Por Fernando Brito*
Ontem, no final da tarde, inicio da noite, a calçada da Visconde de Pirajá, por sete ou oito quadras era pródiga em lições de economia, de sociologia, de filosofia e uma prova a medir quanto nos resta de humanidade.
Ipanema, bairro rico da cidade, primeiríssimo mundo, gente bem cuidada e bem vestida – ainda mais nestes tempos de frio – , está vazia. É inverno, não há turistas, os bares já não existem como antes, quase todos amesquinhados pela “gourmetização” da classe média, com nomes e cardápios estranhos e bestas.
Na “ida” da caminhada, como é comum nestes tempos, alguns pedintes, embora em maior número do que em tempos recente. Sessenta anos de Brasil injusto, porém, acostumam a gente a estas cenas, ainda que não nos levem à indiferença.
Na volta, porém, a noite caíra e o frio – nem tanto quanto na véspera, é verdade – fazia brotar, diante das lojas fechadas, pelo horário ou pela crise – um jardim monstruoso de papelão e de cobertores rotos a servirem de ninho a gente, gente e mais gente que se começava a se preparar, como bichos no crepúsculo, para a hibernação na rua.
Aqui e ali a uniformidade da miséria se quebrava: uma senhora idosa, a pele do rosto vincada pelo tempo, sentada sobre um degrau, comia os restos de uma quentinha, talvez a sobra do que conseguira na generosidade do dia; um ou outro cão, destes da raça “não-pet” que saltita, feliz, a provar que amor não é privilégio nem do dinheiro nem do ser humano; o garoto, aí de uns onze-doze anos que cuida, carinhoso da irmã pequena, enquanto a mãe ou quem lhe faça às vezes sai para a caçada de esmolas…
O trabalho de procurar poesia no que faz, a eles e a quem os vê, humanos é, porém, tanto doído quanto cínico.
O blogueiro pensa em tirar fotos, mas o sujeito que o abriga não permite: não posso tirar mais deles nem a imagem, nem o anonimato, não posso os tratar como objetos da curiosidade pública.
Volto o olhar para os que passam por eles. Há nos olhos a mescla de desprezo e medo; nenhuma culpa, porém, porque para isso seria preciso que sua religião e seu deus não fossem uma hipocrisia.
Melhor negá-los, não vê-los, dizer, quem sabe, dizer que não há fome no Brasil, que os desvalidos são os “paraíbas” indolentes – os que não são como os que os servem como porteiros, garçons, cozinheiros, empregadas domésticas.
É gente indolente, preguiçosa, que se acostumou às “bolsas disso e daquilo”, como diz o homem a quem fizeram “Mito”.
Os intelectuais discorreriam sobre o desemprego, a recessão, o crescimento das desigualdades, o desalento que deforma e prostra o ser humano, na degradação da vida urbana que desumaniza pobres e também os ricos e os “remediados” como nós.
Outros sobre os erros do PT, uns de seu republicanismo ingênuo, alguns sobre suas composições com a velha política que induziram a deformações.
Todos podem ter razões, certamente as terão.
Eu prefiro pensar que o ódio aos pobres, aos “paraíbas”, a tudo o que cheire a povo brasileiro nos levou a isso e, pior ainda, não nos deixa sair disso.
E que, no fundo, tudo aceitam, menos o paraíba que nos fez acreditar que o país era de todos e, por essa heresia, há de ser posto a dormir no frio de uma cela em Curitiba.
*Jornalista/blogueiro - Editor do Tijolaço
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