venezuela dos últimos tempos. Maduro teve aqui a oportunidade de falar sobre a existência de um novo ambiente entre a classe média e empresários venezuelanos.

A quebra dos tabus geopolíticos operada por Lula ensina, pela diplomacia, um respeito à objetividade, equilíbrio, obediência aos fatos, ao pragmatismo e o respeito à autonomia e soberania de outros povos.

Qualquer ação do imperialismo (sim, ele existe) nossa mídia aceita e justifica. Hoje [30/05], o presidente uruguaio Lacalle Pou e o chileno criticaram Lula, para gáudio do partido da mídia conservadora. Nada que defenda a realidade de um mundo multipolar merece crédito. Há um batalhão   de jornalistas ocupado em satanizar e semear o ódio contra qualquer um que os EUA elejam como inimigos.

O deputado Zé Trovão pediu ao governo estadunidense a prisão de Maduro. Alguém tem dúvida sobre se a mídia corporativa está ou não ao lado deste bolsonarista?

*Mario Vitor Santos é jornalista. É colunista do 247 (fonte desta postagem) e apresentador da TV 247. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.

28 maio 2023

AP 470, precursora da Lava Jato, foi uma farsa criminosa contra o PT e a democracia

"Julgamento da Ação Penal 470, batizada com o nome fantasia de “Mensalão”, significou um ataque sistemático e virulento contra o PT", diz Milton Alves

  Dias Toffoli e José Genoino (Foto: Nelson Jr./SCO/STF | ABR)

Por Milton Alves, no Brasil247*

A espantosa e cínica confissão de Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), feita na quinta-feira (25) no plenário da corte suprema, em que disse ter votado pela condenação de réus no julgamento da AP 470 (Mensalão), incluindo o ex-presidente nacional do PT, José Genoino, mesmo sabendo que eram inocentes, é um dado revelador dos métodos arbitrários de decisões que, nos últimos anos, degradam o Sistema de Justiça do país.

Eis a íntegra da declaração de Dias Toffoli: “Eu votei pela condenação do ex-presidente do PT, José Genoino, para poder participar da dosimetria, sim. Ele houvera assinado um contrato de financiamento com um dado banco, não me lembro o nome, junto ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Mas todos nós que conhecemos o José Genoino sabemos que ele não tinha a ideia do que estava se passando, completamente ingênuo e inocente em tudo que aconteceu”.

O ministro Dias Toffoli admitiu ainda que condenar réus mesmo sabendo da inocência para garantir uma futura redução da pena (dosimetria da pena), é um erro que começa a ser corrigido pelo STF.

Ou seja, as declarações do ministro apenas confirmam, mais uma vez, que a Ação Penal 470 foi marcada pelo traço da violação aos princípios constitucionais do direito à ampla defesa e do contraditório, da presunção de inocência, além da prática odiosa da execração pública dos acusados, um verdadeiro linchamento moral executado pelo aparato midiático, municiado pelo próprio poder judiciário — prática depois ampliada pela famigerada operação Lava Jato.

Uma farsa contra o PT

O julgamento da Ação Penal 470, batizada com o nome fantasia de “Mensalão”, significou um ataque sistemático e virulento contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e o primeiro governo do presidente Lula, uma campanha que visava demonizar e desmoralizar a esquerda, manipulando de forma demagógica o tema da corrupção.

A intensa cobertura midiática das sessões da CPI no Congresso e das sessões do STF durante o processo do “Mensalão” inaugurou o período de espetacularização da ação judicial, dos juízes elevados à categoria de heróis — foi assim que a mídia tratou Joaquim Barbosa e depois Sergio Moro, na Lava Jato.

Enquanto isso, José Genoino, José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato eram tratados como se fossem perigosos bandidos, facínoras, trucidados moralmente, condenados politicamente.

O PT, na ocasião, demorou para reagir aos ataques contra os nossos dirigentes e a direção partidária responsável pela campanha vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002.

Uma das maiores mentiras e erros judiciais da AP 470 foi a condenação de Henrique Pizzolato – ex-sindicalista, então diretor do Banco do Brasil -, baseada na suposta manipulação do contrato Visanet-BB onde, na verdade, nem havia dinheiro público envolvido, nem desvio de verbas. Os recursos tiveram a aplicação comprovada em notas fiscais, comprovadas em auditoria interna do BB, inclusive integrada na investigação feita pela Polícia Federal, mas criminosamente desprezada pelo procurador-geral e depois pelo relator, Joaquim Barbosa.

A condenação do ex-ministro da Casa Civil do 1º governo Lula, José Dirceu, com base na teoria do domínio do fato – quando considera-se o autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, a capacidade de decisão sobre sua realização – foi mais uma aberração fabricada pela AP 470.

Os resultados desastrosos e traumáticos do “Mensalão" e da Lava Jato, com a criminalização da atividade política, exigem um rigoroso balanço da sociedade para passar a limpo os crimes cometidos contra os direitos humanos fundamentais, os direitos políticos, a economia nacional, as ameaças contra as garantias individuais e o estado de direito.

E num processo de maior acumulação de forças da esquerda e dos movimentos populares a demanda por um novo arcabouço constitucional, com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, segue sendo um desafio estrutural para a consolidação democrática no Brasil.

...

Aviso aos leitores/as de Curitiba: No próximo sábado (3), às 11h, no Nina, a Kotter Editorial promove o relançamento do meu livro “Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil”.

*Milton Alves é jornalista e sociólogo 

Via Brasil247